30 Mai 2013
Para muitos responsáveis da Igreja Católica, não há dúvidas: o balanço da luta empreendida pela instituição contra o casamento para todos é "globalmente positivo". E em vários aspectos. "A Igreja contribuiu com a reflexão e fez com que a sociedade saísse da uniformidade de pensamento que queriam lhe impor", afirma Dom Jean-Luc Brunin, encarregado das questões de família e sociedade da Conferência Episcopal Francesa. Sem se deter sobre os excessos ou sobre a politização da contestação ao longo dos meses, ele até assegura que "a Igreja não se colocou em um campo político e frontal".
A reportagem é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 26-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para além das manifestações de rua, com as quais muitos não estavam acostumados, a mobilização dos fiéis também teria contribuído "para fazer com que eles tomassem consciência da forma como eles devem viver a sua fé em uma sociedade que não é mais maciçamente cristã". Uma reflexão que não se realizou plenamente, se levarmos em conta a diversidade das atitudes dos católicos presentes nas manifestações.
Enquanto alguns manifestavam de forma militante e sem complexos a sua ligação cristã – de acordo com os repetidos pedidos do Vaticano –, outros asseguraram que a sua fé vinha em segundo lugar com relação ao seu compromisso.
Outra conquista desse período, segundo a Igreja Católica: o surgimento de uma geração de jovens, midiaticamente visíveis, que se engajaram com os valores conformes à visão da Igreja. E que poderiam ser rapidamente mobilizados em caso de necessidade.
"Agora cabe à instituição ajudá-los a se formar mais sobre as questões que dizem respeito à natureza do ser humano. Não podemos perder esse capital", enfatiza-se na Conferência Episcopal. Ainda mais que os responsáveis católicos acreditam que obtiveram resultados, "afastando-se do calendário governamental os debates sobre a reprodução medicamente assistida e a gestação de substituição". Uma vitória que, no entanto, poderia ser apenas provisória.
Mas essa leitura otimista não é unânime. Em um texto publicado no jornal La Croix no dia 21 de abril, intitulado "Catolicismo intransigente, uma tentação permanente", Dom Claude Dagens, bispo de Angoulême e figura intelectual do episcopado, se preocupava com os efeitos da mobilização dos fiéis. Ele se interrogava sobre a "atitude militante" de alguns, preocupados em "reencontrar posições dominantes na sociedade". "Aqueles que desconfiam das religiões – enfatizava – devem se regozijar em silêncio ao ver que a figura do catolicismo hoje parece se confundir com essa corrente ofensiva".
Mais direta, Christine Pedotti, católica crítica e editora-chefe da revista Témoignage Chrétien, acredita que a Igreja cometeu "um erro histórico" inclinando-se desse modo contra o projeto do governo. "É uma ruptura tanto com a maneira pela qual a Igreja tradicionalmente gere as suas relações com o governo, quanto com a maneira pela qual ela teoricamente coloca os fiéis frente à sua liberdade de consciência esclarecida", afirma. "Além disso, querendo evitar ser superada pela extrema direita, ela foi levada a se 'endireitar'".
"Rompendo com uma especificidade francesa, a Igreja Católica se situou mais na contestação do que na negociação", destaca o pesquisador Philippe Portier, especialista em catolicismo e secularismo: "No longo prazo, essa atitude pode ter consequências negativas para o lugar que é dado à Igreja na nossa democracia deliberativa".
"A instituição também manifestou nessa ocasião que não vai renunciar a ter uma influência sobre as condutas", lamenta o codiretor da Témoignage Chrétien, Bernard Stéphan. "E ela deu provas de fechamento, enquanto o cristianismo, fragilizado como está hoje, deve demonstrar uma maior abertura". Correndo o risco de acentuar a sua imagem conservadora.
"Se a fraternidade com relação aos mais fracos saiu de moda, então eu reivindico a postura fora de moda da Igreja", defende de sua parte Dom Brunin. "Confortada em suas posições pelo sucesso das manifestações e pelo apoio do Vaticano, a Igreja pôde dizer que não tem nada a perder em não transigir sobre os seus valores e a sua 'verdade'. Ela se aproveitou de uma tendência conservadora na sociedade", observa Portier. "Mas essa sequência apresenta o risco de estabelecer uma fratura ainda mais profunda entre a Igreja e a sociedade", diz o pesquisador. "Ela cristalizou oposições entre modernidade e catolicismo, entre a lei de Deus e a lei dos homens".
Alguns temem que, agora, só os fiéis mais "identitários" se reconheçam nessa Igreja. "Pode-se esperar, dentro da Igreja, a uma tomada de poder por parte daqueles que, além do casamento para todos, estão muito mobilizados sobre as questões de família, de moral sexual, de gênero", afirma o sociólogo Jean-Louis Schlegel, que teme que "eles reproduzam o esquema intransigente de uma Igreja que faz o processo de ilegitimidade da sociedade moderna".
Para muitos, estes últimos meses chamaram a atenção para o problema da atitude de uma parte Igreja com relação à homossexualidade, uma atitude segundo a qual o homossexual é chamado à abstinência, e o casal homossexual é totalmente impensável. As desavenças entre os opositores católicos sobre a ideia de um contrato de união civil para os casais homossexuais demonstram esse desconforto.
Colocando-se na linha de defesa dos seus valores, a Igreja Católica, sem dúvida, perdeu a oportunidade de abordar esses problemas de uma maneira nova.
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Igreja e casamento gay: o risco da intransigência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU