Por: Jonas | 05 Março 2012
Seis anos atrás, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, subiu ao palco na Conferência TED 2006 e explicou de forma muito gráfica os efeitos da mudança climática. Aquela fala foi o germe do que depois se converteria no documentário Uma Verdade Inconveniente, que após receber o Oscar, finalmente, conseguiu conscientizar as massas sobre um problema que seis anos depois segue sem ser resolvido e agrava-se a cada dia pela falta de iniciativas efetivas, do que alertou pela primeira vez o climatologista James Hansen, em 1981, no legendário artigo publicado na revista Science.
Na última quarta-feira, esse homem de 70 anos, com chapéu de explorador, que decidiu abandonar sua paixão por Vênus para concentrar-se em estudar e alertar o mundo sobre o aquecimento global e de suas consequências, que devido a isso chegou a ser censurado pela NASA na era de Bush, subiu no mesmo palco que Al Gore para relançar a voz de alarme e propor soluções.
Ele afirma que foi o nascimento de seus netos o que lhe levou, há dois anos, a voltar à arena pública da qual se aposentou decepcionado e a escrever um livro intitulado Storms of my Grandchildren (Tempestades de meus netos). Sua proposta para evitar a catástrofe para onde nos dirigimos se não frearmos o aquecimento global? Impor um imposto para as empresas produtoras de energias fósseis, que aumente de forma progressiva a cada ano até que se torne tão caro produzir carvão ou petróleo que optem por investir em energias limpas. Ao mesmo tempo, os cidadãos serão penalizados indiretamente em função da quantidade de dióxido de carbono que implique a produção de seus bens. A mão invisível dos mercados faria o restante.
A entrevista é de Barbara Celis e está publicada no jornal espanhol El País, 02-03-12. A tradução é do Cepat.
Confira a entrevista.
Em seu livro, você critica o protocolo de Kyoto por deixar as decisões para frear a mudança climática nas mãos dos governos. É certo que desde que você alertou sobre o que ocorreria e previu fenômenos como o derretimento das calotas polares, secas e inundações extremas, a situação não fez mais do que piorar. O ano de 2010 registrou a maior emissão de CO2 da história. Como você vê essa situação?
Trata-se de um problema demasiado importante para deixá-lo nas mãos dos governos que, por outro lado, demonstraram perfeita submissão aos interesses do setor energético. Em Washington, para cada congressista existem cinco pessoas fazendo "lobby" em favor dos combustíveis fósseis, que são os principais responsáveis pelo aquecimento global. A indústria energética possui muito poder. E o mais absurdo é que, além disso, recebem entre 400 e 500 bilhões de dólares, por ano, em subsídios em escala mundial. E esse dinheiro é pago pelos cidadãos que morrem por causa dos efeitos da contaminação de suas indústrias. Já está na hora do setor energético começar a pagar o verdadeiro preço do que estão nos fazendo.
Você espera o aumento do nível do mar em até sete metros, dentro de um século, nas zonas costeiras, se continuar o ritmo atual de emissão de CO2. O que você propõe para detê-lo?
Parte do impacto da mudança climática já é inevitável, mas se rapidamente reduzirmos as emissões de CO2, poderíamos estabilizar o clima do planeta até o final deste século. Para que isso ocorra é necessário devolver para a Terra o equilíbrio energético. Agora o desequilíbrio é total, entra muito mais energia do que sai por causa dos gases do efeito estufa. Para explicá-lo graficamente: já se acumulou tanto calor como se houvessem sido lançadas 400.000 bombas nucleares como a de Hiroshima durante um ano sobre a Terra. Esse calor já não consegue se exteriorizar e se continuarmos neste ritmo chegará num ponto que irradiaremos tanta energia como o Sol.
Como convencer a indústria a abandonar os combustíveis fósseis e adotar energias limpas?
Penalizando-as. Tem que ser uma mudança gradual, senão a economia não suporta, mas deve-se começar criando um imposto que penalize cada tonelada de emissão de dióxido de carbono – os provedores de energia – e que, paulatinamente, eleve o preço até o ponto que se produza combustíveis fósseis que já não sejam rentáveis. Ao mesmo tempo, o dinheiro que se arrecada, que segundo meus cálculos poderiam ser uns 600 bilhões ao ano, se começarmos cobrando 10 dólares por tonelada de emissão de CO2, teria que ser repartido entre toda a população. Se o que recebe um cidadão é superior ao que gasta em energia, será também um incentivo para que trate de reduzir sua parcela de carbono em escala individual. Além disso, esse dinheiro estimularia a iniciativa empresarial para buscar alternativas energéticas limpas.
Em países como a Espanha o governo tem impulsionado o uso de energias renováveis. Obama também tentou fazer. Por que não lhe parece bom?
Os subsídios públicos não são uma solução. São os mercados que tem que falar. É a única forma de convencer uma empresa. Se você penaliza os carvões fósseis, e seu preço sobe a cada ano, o mercado decidirá o papel da eficiência energética e das fontes de energia alternativa. É um grande erro pensar que os burocratas do governo podem decidir qual é a melhor fonte de energia.
Porém, se até agora esses "lobbys", de que você falava, são tão eficientes, como conseguir enfraquecê-los?
As pessoas têm que reconhecer o problema e se enraivecerem. Enraivecer como a Tea Party. Necessitamos da ira da Tea Party e de sua disciplina. Devemos colocar um preço justo ao CO2 e que esse dinheiro seja distribuído entre os cidadãos. Esse tem que ser o modelo. Occupy Wall Street também está irritado, porém eles não sabem o que pedir. Ocorreu o mesmo com o filme de Al Gore, que apesar de ser fundamental para divulgar o problema, não oferecia soluções que vão além de pequenos gestos como o de mudar uma lâmpada. Porém, há tempo que isso deixou de ser suficiente.
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“Para frear o aquecimento é necessário penalizar a indústria energética”, segundo o climatologista James Hansen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU