16 Abril 2012
As redes sociais certamente não são os nossos redentores morais. Temos o poder de dar o melhor de nós mesmos, mas também o pior, tanto online, quanto na realidade.
A opinião é do escritor norte-americano Bruce Sterling, que ajudou a definir o gênero ciberpunk com sua obra Mirrorshades. Também é professor de professor de estudos de internet e de ficção científica da European Graduate School, na Suíça. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 11-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vinte anos atrás, eu escrevi um livro, The Hacker Crackdown, que falava de computadores e de crimes. Ainda me lembro do choque quando entrei em alguns BBS [Bulletin Board Systems, sistema de conexão via telefone entre computadores, que deu origem à Internet atual] de então, encontrando-os repletos de evidentes e despudoradas atividades criminosas. Esse choque não é deriva do crime em si mesmo. Trafica-se drogas no Silk Road [mercado negro online, também conhecido como a "Amazon das drogas"], mas se trafica muito mais no México atual, onde, além do mais, se atiram, se decapitam, se reduzem as pessoas à escravidão.
O choque veio sobretudo da atitude moral dos participantes. Porque os usuários do Silk Road estão "na Internet", sem usar nenhum dos seus protocolos públicos padrões e, pior ainda, fazem trocas em um mercado negro com um tipo de "dinheiro" que não é nem mesmo dinheiro de verdade. Se isso não bastasse como insulto à decência pública, são também hackers cypherpunks. Por 20 anos, se divertiram desafiando as autoridades a frear as suas criptotecnologias. Dedicam mais energias ao desafio e ao desprezo do que ao crime propriamente dito.
A mania dos bitcoins [moeda digital] é uma inovação interessante, mas se o bitcoin representasse uma séria ameaça à estabilidade pública, ela cresceria na velocidade da luz como o Twitter ou o Pinterest. Ao contrário, ela não cresceu. A soma de dinheiro que circula em bitcoin equivale apenas a uma mínima parte do dinheiro sujo reciclado por qualquer grande partido europeu moderno.
Sem dúvida, os defensores do bitcoin gostariam muito de se tornar uma das principais fontes de fraudes financeiras, mas já há muitas. Apesar do empenho, o bitcoin não conseguiu se afirmar. Sinto muito pelos aspirantes a criminosos amadores que pensam que podem ser totalmente anônimos e seguros na Internet atual. Nem Osama Bin Laden conseguiu isso, e ele era cem vezes mais astuto e hábil do que os hackers drogados que usam o Silk Road. A maior parte das pessoas que instalam o BitTorrent e buscam drogas fáceis também usam o Facebook. Se você sair por aí com drogas que você comprou no Silk Road, você provavelmente vai se meter em outros problemas.
Além disso, veja o que acontece quando a polícia pede um mandato para investigar sobre as suas atividades no Facebook: como por mágica, em um instante e quase sem esforço, a polícia se apossa de uma lista segura e acurada de todos os seus "amigos", incluindo fotos, mensagens do seu mural, de tudo o que você compartilhou, dos seus comentários... E até mesmo atividades no Facebook que você pensava que tinha "apagado". A polícia nem precisa se levantar da cadeira para fazer isso.
Isso também é chocante e é uma perspectiva obscura. A Rede é obscura porque a própria humanidade tem lados obscuros, e as nossas redes sociais certamente não são os nossos redentores morais. Temos o poder de dar o melhor de nós mesmos, mas também o pior.
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''A Rede é tão obscura quanto a humanidade''. Artigo de Bruce Sterling - Instituto Humanitas Unisinos - IHU