25 Janeiro 2012
"Os asiáticos têm plena consciência de que a política econômica entregue a si mesma é cega e incapaz de gerar seus próprios objetivos. E muito menos ainda, de definir os objetivos de uma sociedade e de uma nação", escreve José Luís Fiori, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, em artigo publicado no jornal Valor, 25-01-2012.
Eis o artigo.
"The issue is not one of state intervention in the economy. All states intervene in their economies for various reasons
state's first priority will define its essence."(Chalmers Johnson, "MITI and the Japanese miracle,1925-1975" Stanford University Press, p: 17, 1982)
Salvo engano, foi Chalmers Johnson quem falou pela primeira vez do "desenvolvimentismo" asiático, no seu célebre livro sobre o "milagre econômico japonês", de 1982. Depois dele, transformou-se num lugar comum dizer que o "estado desenvolvimentista" foi ator central do crescimento econômico acelerado da Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura, entre os anos 60 e 80; da China, a partir dos anos 90; e do Vietnã, no início do século XXI.
O próprio Johnson - que era economista, serviu na Guerra da Coreia, foi consultor da CIA para a Ásia, e lecionou nos Centros de Estudos do Japão e da China da Universidade da Califórnia - voltou muitas vezes ao tema e acabou transformando-se num dos grandes especialistas americanos em economia política asiática. E foi um dos principais responsáveis pela difusão e aprofundamento acadêmico da pesquisa e do debate que ganhou ressonância internacional, com a publicação pelo Banco Mundial, do "The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy", em 1993.
No seu tempo, o livro de Johnson surpreendeu o mundo acadêmico: segundo o autor, o "modelo econômico" japonês do pós-guerra não era original e vinha dos anos 20, e sua característica fundamental não era econômica, tinha a ver com a "intensidade" com que a sociedade e o governo japonês se dedicavam ao estabelecimento e cumprimento dos seus objetivos estratégicos. Para Johnson, essa "intensidade" se devia ao fato de que o "modelo" tinha sido concebido como um instrumento de guerra e de reconstrução, depois da guerra, e como instrumento de defesa da soberania japonesa frente aos desafios do mundo e do contexto geopolítico asiático na segunda metade do século XX. Esse contexto explicaria o nascimento e a força da ideologia nacionalista e das instituições japonesas responsáveis pela mobilização da sociedade e pela submissão do desenvolvimento econômico aos seus objetivos de longo prazo.
Em 1989, a economista americana Alice Amsden publicou outra obra clássica - "Asia's Next Giant" - sobre o "milagre econômico coreano" onde ela identificava características parecidas com o desenvolvimento japonês. O "modelo coreano" também vinha de antes da Segunda Guerra, e havia sido forjado na luta anti-colonialista, contra o próprio Japão. E depois de Johnson e Amsden, muitos outros pesquisadores e especialistas encontraram as mesmas características no desenvolvimento acelerado de Taiwan e Cingapura e, de forma ainda mais gritante, no desenvolvimento da China e do Vietnã. O próprio Johnson identificou no nacionalismo camponês e revolucionário chinês, do início do século XX, a grande fonte originária da "energia desenvolvimentista" da China contemporânea.
Apressando o argumento, é possível extrair pelos menos quatro conclusões dessa vasta literatura sobre o crescimento asiático:
1) a maioria dos estados nacionais asiáticos se constituiu na segunda metade do século XX, depois do fim do colonialismo europeu. Mas quase todos os novos estados mantiveram suas fronteiras tradicionais e civilizatórias e sua relação milenar, dando origem, desde o início, a um sistema interestatal regional altamente competitivo.
2) Em clave europeia, a estratégia econômica desses países asiáticos esteve sempre mais próxima do mercantilismo de William Petty do que da economia política de Smith ou Marx; e muito mais próxima do nacionalismo econômico do alemão Friederich List, do que do liberalismo heterodoxo do inglês John Keynes: sua primeira prioridade foi sempre a construção do estado e a defesa da unidade territorial da sua sociedade e da sua civilização.
3) Não há nenhuma instituição ou política que explique isoladamente o sucesso do crescimento asiático, e que possa ser transplantada para países que tenham se constituído ou estejam fora de sistemas de poder altamente competitivos. A simples condição de "latecomer" ou de "capitalismo tardio" não explica nada, nem é capaz de gerar um projeto e uma estratégia de alto crescimento.
4) Por fim, os asiáticos nunca se referiram a si mesmos como "desenvolvimentistas", e sua estratégia econômica não tem nada a ver com o chamado "desenvolvimentismo latino-americano". Sua política industrial, comercial e macroeconômica sempre esteve a serviço de sua "grande estratégia" social e nacional, e da sua luta pela conquista ou reconquista de uma posição internacional autônoma e preeminente. Os asiáticos têm plena consciência de que a política econômica entregue a si mesma é cega e incapaz de gerar seus próprios objetivos. E muito menos ainda, de definir os objetivos de uma sociedade e de uma nação.
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O "desenvolvimentismo asiático" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU