Por: Cesar Sanson | 05 Outubro 2013
Na falta de uma linha europeia comum sobre a questão migratória, países decidem por si próprios como lidar com refugiados. Comissão Europeia e Parlamento planejam ofensiva sobre o tema.
A reportagem é publicada pela Deustche Welle, 04-10-2013.
Mais de 110 mortos, 200 desaparecidos, 155 sobreviventes: este é, até o momento, o balanço do naufrágio de um barco com 500 africanos diante da Ilha de Lampedusa, na Itália, na quinta-feira (03/10). Os representantes da União Europeia se manifestaram horrorizados diante de tantas vítimas. E não demoraram a surgir as primeiras reações questionando as políticas do bloco para os refugiados.
Há dois pontos centrais. Por um lado, cada Estado da UE pratica sua própria política de asilo e para refugiados – logo, não existe uma linha europeia uniforme a respeito. Por outro lado, os países procuram manter os refugiados o mais longe possível de si. Assim, os mais atingidos, como Itália e Grécia, acabam ficando mais ou menos sozinhos com o problema.
O motivo é de fundo legislativo: há alguns anos os países-membros estabeleceram por consenso que os refugiados devem apresentar pedido de asilo onde pisaram o solo da UE pela primeira vez. Os demais Estados, portanto, não são legalmente obrigados a prestar solidariedade.
Detecção eficaz de refugiados
Em comunicado, Cecilia Malmström, comissária europeia para Assuntos Internos, disse que, asim como estão, as coisas não podem continuar. Há anos ela defende uma política europeia comum para migrantes. "Eu conclamo os Estados-membros a acolherem mais gente que precisa de proteção", apelou.
Seu porta-voz, Michele Cercone, chama a atenção que "por trás desta tragédia, e de muitas outras tragédias, estão criminosos que se aproveitam das vicissitudes dos outros". O tráfico humano, afirma, é um crime que rende enormes lucros às quadrilhas: "Por isso, temos que forçosamente aumentar nossos esforços para combater essas gangues criminosas."
O porta-voz do comissariado espera ajuda por parte do futuro sistema de proteção de fronteiras Eurosur. A partir de dezembro, será mais fácil localizar também pequenos barcos de refugiados e salvar as vítimas de naufrágio. Os críticos acreditam, no entanto, que a intenção é menos salvar do que evitar que as embarcações sequer partam em direção à Europa.
Criminalização e deportação
Günter Burkhard, diretor-gerente da ONG Pro Asyl, tacha de quase cínica a reação de Malmström. "A Europa fecha suas fronteiras, e aí finge consternação, hipocritamente, quando os efeitos da transformação em fortaleza se tornam visíveis."
Com o bloqueio das fronteiras da UE com a Turquia, uma alternativa para aqueles em busca de asilo passou a ser o ainda mais perigoso caminho marítimo, aponta a Pro Asyl.
Num comunicado nesta sexta-feira, a eurodeputada Cornelia Ernst, do partido alemão A Esquerda, escreveu: "A política europeia para refugiados aposta na criminalização dos migrantes, na deportação e discriminação. Para os governantes dos países-membros da UE, qualquer meio é válido para defender o próprio bem-estar contra as pessoas de outras nações."
A comissária europeia para Assuntos Internos, pelo menos, não aposta na prevenção contra os migrantes, assegurou em Bruxelas o seu porta-voz. "Precisamos cuidar para abrir mais possibilidades legais de entrada na Europa." Para tal, admite, é preciso que vigorem "condições muito rigorosas e precisamente definidas".
Porém Cercone critica os Estados europeus por "muitas vezes ainda verem a imigração como ameaça, como problema", quando, na verdade, o continente envelhece, e precisa de imigrantes.
No Parlamento Europeu, essa opinião está longe de ser unânime. Em meados de setembro, em entrevista à DW, a eurodeputada Monika Hohlmeier, da conservadora União Social-Cristã (CSU), se queixou que, já hoje em dia, países como Alemanha, Suécia ou Dinamarca aceitam como imigrantes, de fato, a cada ano, "a população de uma cidadezinha". Sua colega liberal Nadja Hirsch acrescentou: "Não é um tema com que se faça muitos pontos na política interna."
Diretriz "esquecida" de 2001
Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, mostra irritação diante da reticência dos Estados da UE: "Este é um problema europeu, e eu não aceito, de jeito nenhum, quando certos países-membros dizem que não têm mais lugar."
A comissão parlamentar encarregada de assuntos internos entra agora na ofensiva, com uma resolução instando os Estados-membros e a Comissão Europeia a considerarem a implementação de uma diretriz de 2001, até o momento ignorada.
Ela estabelece "normas mínimas para concessão de proteção temporária, no caso de um afluxo em massa de pessoas desalojadas; assim como medidas para agilizar uma distribuição equilibrada, entre os Estados-membros, dos encargos envolvidos no acolhimento dessas pessoas".
Caso a diretriz seja adotada, os refugiados receberiam visto de permanência pela duração da situação de necessidade, podendo também trabalhar. Na próxima semana, o plenário do Parlamento Europeu pretende debater o tema, e na segunda-feira os ministros do Interior da UE conversarão a respeito.
Entretanto, a discórdia já começa com a definição de quando se caracteriza um "afluxo em massa". E desde já está claro que a maioria das nações europeias se defenderá a todo custo contra o acolhimento de grandes contingentes de refugiados.
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Tragédia de Lampedusa eleva críticas à política de refugiados da UE - Instituto Humanitas Unisinos - IHU