10 Fevereiro 2012
O principal procurador do Vaticano em casos de abuso sexual denunciou claramente nesta quarta-feira, 8 de fevereiro, "uma cultura mortal de silêncio" com relação aos abusos clericais, chamando tal negação como "errada e injusta em si mesma".
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 08-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O bispo maltês Charles Scicluna disse aos participantes de uma reunião de cúpula no Vaticano sobre os abusos sexuais que, embora a Igreja agora tenha leis claras para punir os abusadores, o simples fato de ter essas leis nos livros não é suficiente.
"Nosso povo precisa saber que a lei está sendo aplicada", disse. "Nenhuma estratégia para a prevenção do abuso infantil jamais funcionará sem o compromisso e a responsabilidade".
Scicluna também reafirmou a obrigação dos líderes da Igreja de colaborar com as autoridades civis, incluindo a denúncia de acusações de abuso à polícia e aos promotores.
"O abuso sexual de menores não é apenas uma violação canônica ou uma ruptura de um código de conduta interna de uma instituição, seja ela religiosa ou não", disse. "É também um crime que pode ser processado pela lei civil".
Como resultado, disse Scicluna, as autoridades católicas têm "o dever de cooperar com as autoridades estatais em nossa resposta ao abuso infantil".
Scicluna falou como parte de um simpósio de quatro dias sobre a crise dos abusos sexuais intitulado Rumo à cura e à renovação, que está sendo realizado na universidade jesuíta Gregoriana, em Roma. Ele reúne cerca de 100 bispos e superiores religiosos de todo o mundo, em conjunto com especialistas em proteção às crianças.
Scicluna atua como o Promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que assumiu sob o então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Com efeito, isso faz de Scicluna o "procurador distrital" do Vaticano sobre os casos de abuso sexual. Dentre outras coisas, ele foi o responsável pela investigação do falecido padre Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo, o que levou a um decreto de 2006 que restringia Maciel a uma vida de "oração e penitência".
O discurso de Scicluna da manhã desta quarta-feira girou em torno das dimensões moral e legal do combate contra o abuso infantil.
"Uma cultura mortal de silêncio ou omertà é, em si mesma, errada e injusta", afirmou.
"Outros inimigos da verdade são a negação deliberada de fatos conhecidos e a preocupação equivocada de que o bom nome da instituição deveria gozar, de algum modo, de prioridade absoluta em detrimento da legítima revelação do crime".
Scicluna estabeleceu cinco princípios para se pensar sobre a responsabilidade da Igreja para romper essa cultura do silêncio:
Scicluna insistiu que a compreensão da Igreja sobre o bem comum deve incluir o bem-estar infantil.
"A segurança das crianças é uma preocupação suprema para a Igreja e uma parte integrante do seu conceito de 'bem comum'", explicou.
Discutindo a resposta individual ao abuso, Scicluna reafirmou "a necessidade radical de a vítima ser ouvida com atenção, de ser compreendida e acreditada, de ser tratada com dignidade, enquanto avança penosamente na cansativa jornada de recuperação e de cura".
Ao mesmo tempo, ele alertou contra o que chamou de "fenômeno limitado de algumas vítimas que se recusam a seguir em frente na vida, que parecem ter identificado o 'eu' simplesmente com 'fui vítima'".
"Esses nossos coirmãos e coirmãs merecem a nossa especial atenção e cuidados", disse.
Em declarações à imprensa, Scicluna esclareceu esse ponto.
"É injusto esperar que o abuso por parte de um padre defina a pessoa" que a sofreu, disse Scicluna. "Isso seria uma forma permanente de abuso. Isso significaria que o efeito nocivo do que um ministro da Igreja fez a elas permanecerá com elas para sempre".
A experiência do abuso, Scicluna disse, "não define você. Você é maior, a sua dignidade é maior do que o dano que foi feito contra você".
Monsenhor Stephen Rossetti, especialista norte-americano em abuso sexual clerical, disse que é importante que a Igreja "ouça a raiva" das vítimas, mas também que as ajude a "não se aferrar" a essa raiva.
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Procurador do Vaticano denuncia ''cultura mortal de silêncio'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU