Por: Jonas | 18 Dezembro 2013
No último dia 5 de dezembro, produziu-se um acontecimento sem precedentes. Nós, as organizações populares, conseguimos fazer ouvir nossa voz no Vaticano, pontualmente na Pontifícia Academia de Ciências, em um colóquio intitulado: “A emergência dos Excluídos”. A atividade foi coordenada pelo chanceler da Academia, dom Marcelo Sanchez Sorondo, a pedido do próprio Francisco.
A reportagem é publicada por América Latina em Movimiento (ALAI), 16-12-2013. A tradução é do Cepat.
Após a abertura do colóquio, sob a responsabilidade do cardeal Peter Turkson, o companheiro Juan Grabois (Movimento dos Trabalhadores Excluídos – Confederação de Trabalhadores da Economia Popular), co-organizador do evento, abriu a discussão com sua exposição “Capitalismo de Exclusão, periferias e movimentos populares”. Durante sua fala, Grabois denunciou a existência de um modelo econômico de exclusão baseado na busca irresponsável do lucro, na primazia do capital financeiro especulativo, na cultura consumista do descarte, na usurpação da natureza e na claudicação dos estados nacionais frente ao capital mundial. Nesse marco, destacou, desenvolvem-se os fenômenos de injustiça social contemporâneos como a do 1,5 milhão de companheiros vivendo em condições desumanas nas vilas misérias ou a degradação do trabalho que atinge mais da metade da classe trabalhadora global, em situação de total informalidade e extrema precariedade.
Em seu momento, o companheiro João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST – Via Campesina), ressaltou a importância de se compreender as causas da multiplicação dos excluídos no mundo e não apenas se deter exclusivamente nas consequências. Entre elas, indicou algumas características do capitalismo contemporâneo como a ofensiva do capital sobre a natureza, onde se pretende privatizar todos os bens comuns da humanidade: a terra, a água, o subsolo e, inclusive, o ar. Também destacou a insuficiência da democracia formal para permitir a participação de todas as pessoas, especialmente dos trabalhadores e dos humildes e reivindicou formas participativas de democracia. Finalmente, denunciou a existência de monopólios midiáticos que pretendem controlar a imprensa e a cultura mundial ao serviço do modelo consumista e das estruturas de poder hegemônicas.
Outros painelistas, entre os quais estava Romano Prodi – ex-presidente da Itália, de orientação social-democrata – e Jeffry Sachs – economista de orientação neoliberal, durante os anos 1990, que passou para posições de maior sensibilidade social -, independente da sua filiação ideológica, concordaram com a gravidade do problema e destacaram diversos aspectos do mesmo, como a impotência dos partidos políticos frente ao poder econômico, o escândalo da evasão impositiva dos ricos e a impossibilidade de arrecadar fundos para os programas sociais da ONU em razão da mesquinhez das grandes potências.
Foi de especial interesse a colocação de Veerabhadran Ramanathan, um dos principais especialistas do mundo em mudança climática, que destacou contundentemente a responsabilidade das grandes empresas e dos países desenvolvidos nessa situação que, paradoxalmente, afetam principalmente os mais humildes, em razão da vulnerabilidade econômica e de moradia que sofrem. Apontou que, caso não aconteçam as mudanças necessárias, a temperatura subirá irremediavelmente 4 graus, nos próximos 50 anos, com consequências catastróficas para toda a humanidade.
O colóquio foi encerrado com uma discussão geral, na qual não faltaram contrapontos entre os presentes, sempre em um clima de respeito e diálogo. Todos os participantes fizeram reiteradas referências à Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que possui categóricos e esclarecedores conceitos sobre a situação dos excluídos e a respeito da matriz excludente da economia global.
De nossa parte, como representantes de movimentos populares, destacamos que devemos primeiro analisar as causas da multiplicação dos excluídos no mundo, para depois buscar as verdades provenientes, e entre as causas enumeramos:
a) Há uma ofensiva mundial do capital financeiro e transnacional para privatizar e se apoderar de todos os bens da natureza: minas, terra, biodiversidade, água, ventos e até o ar, com os títulos de crédito de carbono. Isso vai contra toda a lógica de desenvolvimento da humanidade que considera que os bens da natureza pertencem a todos/as e devem cumprir uma função social de gerar bem estar para todos/as. Privatizar a natureza e transformar os alimentos apenas em mercadorias, onde apenas pode ter acesso quem tem dinheiro, é colocar em risco a vida humana.
b) A concentração econômica. O mundo econômico é refém de não mais do que 300 empresas transnacionais que controlam 58% do PIB mundial, e que fornecem trabalho para apenas 8% da população economicamente ativa. Eles são os que controlam a economia e os governos. Por isso, os governos se reúnem, mas não decidem nada.
c) A democracia formal ou burguesa falhou. As formas de representação estão em crise e não respondem aos interesses dos povos. Porque em todos os países há mecanismos de financiamento das campanhas pelas grandes empresas e controle da opinião pública, que foram distanciando os poderes judicial, legislativo e executivo da vontade real dos povos. Há necessidade urgente de desenvolver novas formas de participação popular nos três poderes e novas formas de representação política em todo o mundo. Uma democracia que, além de formal, seja real.
d) Há uma revolução tecnológica em curso, com a informática e Internet, que ampliou o acesso à informação. Entretanto, isso não levou à democratização do acesso à educação formal para todos os jovens. Os níveis de acesso se concentram no ensino primário e secundário. Na maioria dos países, os jovens não entram nas universidades e temos milhões de trabalhadores adultos não alfabetizados, à margem da modernidade. Enquanto não conhecer as letras, o pobre analfabeto não é cidadão!
e) Há um controle das ideias, dos desejos e da opinião pública pela concentração do poder midiático em todos os países do mundo. A construção de uma democracia precisa democratizar, em primeiro lugar, os meios de comunicação.
Finalizado o dia, Stédile e Grabois mantiveram uma prolongada reunião com o cardeal Turkson, presidente do Pontifício Conselho de Justiça e Paz, na qual trocaram opiniões sobre diferentes questões sociais e discutiram alternativas para darem continuidade ao diálogo entre Igreja e os movimentos populares.
No dia seguinte, em uma audiência particular com o sumo Pontífice, Grabois entregou ao papa Francisco dois presentes: um quadro de sementes, elaborado por uma camponesa do MST, e um barco de papel reciclado, feito pelos catadores do MTE. Além disso, Francisco filmou uma mensagem para os camponeses e outra para os catadores, expressando sua solidariedade com ambos e apoio a sua luta por trabalho, terra, vida comunitária e meio ambiente.
Stédile também participou de uma série de reuniões com organizações camponesas e sociais italianas como o Comitê de Apoio ao MST e o espaço autogestionado STRIKE, onde se reúnem jovens em situação de precariedade. Além disso, ofereceu uma longa conferência no Teatro Valle Occupato, diante de uma grande quantidade de militantes sociais italianos.
Tanto Stédile como Grabois expressaram que retornavam para seus respectivos países com uma renovada sensação de que os trabalhadores, os excluídos, os pobres da terra e suas organizações possuem um importante apoio em sua luta pela Justiça Social e que se abre uma nova etapa na unidade global do campo popular.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – Via Campesina
Movimento de Trabalhadores Excluídos (TEM) na Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP)
Nota
O papa Francisco, em sua mensagem aos camponeses, falou, numa gravação feita pelo celular:
“Uma saudação aos que estão participando da assembleia da Via Campesina, que expressa de alguma maneira o amor à terra, que há uma relação entre quem cuida da terra e quem cultiva a terra... e que a terra como que responde oferecendo a sua riqueza e os seus frutos. Cuidar da terra, não abusar dela, trabalhar a terra, mas trabalhá-la em comunidade, trabalhá-la como irmãos. Essa relação entre a criação que Deus nos deu, entre irmandade que Deus quer conosco, fará bem a todos nós. Não maltratar a terra, não nos maltratarmos entre nós, e seguir adiante. Que Deus os abençoe ...”.
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Movimentos populares latino-americanos com o papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU