18 Setembro 2013
Ainda há limites últimos, insuperáveis, que condicionam as nossas vidas? Limites de ordem biológica, moral, religiosa, sexual, ambiental? Ou entramos em um mundo ilimitado, onde tudo, ao menos aparentemente, é possível?
A reportagem é de Franco Marcoaldi, publicada no jornal La Repubblica, 06-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Toda a modernidade é marcada por uma violação consciente e inesgotável dos limites e das fronteiras, começando pelas geográficas, continuamente superadas na grande época das descobertas e das aventurosas expedições ao desconhecido.
Mas hoje entramos em uma fase nova e diferente, em que o autogoverno da própria finitude é um valor apreciado pelos indivíduos: não a força motriz de uma moral compartilhada. E o pecado da soberba, cometido por quem desafia a vontade de Deus e do seu desígnio, não representa mais um freio suficiente para a contenção dos apetites humanos. Hoje são o desejo e a liberdade individual que empurram para a frente, e o desenvolvimento da técnica se tornou tão irrefreável a ponto de prefigurar até o advento de uma sociedade pós-humana.
Daí a ideia de fazer uma varredura abrangente, capaz de envolver cientistas, teólogos, psicanalistas e filósofos. Começando por Remo Bodei, homem de grande equilíbrio e competência, capaz de nos oferecer o quadro introdutivo necessário de uma questão que põe em jogo os próprios fundamentos do nosso estar no mundo.
"No muro externo do templo de Delfos, ao lado da frase mais conhecida 'Conhece-te a ti mesmo', há outra que diz: 'Nada demais'. No mundo antigo, ir além dos limites estabelecidos pela divindade é hybris que é punida: o exemplo mais conhecido é o de Ícaro. A filosofia clássica insiste no ideal da mediedade como virtude que desqualifica os extremos por defeito e por excesso: est modus in rebus. Para cada um, a perfeição é ter um limite. O infinito é um conceito negativo, sinônimo de amorfo, confuso, indistinto".
Eis a entrevista.
Depois, com a modernidade, tudo muda.
Não se deve ter uma concepção triunfalista da modernidade como inovação pura, como completa ruptura das pontes com o passado, mas ela certamente desafiou muitos tabus impostos pela tradição, especialmente aqueles marcados pela religião cristã. Buscou revelar os arcana naturae, os arcana deie, os arcana imperii.
Além disso, o fato de que os homens não podem aceitar os limites por serem marcados pelo "descontentamento" é mostrado tanto por Maquiavel quanto por Hobbes. O limite, assim, se torna provisório, se desloca conosco assim como o horizonte, fecha para abrir. É feito para ser ultrapassado.
Mas agora está acontecendo algo mais. É posta em discussão a própria ideia de humano, ao menos tal como a conhecemos até agora.
São particularmente as biotecnologias que colocam em crise convicções, hábitos e ideias de duração milenar. Até aqui, foi óbvio, evidente que um indivíduo vem ao mundo segundo os velhos e comprovados métodos da reprodução sexuada natural, com um corpo e uma mente sujeitos a doenças e deformidades congênitas e sofre, goza e morre junto com todos os seus órgãos.
Agora, não mais. Nasce-se – já o sabemos – com frequência cada vez maior através de métodos de reprodução assistida, somos pais ou mães fora da idade fisiológica habitual, há transferências de matéria viva por meio de transplantes de órgãos, que conectam histórias e fatos diferentes em um só corpo. Segundo uma projeção bastante confiável de uma prestigiada revista de medicina, no Ocidente, no fim deste século, seremos todos pluritransplantados e providos de inúmeras próteses que farão funcionar os órgãos doentes do nosso corpo, melhorarão as atividades existentes ou acrescentarão novas atividades.
Quais são as consequências sobre os nossos sentimentos e sobre as nossas paixões?
Enormes. Porque se modifica a trama das relações de sangue e de parentesco que estavam na base da estrutura da família e, em parte, da composição da sociedade. Não estamos acostumados a essa nova e arriscada liberdade, que exorcizamos muitas vezes através de velhos fantasmas, e vai levar tempo para exercê-la. Será preciso uma visão mais límpida da questão.
Ainda não pudemos medir o sentido da metamorfose em curso desde o estágio humano ao pós-humano, dos corpos orgânicos aos seres formados de carne e metal, silício e plástico, de partes humanas e animais, transferíveis com transplantes de um indivíduo ao outro. Sobre a ponderação dos prós e dos contras, prevalecem os medos, transformando a solução dos problemas bioéticos em um repetido referendo, ao qual o cidadão se apresenta, invariavelmente, em um estado de solidão e de objetiva incompetência.
E aqui se mede o déficit da política, que deveria ter a autoridade necessária para regular a desmedida intrínseca ao desenvolvimento das várias técnicas.
É o problema da democracia. São Paulo, sob Nero, escrevia que toda autoridade vem de Deus e, portanto, é preciso obedecer. Tudo isso funcionou por séculos, milênios. Era a dupla autoridade representada pelos dois sóis, a Igreja e o Império, que estabelecia os limites dentro dos quais o comportamento humano é lícito, virtuoso e não pecaminoso.
Agora não há mais os dois sóis, e autoridade não vem mais do alto, mas de baixo. Do povo. Portanto, a autoridade democrática é constitutivamente frágil, o que é uma vantagem, porque garante a liberdade individual. Mas também uma desvantagem, porque devemos nos apoiar em muletas oferecidas por outras agências formativas, essencialmente a tradição religiosa e a moral.
Acrescente-se que a democracia sempre tentou mediar entre quantidade e qualidade, aceitando a ideia kantiana do "pau torto" da humanidade, mas também promovendo a educação de cada uma à cidadania ativa. Hoje, em época de populismos, deslizamos cada vez mais a uma democracia anêmica, excessivamente benevolente para com as fraquezas do cidadão. E na qual a falta de autoridade favorece a licenciosidade. Sem contar que as figuras exemplares a serem tomadas como modelo não são abundantes.
Em um mundo onde tudo parece possível, não acabamos removendo o lado trágico de toda escolha e, portanto, a ideia última da vida e da morte?
A falta de reconhecimento da tragicidade das escolhas leva a compromissos que não comprometem, à erosão da responsabilidade, ao encontro falho com o futuro. E também, certamente, à remoção da morte, limite último e indiscutível. Anteriormente, vigorava uma possível redenção da vida depois da morte. Hoje, ao invés, assistimos a uma suposta redenção da vida a despeito da morte, que acaba, assim, encarnando o obsceno.
Paradoxalmente, se poderia dizer, enquanto a explosão dos direitos individuais e as acelerações da técnica nos convidam a infringir todo limite, uma terrível situação econômica parece nos empurrar novamente para dentro de velhos limites: duros, impiedosos.
Os estoicos diziam: se você quer ser rico, seja pobre em desejos, e Lao Tsé dizia mais ou menos o mesmo. Estávamos dentro de uma sociedade da escassez. Agora, fala-se da chamada "abundância frugal", que, ao invés do consumo induzido, se deveria apontar para a sobriedade, a amizade, a convivialidade. Adaptar-se a esses comportamentos não será fácil. Certamente, não voltaremos atrás a partir de um ponto de vista tecnológico e científico.
Além disso, eu espero que ninguém queira santificar os velhos limites. O pensamento filosófico-científico consiste em ultrapassar os limites, é uma incessante viagem de descoberta. Também não se pode impor limites por decreto, porque a democracia, por mais frágil, não permite isso. Mas também não se pode confiar tudo à liberdade individual e narcisista de que Lasch falava. Eu acredito que é necessário remodelar a ideia de limite com base nos vínculos ditados pelas novas condições históricas.
E nisso os saberes humanísticos podem nos ajudar muito precisamente. Hoje, exaltam-se e financiam-se principalmente ciências duras e tecnologia, e pensa-se que a cultura humanística não serve para nada. Eu acredito, ao contrário, que ela é mais do que nunca necessária para dar sentido à vida individual e social. Assim como se ara o campo para movê-lo e para favorecer o crescimento das plantas, hoje seria necessário fazer o mesmo para cultivar a humanidade da melhor forma possível. Para levá-la a ultrapassar novos limites e a considerar a oportunidade de preservar ou fortalecer outros.
Por exemplo?
Por exemplo, ainda não falamos da rapina constante do ambiente e da Terra. Não parece ser coisa de autômatos míopes e inconscientes destruir a biosfera? Ir rumo ao esgotamento dos recursos sem ter nenhum planeta de troca? Não seria esse o primeiro limite a se ter presente?
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''Nós, pobres pós-humanos, escravos das novas liberdades''. Entrevista com Remo Bodei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU