26 Abril 2013
No segundo dia do Debate liberais-comunitários: colóquio com Charles Taylor, nesta quinta-feira, 25-04-2013, o filósofo canadense iniciou sua explanação falando sobre os bens irredutivelmente sociais, tensionando a partir desse conceito como pode se constituir uma teoria crítica da política liberal.
A reportagem é de Márcia Junges.
De acordo com Taylor, John Rawls afirma que a principal virtude de uma sociedade é que ela seja justa em termos de bens que podem ser distribuídos, como a prosperidade, bem estar econômico e bem estar nacional. Os bens não distributíveis são a amizade e o amor, o que Taylor chamou de bens de comunhão. Os bens irredutivelmente sociais incluem:
1) Confiança social: em democracias ricas e bem sucedidas não falamos sobre isso porque trata-se quase de um pressuposto, disse Taylor. “Mas estamos prestes a perder essa prerrogativa. Achamos que podemos confiar uns aos outros, quando reina uma desconfiança mútua ubíqua. Contudo, esse bem pode e deve ser partilhado”.
2) Comunalidade: se refere ao grau em que nos sentimos parceiros em um empreendimento na sociedade. Trata-se de algo análogo, porém mais fraco, à amizade descrita por Aristóteles no livro VII da Ética. Pode-se ter graus de comunalidade e confiança diferentes na sociedade.
3) Solidariedade: estamos dispostos a colaborar com o Outro? Nos EUA existe uma grande solidariedade em relação a certas coisas, como em desastres naturais. Já em casos de problemas pessoais como perda de emprego ou problemas de saúde, o nível de ajuda é extremamente baixo. “Mas não é possível ser solidário unilateralmente”, relembrou o filósofo canadense.
A grande ousadia da modernidade
Algo a ser desfrutado coletivamente compreende os recursos de posses coletivas, cujo bem é passível de distribuição, como o petróleo, no caso do Canadá e Brasil. Por outro lado, existem recursos culturais que fazem parte da língua e cultura. O que aconteceria se perdêssemos a grande tradição musical do Ocidente? Isso ocorre quando culturas menores são absorvidas por maiores. É estranho como na disseminação da música ocidental pelo mundo esta marginaliza aquela originária dos outros países. Na Índia as pessoas gostam de Beethoven e Mozart, mas mantem seus gostos e tradições musicais originários.
A cultura e a língua continuam existindo porque são intercambiadas constantemente na sociedade. Mas também é assim que as línguas desaparecem, pontuou Charles Taylor, referindo-se ao ocaso de idiomas de povos originários do Canadá, que cedem espaço ao francês e ao inglês. E o que isso pode significar para a teoria política? Existe uma tendência na teoria política analítica anglo-saxã em termos de conceber a política em termos individuais e bens individuais.
Na obra La societé des égaux, de Pierre Rosanvalon é exposto o desenvolvimento da democracia a partir da revolução americana e francesa, e os altos e baixos da ética subjacente a elas. Esse nível de igualdade é vivido pelas pessoas envolvidas no projeto democrático. Somos parceiros iguais no empreendimento coletivo da sociedade.
Ideia moderna de democracia é a "grande ousadia" do nosso tempo, assegura Taylor Foto: Natália Scholz |
A ideia da democracia moderna, na qual todas as pessoas são membros do empreendimento em pé de igualdade é a grande ousadia da modernidade, garantiu Taylor. A grande aposta da democracia moderna é que todos deveriam ser incluídos em termos de igualdade. “Existe uma impressão compartilhada entre a população de que somos cidadãos iguais. Essa percepção aflora e passa para um segundo plano frente a percepções de desigualdade. Isso é essencial da própria democracia ocidental”, frisou o pensador. “Há uma dificuldade entre os grupos de se verem e entenderem como parceiros. A igualdade de distribuição é importante na democracia, mas é preciso algo ainda maior. Trata-se dos bens irredutivelmente sociais”.
Supernormatividade
Somos obrigados a passar de uma noção puramente normativa e individual para uma outra que examina as condições da realização das normas. Essa teoria também coloca em primeiro plano certos bens sociais irredutíveis. Não teremos o tipo de sociedade que queremos a menos que tenhamos solidariedade, confiança mútua, comunalidade. Não chegamos nem sequer perto daquelas normas, e precisamos ter uma teoria que dê conta disso.
E o que move essa supernormatividade e concentração no indivíduo? É uma concepção profunda e defeituosa do raciocínio, da razão. Em Richard Dawkins lemos que o direito é mais importante que o bem. Qual é a ação correta a ser feita? O bem é uma abreviação entre o que era a vida boa para os gregos? No pensamento pós-iluminista vige que podemos deixar tudo isso de lado.
“Temos uma compreensão muito reduzida da racionalidade na filosofia moderna. O raciocínio é fundamental na racionalidade, mas claramente isso não é a história toda, porque qualquer raciocínio acontece numa certa linguagem. O raciocínio só é bom na medida em que os termos sejam perceptíveis”, acrescentou Taylor. Nosso conhecimento é inseparável do contexto em que vivemos e como superamos as fontes de conflito.
Na opinião de Taylor, o que se verifica é que sentimos um impulso mais forte para ajudar certas pessoas porque formamos comunidade com elas. Aí surge a questão sobre o bem que reside nessa comunidade. De toda forma, é preciso uma mudança de paradigma. Um bom exemplo disso é a Teologia da Libertação. “Temos uma tradição cristã antiga e estabelecida que faz a opção preferencial pelos pobres. Há uma junção de compreensão onde os encontramos na história moderna”, disse o filósofo.
Charles Taylor no Basil
Charles Taylor está pela primeira vez no Brasil num roteiro de eventos acadêmicos que se estende de abril a maio de 2013. A convite do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele iniciou quarta-feira um Ciclo de Debates que se desenvolve em duas perspectivas temáticas: O debate liberais-comunitários: colóquio com Charles Taylor, ocorrido em 24 e 25 de abril, e Religiões e Sociedade nas trilhas da secularização. Diálogos com Charles Taylor marcado para esta sexta-feira, 26-04-2013, e para segunda-feira, 29-04-2013.
Trata-se de um evento de caráter multi e transdisciplinar que reune pesquisadores e estudiosos de diferentes áreas acadêmicas em conferências, mesas redondas, diálogos, entrevistas e apresentação de trabalhos. Dada a amplitude das contribuições de Charles Taylor para a discussão dos temas centrais do evento – sociedade, religiões, secularização –, e visa-se ampliar os debates em torno a temas de interesse para diferentes áreas de estudos e pesquisas.
Confira aqui a programação completa dos eventos de Charles Taylor no Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
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“Não é possível ser solidário unilateralmente”. Charles Taylor e o debate liberais-comunitários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU