Por: Cesar Sanson | 08 Abril 2013
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esteve com a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher - morta nesta segunda-feira aos 87 anos - uma vez, durante um almoço na embaixada brasileira em Londres. Na ocasião, a "Dama de Ferro", que ocupou o cargo de primeira-ministra da Grã-Bretanha por 11 anos, se espantou com o mandato de quatro anos para qual havia sido eleito o então presidente brasileiro: "Isto é ridículo!", disse Thatcher ao mandatário.
A história foi recordada por FHC durante uma entrevista concedida por telefone à BBC Brasil no final da tarde da última segunda-feira. Na conversa, o responsável pelo Plano Real e pela privatização de estatais como Vale do Rio Doce e Telebrás lamenta a morte da britânica, mas nega ter buscado inspiração em suas ideias para a política econômica de seu governo. Dizendo-se um social-democrata, FHC nega o rótulo de neoliberal e elogia a firmeza demonstrada por Thatcher durante seu mandato.
A entrevista é de Caio Quero e publicada pela BBC Brasil, 09-04-2013.
Eis a entrevista.
Em sua opinião, qual o legado deixado pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher?
Eu acho que é de firmeza. Tomou decisões, foi em frente. Deu um exemplo de que para governar você precisa ter crença e avançar. Eu posso não concordar com as crenças, mas ela foi firme.
Com quais crenças de Thatcher o senhor não concorda?
No caso específico, eu nunca fui favorável ao desmonte da vida sindical e também a uma visão demasiado pró-liberdade de mercado. Eu sou social-democrata, não tenho essa mesma percepção.
Mas alguns analistas veem uma inspiração em Margaret Thatcher na abertura econômica e nas privatizações que senhor fez em seu governo. O senhor concorda com essa avaliação?
Não. Abertura econômica é outra coisa. Como o mundo marchava, como marcha, para uma integração crescente das economias, tem que abrir a economia. Agora, não houve inspiração. De minha, parte nenhuma. É muito mais uma questão prática dos interesses do Brasil do que inspiração de modelos.
As privatizações que o senhor fez em seu governo então não foram inspiradas nesse modelo neoliberal?
Não. Foi na necessidade de você modernizar certos setores. O Estado tinha uma crise fiscal, não tinha recursos para trazer essas soluções tecnológicas, nem dispunha de tecnologia, por exemplo, na questão de telecomunicações. Por outro lado, em certas empresas eu acho que a atividade era necessária para dar força a elas, como a questão da Embraer e da Vale do Rio Doce. Eram repartições públicas, não tinham como competir e, como você vai marchar para um mundo de competição, você tinha que fazer. Mas eu nunca fui favorável, por exemplo, a privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil. Eu acho que você tem que ter aí alguns instrumentos que o Estado disponha deles. Se bem que acredito também que a forma de funcionar desses setores produtivos estatais deve ser também na competição. A mola do mundo moderno é a inovação e a competição.
O senhor acha que houve um impacto das ideias de Thatcher nas privatizações que aconteceram em outros países da América Latina?
Eu não sei, provavelmente na Argentina mais fortemente que em outros países; no Chile, em certos momentos. Não posso negar que mesmo no Brasil ela teve (uma influência). Muita gente passou a ter uma visão mais pró-mercado, mais pró-liberalização em função dela. Não foi o meu percurso, eu era muito mais ligado aos (ex-primeiros-ministros britânicos) Gordon Brown, Tony Blair, à Terceira Via, (ao ex-presidente dos EUA Bill) Clinton. Mas, mesmo assim, eles nunca me inspiraram propriamente. Nós aqui temos uma força da questão local que é muito grande, nossos problemas. O que nós tínhamos que fazer aqui era adaptar a economia brasileira ao processo que estava correndo no mundo, que era de maior integração econômica.
Muitos analistas chegaram a decretar o fim desse ideário neoliberal de Thatcher com a crise de 2008. Na avaliação do senhor, como ex-presidente e sociólogo, isso pode realmente acontecer? Estamos seguindo para um modelo mais estatista?
Eu acho difícil, as ideias vão e vêm dependendo das circunstâncias. Como eu disse a você, do meu ângulo, é preciso haver um certo equilíbrio. O Estado tem que existir sempre como uma força reguladora, porque o mercado largado a si mesmo traz muita irracionalidade. Por outro lado, se não houver o mercado, o Estado leva ao arbítrio e à burocratização, à escolha de parceiros, a preferências políticas, a uma coisa que não é positiva. Então tem que haver um equilíbrio entre essas forças. Eu acho que mesmo a partir da crise o que vai acontecer é isso. Não vai morrer o ideal de você ter uma economia competitiva ou mais liberdade de ação dos agentes econômicos, nem vai morrer o ideal de termos um Estado que seja capaz de redistribuir renda e tomar medidas de política social que são necessárias.
Thatcher sempre foi crítica a uma maior integração europeia e tinha restrições ao euro. Ela morre em um momento em que o bloco ainda está lutando para sair da crise. O senhor acha que a história pode vir a provar que ela estava certa, que a União Europeia pode se esfacelar?
Eu não acredito, a minha visão é outra. Eu acho que a Europa deveria ter se integrado mais, para ter uma política fiscal mais compatível com a política monetária, não menos. A integração europeia foi, do ponto de vista da civilização, muito importante, primeiro porque acabou com a tensão de guerra na Europa, só isso já valeu muito. O caminho para esses países todos é de maior integração. Você vê, juntamente com o liberalismo da Thatcher existia um certo nacionalismo. É curioso, sempre se atribui aos liberais uma visão menos nacional, e ela tinha as duas coisas.
Ao mesmo tempo ela teve uma relação bastante conturbada com a América Latina, principalmente com a Argentina, com a Guerra das Malvinas (1982). Como o senhor avalia a relação dela com a América Latina?
Ela atuou de acordo com os interesses estritos da Inglaterra e sempre atuou com toda força. Não quis saber de negociação com a Argentina, em um momento em que o Brasil (por exemplo) apoiou a Argentina.
O senhor já esteve com Thatcher? Em que circunstância?
Sim. Ela já não era mais primeira-ministra e eu era presidente. Ela foi à embaixada do Brasil (em Londres) e almoçou comigo.
E como foi o almoço?
Foi bem, ela disse uma frase que eu me recordo. Ela perguntou: "How long it lasts your term, sir?" (Quanto tempo dura seu mandato, senhor?). Eu disse que eram quarto anos e ela respondeu: "That’s ridiculous!" (Isto é ridículo!).
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FHC nega ter sido influenciado por Thatcher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU