23 Julho 2012
Documentos inéditos sobre a exportação de material bélico brasileiro, um dos segredos militares mais bem guardados pelo país, revelam que o Brasil vendeu ao ditador Robert Mugabe, do Zimbábue, um tipo de bomba condenada pela comunidade internacional.
A reportagem é de Rubens Valente e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 22-07-2012.
Após negar duas vezes um pedido da Folha com base na Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Defesa voltou atrás e liberou 1.572 páginas de documentos secretos.
São registros de 204 operações de exportação de armas e munição, no total de US$ 315 milhões, de janeiro de 2001 a maio de 2002, os mais recentes disponibilizados. Os papéis, diz a pasta, manterão sigilo de no mínimo dez anos.
É a primeira vez que o órgão libera o acesso a documentos do gênero.
Entre os registros está a revelação de que o Brasil vendeu ao Zimbábue, em agosto de 2001, US$ 5,8 milhões em bombas de fragmentação e incendiárias.
Foram vendidas 340 bombas completas, além de componentes para a montagem de outras 426 bombas de fragmentação e 605 incendiárias.
Na época da aquisição, Mugabe, no poder desde 1980, era acusado de ajudar uma guerra no vizinho Congo e enfrentava distúrbios na zona rural do país, com a morte de fazendeiros brancos.
A venda pelo Brasil das bombas de fragmentação era uma antiga suspeita de ONGs que monitoram o uso dessas munições, conhecidas como "de dispersão".
A bomba é assim chamada porque, ao ser detonada, espalha de 14 mil a 120 mil esferas de aço, a depender do modelo, que podem atingir indistintamente combatentes e população civil. As esferas de bombas maiores podem se espalhar por área equivalente a sete campos de futebol.
Em 2008, mais de cem países assinaram convenção que veta a fabricação e venda do tipo de bomba. Brasil, EUA e Rússia, dentre outros, recusaram-se. "A transparência do Brasil na matéria é historicamente muito ruim", diz Cristian Wittmann, de uma coalizão de ONGs contra esse tipo de munição.
O diretor de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, o general de brigada Aderico Mattioli, disse que muitas vendas "chamam a atenção" por indicarem munição pesada, mas podem estar relacionadas a treinamento de militares. "É uma munição, diga-se de passagem, de um material antigo", disse.
RANKING
Os dados obtidos pela Folha eram desconhecidos por ONGs que estudam o comércio de armas. No ranking do Sipri (Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisa sobre a Paz), uma referência no tema, o Brasil aparece em 2001 no 46º lugar, o último, ao lado de países que não venderam material bélico.
Eles revelam a venda total de US$ 287,4 milhões em 2001, o que projetaria o Brasil para a décima posição no ranking liderado pelos EUA, que venderam US$ 6 bilhões.
A Sipri cita que o Brasil vendeu US$ 26 milhões em 2002, menos que as vendas de apenas quatro meses daquele ano: US$ 27,6 milhões.
País se opõe a "transparência total" em debate na ONU
Em declaração escrita apresentada à ONU, o Brasil atacou "a transparência absoluta" no tema da exportação de armas. Representantes de 193 países participam de uma negociação na sede da ONU, em Nova York, até o próximo dia 27, para tentar estabelecer um inédito Tratado de Comércio de Armas.
Segundo a declaração brasileira, de 2 de julho e apresentada no encontro pelo representante nas negociações, embaixador Antonio Guerreiro, o acesso livre "poderia expor os recursos e a capacidades dos países [...] de sustentar um conflito prolongado".
"Obrigações relativas a relatórios e transparência deverão ser tratadas com os necessários bom senso e precaução", diz o texto.
Daniel Mack, coordenador de Políticas de Controle de Armas do Instituto Sou da Paz, de São Paulo, que acompanha as negociações sobre o tratado, classificou a preocupação como "anacrônica".
"Transparência é o 'calcanhar de Aquiles' da posição brasileira, o que não deixa de ser altamente irônico e contraditório, considerando a nova Lei de Acesso à Informação. [...] Dos maiores exportadores, o Brasil tem a pior transparência, não só em relação aos países europeus e aos EUA, mas também em comparação com a África do Sul e a Sérvia", disse Mack.
RASTREABILIDADE
Embora avesso à transparência nas exportações, o Brasil quer dar o exemplo no tema da rastreabilidade das munições e armas, aspecto elogiado por Mack.
O país afirma que a indústria nacional já consegue fazer marcações a laser de armas e munições, à prova de raspagem, de forma a possibilitar a imediata identificação do fabricante e do destinatário final do produto.
A medida poderia coibir desvios de armamentos e ajudar a apurar crimes contra direitos humanos.
Na declaração, o Brasil diz ser preciso um esforço internacional conjunto para prevenir, combater e erradicar o contrabando de armas.
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Brasil vendeu bombas condenadas a ditador do Zimbábue - Instituto Humanitas Unisinos - IHU