21 Março 2013
O primeiro santo de Francisco será um mártir da ditadura militar, se o desejo que o futuro papa havia expressado antes ainda de ser eleito for respeitado. Carlos de Dios Murias, um jovem frei franciscano torturado e brutalmente assassinado pelos militares da província de La Rioja, em 1976.
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 19-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"A causa para a canonização – conta-nos o padre Carlos Trovarelli, provincial dos franciscanos na Argentina e Uruguai – foi assinada pelo próprio Bergoglio em maio de 2011. E ele o fez com discrição, para evitar que fosse bloqueada por outros bispos argentinos, ainda contrários a tais iniciativas baseadas no compromisso social dos sacerdotes".
Carlos Murias nasceu em 1945, em Córdoba. O pai era um rico agente imobiliário e um político muito conhecido na região. Para o seu filho, ele havia imaginado uma carreira de soldado e o havia inscrito na Escola Militar, mas logo depois dos estudos, Carlos entrou no seminário e pouco depois foi ordenado sacerdote por Enrique Angelelli, o bispo militante de La Rioja, famoso pela sua pastoral dos campesinos.
A situação naquela província era um retrato fiel dos desequilíbrios do país inteiro: poucas famílias muito ricas que controlavam tudo, e um monte de trabalhadores reduzidos quase à escravidão. Angelelli havia se colocado contra isso, e Murias havia sido enviado para ajudar os agricultores em uma pequena cidade chamada El Chamical, juntamente com o padre francês Gabriel Longueville. Ele devia fundar uma comunidade franciscana, quando os militares deram o golpe.
Ele começou a receber avisos, convocações aos quartéis, onde os soldados lhe explicavam que "a sua Igreja não é a em que acreditamos". Carlos continuou firme e, no dia 18 de julho de 1976, foi sequestrado junto com Gabriel. Foi preso na Base da Força Aérea de Chamical, e dois dias depois o seu cadáver foi encontrado no meio de um campo: havia furado os seus olhos e cortado as suas mãos, antes de fuzilá-lo.
Angelelli celebrou o funeral atacando os militares: "Atingiram onde sabiam que ia doer mais. Fui eu que ordenei Carlos, e eu o coloquei em uma condição de perigo". Duas semanas depois, um Peugeot 404 encurralou o carro de Dom Angelelli, enquanto ele viajava para La Rioja: o carro do bispo capotou, e ele morreu. A polícia arquivou o episódio como um acidente, a magistratura agora está finalmente investigando o caso como se fosse um homicídio.
A parte menos conhecida dessa história é a reviravolta de Bergoglio, que agora foi revelada pelo padre Miguel La Civita, estreito colaborador de Angelelli: "Eu o conheci durante os estudos. Poucos dias depois dos homicídios, ele pegou os nossos seminaristas e os escondeu no Colégio Máximo dos jesuítas, dos quais ele era o provincial. Não são histórias que eu ouvi contar: eu as vivi, em primeira pessoa. E que uma coisa fique bem clara: eu era o exato protótipo daqueles que então eram chamados de padres terceiro-mundistas, da teologia da libertação. Com a desculpa de retiros espirituais, o Colégio havia se tornado um centro para ajudar os perseguidos: eles os escondiam, preparavam os documentos falsos e os faziam fugir para o exterior. Bergoglio estava convencido de que os militares nunca teriam a coragem de violar o Máximo".
Quem também confirma isso é Alicia Oliveira, famosa magistrada perseguida pelos militares e que depois se tornou ativista dos direitos humanos: "Bergoglio também propôs que eu me escondesse no seminário: eu lhe respondi que preferia ser presa pelos militares, em vez de viver com padres. Ele começou a rir e disse que eu era uma tola: a posteriori, eu reconheço que ele tinha razão. Seguramente, eu sei que uma vez ele deu a um homem que se parecia com ele os seus documentos verdadeiros e uma veste de sacerdote, para fazê-lo escapar para o Brasil. Se isso não significa pôr tudo em jogo, sob a ditadura militar, então me explique o que é".
A morte de Carlos Murias, porém, permaneceu dentro de Bergoglio. É difícil entender como certos episódios marcam a alma humana, em situações em que o perigo extremo se torna cotidianidade. "Os jesuítas – explicava Trovarelli – são a vanguarda total. Eu acredito que a cúria geral ordenou atenção a Bergoglio, e ele teve que encontrar um modo de salvar as vidas sem expor demais as dos colegas".
O fato é que, assim que a diocese de La Rioja começou a prática para a canonização, o cardeal logo a assinou. Era maio de 2011, portanto, em tempos insuspeitos: nenhuma campanha papal no horizonte. "Bergoglio assinou e nos aconselhou a sermos discretos: muitos bispos argentinos, principalmente os mais idosos, se opõem às causas baseadas no compromisso social. Graças à sua cautela, o processo seguiu em frente: os testemunhos acabaram e chegamos à preparação da positio. E agora Bergoglio é papa. A vontade de Deus faz milagres: seria comovente se o primeiro beato de Francisco fosse Carlos".
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Um padre morto pelo regime: o primeiro beato do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU