07 Setembro 2013
Somos tecidos de amor, mendicantes de amor, habitamos a contradição de ter necessidade do amor que, no entanto, necessita da liberdade. É difícil conjugar amor e liberdade, consentir na história de amor com a liberdade do outro, reconhecer que a alteridade é impossibilidade ao igual, ao mesmo, e que deve continuar sendo diferença.
A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 01-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O amor é a experiência humana mais envolvente e mais decisiva na nossa vida. Talvez seja a única experiência em que nos sentimos um pouco redimidos, em que sentimos que salvamos as nossas pobres vidas. Por isso, buscamos o amor, o esperamos, o ansiamos, e quando se acende a capacidade da história de amor todas as nossas atenções são arrastadas ao seu nascer, desabrochar, crescer... O amor gostaria de ser eterno, e é verdade que, se for amor até o fim e apesar da rejeição, ele vence a morte. Mas, na realidade, a nós, humanos, não é possível um amor levado à plenitude.
O amor, de fato, conhece, embora não o queiramos, muitas contradições: dificuldades, conflitos, decadências, infidelidades e talvez até – mas não tenho certeza – a morte. Por isso, o amor não envolve ninguém sem expô-lo à dor e sem que devam se consumar perdas de si mesmo. No amor há sofrimento, dor por essas contradições, mas também pelas inadequações, pela nossa incapacidade de amar: quanta disciplina é preciso para amar de modo autêntico, para amar de desejo, sim, mas em uma relação sinfônica e plena de respeito um pelo outro, sem desconfiança entre os amantes, aceitando-se reciprocamente, voltados para uma relação que torne ambos melhores, mais humanizados.
No amor, sobretudo na fase do enamoramento, há algo de adolescente que sempre se renova a cada início: deseja-se a fusão que pede para estar sempre juntos, para pensar as mesmas coisas, para se alegrar juntos pelas mesmas realidades. Em uma palavra, para não deixar ao outro a distância que lhe é necessária para ser outro e ele mesmo, diante de mim.
O amor, portanto, requer uma luta, porque, quando amamos, em nós se torna prepotente o desejo de posse, de exaltar pretensões sobre o outro. Há uma dificuldade, quase uma impossibilidade do amor autêntico: quanto mais amamos, mais desejamos, e, quanto mais desejamos, mais somos tentados a dispor do outro, até fazer dele uma posse nossa.
Somos tecidos de amor, mendicantes de amor, habitamos a contradição de ter necessidade do amor que, no entanto, necessita da liberdade. Por um pouco de amor, também somos tentados à prostituição. Para não perder o amor, somos tentados a construir um muro ao redor do outro. Para não sofrer a traição no amor, somos levados à violência, a fazer tudo sem captar a diferença do outro, as suas motivações, o seu jeito, bom ou mau que seja.
É difícil conjugar amor e liberdade, consentir na história de amor com a liberdade do outro, reconhecer que a alteridade é impossibilidade ao igual, ao mesmo, e que deve continuar sendo diferença.
Esse sofrimento se torna muito mais agudo e evidente quando o nosso amor é rejeitado, não correspondido, não desperta o intercâmbio. Se lêssemos uma vez os relatos evangélicos de modo a entrever neles simplesmente os sentimentos, a vivência dos protagonistas, perceberíamos, por exemplo, que, quando Jesus encontra um jovem (cf. Mc 10,17-22 e par.) que o interroga sobre a vida eterna e pede para que ele lhe fale de Deus, ele o fixa no rosto, olha-o nos olhos e o ama: Jesus ama gratuitamente um jovem que lhe apareceu no seu caminho...
O olhar de Jesus é de amor, que não deve ser entendido apenas como uma vocação para que aquele jovem o siga. Não se trata de uma tática vocacional realizada por Jesus para capturar adeptos para a sua comunidade. O seu olhar diz como Jesus se sentiu atraído e interpelado por aquele jovem, como sentiu por ele um sentimento de afeto. Era um jovem amável, talvez bonito, talvez tão transparente que pareceu amável a Jesus. A ele, Jesus volta um olhar longo, profundo, preciso, de eleição da sua pessoa dentre os outros.
Mas, apesar dessa simpatia, esse olhar sobre quem era amável, a relação não se acende, e o olhar de Jesus permanece sem resposta. Sim, o jovem foi embora triste, mas Jesus talvez foi embora contente? Estamos certos de que, feito o seu dever, quase como se o tivesse amado apenas para chamá-lo, Jesus não se entristeceu com a rejeição da sua oferta de amor? Eis uma fraqueza amor até mesmo do amor mais forte: o amor de Jesus não foi compreendido, o jovem que, aos seus olhos, era amável não lhe permitiu amá-lo.
É um enigma acompanhado por tristeza, nostalgia, sofrimento: o "não" do outro, para nós amável, ao nosso olhar, ao nosso amor, é um sofrimento agudo que continua pelo menos por um certo tempo. É a necessitas amoris, inscrita no amor: o amor se volta à liberdade do outro, e assim, na relação, também pode acontecer a negação, a rejeição, o "não" ao amor. E o amante, do amor que nasceu do seu olhar, recebe sofrimento pelo "não" oposto ao seu amor. O amante está sempre exposto ao risco de que o amado não se torne amante, que o amado vá embora, que não reconheça o amor de quem o ama.
Mas do que estou falando? De mim e dos meus dados autobiográficos? De Jesus que "narra" Deus? Não estou, talvez, lendo toda a história de Deus e do homem? Não estou sintetizando a Bíblia como história de amor?
Sim, o nosso Deus, que nos criou para ter conosco uma relação de amor, para ter diante de si alguém para oferecer os seus dons maravilhosos – como afirma Irineu de Lyon –, o Deus que o Novo Testamento, depois do relato feito a respeito por Jesus, define como "ágape, amor" (1Jo 4, 8.16), não é sobretudo o parceiro na história de amor conosco, com a humanidade?
Que história! Uma história de amor em que há equívocos, traições, conflitos, negações. Uma história em que o Deus criador, o Deus doador de tudo se torna mendicante de amor junto ao seu povo que o trai e que chega a se prostituir, a ter outros amantes. Nessa história, o Deus criador é vulnerável: sofre pelo amor não correspondido, fica frustrado com as não respostas do parceiro amado, é ciumento desse amado tão litigioso e pronto para a infidelidade, um amado que não corresponde.
É uma história em que houve as estações do amor, houve a primavera, o enamoramento. Depois, a estação do abraço, da união dos parceiros e da celebração na aliança do amor: mas depois também a longa estação da infidelidade, da aridez do amor e das paixões do amado por novos amantes.
O amor basta ao amor? Isto é, basta ao amante amar sem reciprocidade, mesmo sem o intercâmbio por parte do amado? O amor se sustenta mesmo quando o amado se recusa a ser transfigurado pelo amor do amante? O amor contém em si o reconhecimento da liberdade do outro e continua no seu arder mesmo quando vem a negação do outro?
Se é verdadeiro amor, sim! Justamente porque o amor basta ao amor, porque o amor nunca pode ser merecido, mas está no espaço da gratuidade e da liberdade, porque não só Deus é amor, mas o amor, se é verdadeiro, se torna divino, isto é, sempre conta Deus.
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É possível amar sem ser amado. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU