29 Junho 2012
Em seu último livro, Souci de soi, conscience du monde [Cuidado de si, consciência do mundo], o sociólogo Raphaël Lioger defende que a nossa época é o cenário de uma transformação radical do religioso, na qual o sagrado invade todas as esferas da vida social.
A reportagem é de Antoine Dhulster, publicada na revista Témoignage Chrétien, 23-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em seu último livro, você explica que a nossa época assiste ao surgimento de uma nova religião: o indivíduo-globalismo. Você não vai um pouco longe demais ao defini-la como uma religião?
Tudo depende do que se entende por religião. Para mim, é o âmbito das atividades humanas em que se desenvolvem as instituições especializadas na produção e na difusão de mitos. Os mitos são os grandes relatos implícitos, impensados, aos quais todos nós aderimos. Eles estruturam a nossa existência e lhe dão um sentido. E isso, muito além da esfera "religiosa" em sentido estrito.
Por exemplo, no mundo cristão, a crença não se detém nas portas das igrejas. Ela está difundida em toda a sociedade, até mesmo nas atividades cotidianas. Eu acredito que o nosso mundo desenvolvido, ou pós-industrial, está submetido a uma nova tensão mítica, a um novo grande relato. Nesse novo marco, o indivíduo busca a sua realização, a resposta às suas perguntas metafísicas, em um processo que inclui preocupações globais: a ecologia, a paz mundial etc. A tensão entre essas duas dimensões – individual e global – é o que chamo indivíduo-globalismo.
Em que se baseia essa espiritualidade?
Em primeiro lugar, em uma visão moderna do ser humano, radicalmente diferente daquela que dominou durante séculos. Na antiguidade grega, pensava-se o ser humano como uma pessoa que adquiria sua dignidade na participação na vida da polis. Depois, dependendo dos contextos e das épocas, na vida da tribo, da família e da nação. Na época moderna, nasce o indivíduo. O conceito de indivíduo é a ideia segundo a qual o ser humano se volta à sua subjetividade, que é abissal, e que se torna, ela mesma, uma espécie de transcendência. Segundo elemento: a nossa visão de mundo. Também a partir da época moderna, se desenvolve uma visão do nosso universo como um conjunto infinito.
Até esse momento, a própria ideia de infinito era muito negativa. Os gregos pensavam o cosmos como algo perfeito, porque finito, determinado. Em pensadores como Kant, no fim do século XVIII, vê-se aparecer, portanto, essa dupla noção de indivíduo, que conquista a sua subjetividade em um mundo que se pensa já infinito. A lei moral está nele, como subjetividade abissal. E, por outro lado, há o universo infinito, o céu estrelado acima dele. No século XIX, particularmente com o movimento romântico, esse esquema de pensamento supera o quadro da razão e conquista o campo da emoção. Depois, alcança os nossos modos de viver. Antes marginalmente, em comunidades como a de Monte Verità, na Suíça, depois de forma espetacular com a Nova Era nos anos 1960 e com as nossas preocupações místicas e ecológicas hoje.
Eu tento mostrar que há uma continuidade entre esse longo processo intelectual – a subjetividade do sujeito e o mundo pensado como infinito – e o nosso modo de viver atual. Os mesmos elementos são mobilizados, na busca do bem-estar pessoal nos atos mais cotidianos e, ao mesmo tempo, com a preocupação de um equilíbrio global. Se alguém tivesse hibernando nos anos 1970 e se acordasse agora, constataria que os hippies tomaram o poder. Muitos pensadores analisaram essa reviravolta como a da pós-modernidade. Pessoalmente, defendo a ideia de que a pós-modernidade é a modernidade em atos.
Como imaginar a relação entre o indivíduo-globalismo e as religiões institucionais?
Há uma coexistência entre esse esquema e as grandes religiões. Estas continuam existindo porque o velho mundo, que as criou, ainda existe. Mas estamos em um período de transição. E, a meu ver, existem três possibilidades para as grandes religiões: ou resistem agarrando-se ao passado e, nesse caso, haverá a fuga dos fiéis; ou fazem compromissos com a modernidade e se mantêm vivas; ou antecipam as transformações futuras e, nesse caso, aumentarão seus fiéis.
Concretamente: no cristianismo, uma parte do indivíduo-globalismo, na sua versão emocional, se manifesta nos movimentos evangélicos, que veiculam uma efervescência coletiva e fazem com que os fiéis acreditem que poderão mudar as suas vidas. A Igreja Católica resistiu a essa mudança trazida pelos evangélicos. Resultado: perdeu todos os ciganos franceses, ou se tornaram praticamente neoevangélicos, embora continuando a praticar o culto de Maria, que normalmente é incompatível com o culto protestante, mas isso não é problema para eles. Em um certo ponto, a Igreja começou a compreender esse movimento e "enquadrou" a renovação carismática. Assim, ela passou para a segunda atitude, a da negociação.
Então, a Igreja Católica ainda tem uma carta na manga com relação à modernidade?
Sim, de forma evidente. O indivíduo-globalismo é o produto da modernidade. Mas também devemos lembrar que a modernidade é o produto da evolução dialética do cristianismo, do qual a Igreja Católica participa há 2.000 anos. A relação com o indivíduo pensado como sagrado está presente cristianismo mediante a ideia de encarnação. Lembremos ainda que a filosofia iluminista é um desenvolvimento da teologia cristã em um certo nível. Ora, é justamente a filosofia iluminista que faz nascer o indivíduo-globalismo. Portanto, a Igreja Católica pode se recompor compativelmente com esse novo mito. E ela já faz isso, através das suas redes e das suas ONGs que levam a voz católica ao mundo, à ONU, às instituições internacionais... Mas essa mudança de paradigma pressupõe o abandono de uma parte da sua dogmática, que a mantém nos velhos esquemas.
A Igreja poderia abandonar a sua dogmática? Você acredita nisso?
Pode haver uma resistência muito forte, mas a história nos mostra que a necessidade faz a norma. Por enquanto, a Igreja não está à beira do abismo, mas, quando chegar ao ponto em que não poderá nem mesmo manter o Vaticano, acho que ela aceitará reinterpretar o seu dogma.
Você certamente percebeu que a tendência atual, ao contrário, é o do retorno à Tradição...
Certamente, é um reflexo clássico, provocado pelo medo. Quando temos medo, nos retraímos. Falando em termos de imagem, constroem-se barragens para se proteger das correntes dominantes. Mas, ao fazer isso, proibimo-nos de pensar ou de compreender essas correntes, fixamos a atenção sobre as barragens artificiais. É o mesmo processo do debate francês sobre a identidade. Se fazemos um debate sobre a identidade, significa que a identidade não é mais evidente. Naturalmente, a identidade é algo impensável. Se eu preciso torná-la reflexivo, quer dizer que ela não existe mais. É a mesma coisa para a religião. Quando um indivíduo quer se pensar tradicional, ou integralista, constata implicitamente que a sua tradição morreu.
Que fé, que conteúdo você vê para essa nova espiritualidade que anuncia?
As religiões se recompõem em torno a uma noção central, a energia, que é, ao mesmo tempo, salvadora e pessoal. Daí a noção de conexão, de conectividade entre o individual e o global, entre o indivíduo e a natureza. Nesse contexto, o próprio dogma católico é reinterpretado com essa ideia de energia. É preciso pensá-lo perto do imaginário da ioga, da espiritualidade oriental.
Então a sua tese é a de uma releitura da tradição cristã em uma versão sincrética influenciada pelas outras formas de espiritualidade?
Sim, e isso terá como resultado tornar-nos bipolares. Interiorizaremos, cada um de nós ao nosso nível, as culturas diferentes à nossa. Por exemplo, incensaremos o taoísmo ou o budismo, porque se pressupõe que sejam próximos à natureza. E, simetricamente, rejeitaremos o catolicismo... mas só em um primeiro momento, porque certos aspectos do catolicismo permitem pensar a ecologia, a união com a natureza, o equilíbrio global. É neste jogo de confrontos que o rolo compressor indivíduo-global avança e aproxima as religiões, focando-se na sua estética, mas removendo-lhes o seu núcleo dogmático. As religiões tornam-se pouco a pouco intercambiáveis. Na prática, vê-se o aparecimento de híbridos: faz-se ioga cabalística, gi gong cristão ou meditação zen recebendo a comunhão...
Mas, na prática, todos esses comportamentos continuam sendo individuais, muito limitados. Que relação existe com a prática religiosa da maioria?
Isso é muito menos limitado do que se pensa. No Ocidente, essa espiritualidade é levada adiante pela classe média. Falando em termos midiáticos, os "bobo" [neologismo criado pelo jornalista norte-americano David Brooks a partir da contração de "burguês-boêmio", para se referir a uma pessoa de um certo nível de vida com um estilo de vida pouco convencional]. Mas não só. Poderiam ser acrescentados os católicos de esquerda, muito interessados no diálogo inter-religioso ou o âmbito humanitário, processos indiscutivelmente indivíduo-globais.
As outras partes da população aderem ao mito indivíduo-global, mas não podem se permitir isso completamente, eu poderia dizer. O indivíduo-globalismo é a cor dominante do quadro, mas uma parte da população o percebe como degradado. Nem todos vivem o conhecimento de si mesmo, a realização pessoal, mas todos aspiram a isso. O único que chega a viver essa busca no seu cotidiano é o "bobo" no seu trabalho. Mas a busca, no entanto, se refere a todos. Assim, os outros vão viver os mesmos problemas... no seu tempo livre, fazendo estágios de desenvolvimento pessoal, viagens espirituais, consumindo produtos orgânicos etc.
E em escala planetária?
Encontramos a mesma assimetria. Aqueles que são objeto dos novos cultos (os povos tradicionais, por excelência) sabem que fazem parte do cenário da experiência espiritual que os cidadãos das sociedades pós-industriais buscam viver. Eles mesmos são obrigados a imaginar o que aqueles turistas esperam esteticamente para fazer com que vivam uma experiência. Senão, perdem a força de atração econômica. Portanto, há uma forte pressão ideológica, em que aqueles que jogam esse jogo de papéis (o que eu chamo de "hiperbeduínos" ou "hiperzulus") acabam se afastando do "núcleo" da sua cultura para corresponder às expectativas dos cidadãos das sociedades pós-industriais. Desse ponto de vista, a "valorização" do outro, na realidade, contribui para a sua destruição identitária. Em escala planetária, é a uniformização. As únicas diferenças que restam são estéticas, permitem viajar e viver a aventura para progredir interiormente e encontrar a si mesmos.
Essa mudança lhe parece irreversível?
Sim. Há precisamente a formação de um fundo mítico comum a toda a humanidade, que corresponde a uma situação política, econômica, em que todos já tomaram consciência da condição dos outros. Portanto, não é possível voltar atrás. Quais serão as consequências dessa revolução em algumas décadas? Poderão ser positivas ou negativas. Pode-se até imaginar um integralismo indivíduo-globalista: seitas de loucos poderiam querer destruir a humanidade ou instaurar uma ditadura anti-humanista por causa das devastações causadas pelos seres humanos ao meio ambiente. É possível. Assim como é possível um mundo em que a realização pessoal se tornará a norma dominante. O roteiro ainda está para ser escrito.
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Uma nova espiritualidade global? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU