30 Setembro 2013
Foi o último presente de João XXIII, um pontífice idoso e doente que tinha sobre os ombros uma vida de semeador de paz entre Oriente e Ocidente. Datada de 11 de abril de 1963, mas por ele assinada ao vivo na televisão dois dias antes, a encíclica Pacem in terris já tinha germinado durante a crise de Cuba. Justamente quando, em outubro de 1962, tinha visto o Papa Roncalli como protagonista – além da abertura do Concílio – de um apelo à paz acolhido por Kennedy e Kruschev em um mundo à beira de uma guerra nuclear.
A reportagem é de Marco Roncalli, publicada no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 27-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem imaginou um texto para dar forma a esse compromisso (que para o Papa João XXIII deveria se tornar permanente), ainda em novembro de 1962, foi o sacerdote Pietro Pavan, professor de doutrina social da Igreja na Lateranense, onde mais tarde foi reitor e que teve uma grande participação na redação do texto.
Foi ele que contatou o Mons. Loris Capovilla, secretário do papa, candidatando-se a preparar um esboço que circulou a partir de janeiro do ano seguinte entre os especialistas o que deixaram quase inalterado (o processo foi reconstruído analiticamente na recente monografia de Alberto Melloni publicada pela editora Laterza).
Em todo caso, realmente se tratou de uma encíclica profética, além de um relevante ato político no contexto internacional. O Papa Roncalli tomou posição como nunca havia acontecido antes sobre a dignidade da consciência, sobre a distinção entre movimentos e ideologias, sobre a guerra justa.
"Depois, eu consagrei todas as Vésperas, cerca de três horas, à leitura da encíclica de Páscoa, em preparação, que me foi feita pelo padre Pavan: 'A paz entre os homens na ordem estabelecida por Deus, isto é: na verdade, na justiça, no amor, na liberdade'. Manuscrito de 111 páginas datilografadas. Eu li tudo, sozinho, com calma e minuciosamente, e achei um trabalho muito bem construído e bem feito. A última parte, depois: 'Diretrizes Pastorais', em ressonância extremamente plena com o meu espírito...", assim escreveu João XXIII no seu diário no dia 7 de janeiro de 1963.
Cinquenta anos depois, a encíclica joanina (que transparece nas entrelinhas na primeira Urbi et Orbi do Papa Francisco) continua nos lembrando coisas que, para muitos, ainda não são um patrimônio adquirido. Não só quando lembra que o critério da paz confiado ao ''equilíbrio em armamentos" deve ser substituído pelo da "confiança mútua": "objetivo que pode ser alcançado [...], mas à luz da razão; isto é, na verdade, na justiça, na solidariedade operante". Ou quando afirma que, depois do advento da energia nuclear, é irracional e diabólico "pensar em resolver as controvérsias através do recurso às armas".
A Pacem in terris foi ainda o documento que convidava a "nunca confundir o erro com o errante"; que reconhecia os "encontros e os entendimentos, nos vários setores da ordem temporal, entre crentes e aqueles que não creem" como "oportunidade para descobrir a verdade e prestar-lhe homenagem"; que dizia que "cumpre não identificar falsas ideias filosóficas sobre a natureza, a origem e o fim do universo e do homem com movimentos históricos de finalidade econômica, social, cultural ou política, embora tais movimentos encontrem nessas ideias filosóficas a sua origem e inspiração".
Palavras que tendem a enfatizar a necessidade de uma nova consciência da dignidade humana e dos seus direitos humanos inalienáveis. No texto, que já aponta para o conceito de bem comum universal e para a exigência de uma autoridade pública internacional, emerge fortemente o convite a reconhecer os "sinais dos tempos": modos nos quais a própria história move páginas do Evangelho e as indica ao caminho dos "homens de boa vontade".
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Pacem in terris: uma semente de concórdia em plena Guerra Fria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU