06 Março 2013
Josef Stalin governou os primeiros anos da União Soviética com tortura, julgamentos-espetáculos e alto número de execuções. Ainda assim, muitos russos hoje estão dispostos a perdoar essa brutalidade. Eles o consideram um herói por consolidar o poder e modernizar o país.
A reportagem é de Uwe Klussmann, publicada na revista Der Spiegel e reproduzida pelo portal Uol, 06-03-2013.
Não é que as pessoas na Rússia questionem que Josef Stalin representou um reinado terrível de violência. Ele era uma figura controversa desde o início entre os líderes de seu próprio partido, os bolcheviques, antecessores do Partido Comunista. Mesmo os antigos líderes comunistas russos admitem que o número de vítimas foi inconcebivelmente alto.
E, ainda assim, o antigo ditador soviético é fonte de intensa discordância na Rússia de hoje. Admiradores, como o autor Alexander Prokhanov, exortam a "vitória mística" de Stalin no final da Segunda Guerra Mundial e o "projeto vermelho" soviético que formou uma era. O lado pró-Stalin regularmente vence os debates de TV com liberais que advertem dos perigos da nostalgia de Stalin. Sessenta anos após sua morte, no dia 5 de março de 1953, o "homem de aço" ainda inspira fascínio entre muitos russos.
Lenin emitiu algumas das primeiras advertências do que Stalin seria capaz. Como escreveu em uma carta para a convenção do partido no dia 24 de dezembro de 1922: "O camarada Stalin, tendo se tornado secretário-geral, concentrou um enorme poder em suas mãos; e não estou seguro de que sempre sabe como usar esse poder com suficiente cautela."
Os grandes expurgos
Na época, Stalin ainda não tinha alcançado o poder absoluto sobre o Estado soviético de cinco anos. A Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil russa tinham abalado a região, e os comunistas todo-poderosos estavam divididos em facções rivais. Um homem de uma família judia abastada fez fama como orador brilhante: Lev Davidovich Bronshtein, que se chamava Leon Trotsky. Lenin, aparentemente conhecedor da natureza humana, também advertiu contra ele. Trotsky tinha "uma autoconfiança que ia longe demais e uma tendência a ser atraído demais pelo lado puramente administrativo das coisas".
Foi essa opinião que tornou a ascensão de Stalin ao poder possível. Quase ninguém, nem mesmo Lenin, tinha imaginado que Stalin expulsaria Trotsky do partido e o enviaria ao exílio. Depois da morte de Lenin, em 1924, não havia ninguém para deter Stalin. Ele rapidamente isolou os defensores de Trotsky, os trotskistas, advertindo repetidamente sobre suas ideias ditatoriais, como o conceito amplamente odiado de "militarização do trabalho".
Nos anos 20 em Moscou, Stalin distinguiu-se com promessas de estabelecer uma democracia. Ele consolidou seu poder pelo aparato do partido, por onde promovia jovens russos. O partido que Lenin tinha deixado para trás era caótico, governado por aventureiros políticos que não tinham a menor conexão com as vidas dos russos em geral. Em contraste, a classe de administradores públicos e governadores regionais era ambiciosa e corrupta. Nenhum grupo era capaz de construir um Estado, e Stalin percebeu a oportunidade. Na segunda metade dos anos 30, ele usou os julgamentos-espetáculo de Moscou para condenar centenas de milhares à morte e milhões para campos de prisioneiros, onde inúmeros morreram.
"Ivan o Terrível", o modelo histórico
O que poderia ter levado Stalin a fazer isso ficou claro em um filme que, à primeira vista, parece não ter nada a ver com Stalin. Ivan o Terrível foi filmado durante a Segunda Guerra Mundial pelo diretor Sergey Eisenstein, a pedido de Stalin. O filme se passa no século 16, mostra a vida de Ivan 4º, o czar de todos os russos, cuja inclinação sádica lhe trouxe a epíteto de "O Terrível" no Ocidente.
Similar a Stalin, Ivan 4º enfrentara um obstáculo em seu caminho ao poder absoluto: os boiardos corruptos, aristocratas em quem não podia confiar. Stalin era fascinado pelos paralelos históricos. Os espectadores viam um czar como um líder altamente dotado, afligido por príncipes maliciosos e traidores. O trailer russo diz que o filme é sobre "um homem que, pela primeira vez, uniu nosso país e criou um Estado poderoso".
Stalin também tinha subjugado o aparato de poder com terror e ondas de expurgos sangrentos. Onde a resistência não era demonstrada, ele a fabricava. Confissões eram forçadas por tortura. Os julgamentos-espetáculo contra pessoas importantes do partido e do Estado assinalaram para o país, a partir de 1935, que a oposição à política de Stalin, aberta ou velada, não seria tolerada. Em um só dia, 12 dezembro de 1938, os julgamentos de Stalin condenaram 3.167 pessoas à morte. Nem mesmo a polícia secreta soviética, responsável por grande parte do terror, foi poupada dos expurgos --como a Oprichniki, polícia pessoal de Ivan, o terrível.
A espada do ditador também fez um círculo em torno da liderança do exército. Em poucos anos, mais de 10 mil oficiais foram executados, e três em cada cinco marechais e 15 comandantes foram presos. Em 1940, Trotsky, que foi expulso da União Soviética em 1929 e estava morando no México, foi atingido por um quebra-gelo na cabeça por um assassino soviético.
Da industrialização à vitória
O que a princípio parecia ser a total insanidade de um maníaco paranoico, de fato tinha um propósito. Como Ivan, o Terrível, Stalin tentou criar para si uma elite de servidores leais. Mas o governo de Stalin não era um renascimento czarista e sim uma ditadura de modernização.
Em um discurso a engenheiros, diretores de projetos e autoridades em Moscou em fevereiro de 1931, Stalin expressou a essência de sua política. Seu público de 700 homens, na maioria jovens ou de meia idade, muitos dos quais haviam viajado de trem pelo enorme cenário coberto de neve do país, ouviram atentamente aos planos que deveriam realizar.
A "antiga Rússia", disse Stalin, era "continuamente abatida por seu atraso", e pelos "khans da Mongólia, os senhores feudais suecos e os capitalistas anglo-franceses". Sua conclusão final era que o país deveria "erradicar seu atraso o mais breve possível… Estamos 50 a 100 anos atrás dos países avançados. Temos que compensar essa distância em dez anos. Ou fazemos isso, ou seremos esmagados".
Dez anos depois, a máquina militar mais avançada do mundo, a Wehrmacht de Hitler, atacou a União Soviética. Os blindados alemães destruíram os campos de milho e os bombardeiros atacaram as fábricas das cidades russas.
Ainda assim, a União Soviética prevaleceu. Os alemães tiveram que observar com espanto enquanto o Exército Vermelho se aproximou de Berlim com 6.000 tanques para soar os sinos da morte do Reich alemão.
Isso foi possível pela gigantesca industrialização de Stalin, paga pelos milhões de agricultores que morreram de fome com a coletivização forçada da economia agrária de Stalin. O envio de trabalhadores que chegavam atrasados ao trabalho nas fábricas para os gulags não era exceção e sim a regra depois de 1939. Você não é nada; o império soviético é tudo --esse era o lema não dito do regime stalinista. E o princípio pareceu funcionar: depois da vitória de 1945, a esfera de influência soviética ia do Pacífico até a Baía de Lübeck.
Morte solitária
Para vigiar todo esse enorme império, depois da guerra, os homens de Stalin traziam informes diários por avião para uma das casas de veraneio onde ele gostava de ficar. Ele lia os documentos em uma escrivaninha marrom pequena ao lado da cama.
Enquanto o ditador muitas vezes se mantinha em reclusão na cidade de Gagra, no mar Negro, por semanas e meses sem fim, seus burocratas governavam na distante Moscou e o reverenciavam com um culto à personalidade insincero. Enganosos, covardes e coniventes, seu interesse próprio era refreado apenas pelo fato de Stalin ainda estar vivo.
Stalin não preparou um sucessor; era muito solitário quando morreu na primavera de 1953, depois de sofrer uma hemorragia cerebral em sua residência Kuntsevo, no subúrbio de Moscou. Mais tarde, surgiram evidências de que pode ter sido envenenado.
Enquanto grande parte da população velava a morte de sua figura paterna, a elite de Moscou se dedicava ao que fazia melhor: tramoias e lutas pelo poder. Três anos depois da morte de Stalin, começou a renúncia pública de suas políticas. Trinta e oito anos depois de sua morte, a União Soviética desmoronou.
O atual fascínio com Stalin --60 anos depois de sua morte-- não é com o ditador comunista, e sim com o fundador do império. A razão por trás do fenômeno está no "presente devastador", resume Vladimir Solovyov, jornalista liberal do canal de televisão estatal Rossija ("Rússia").
"À luz da ampla corrupção no governo, de abuso de poder e injustiça social, muitos russos sentem uma necessidade crescente de elevar Stalin", diz Solovyov. Os pertences pessoais do ditador, afinal, eram essencialmente limitados a meia dúzia de uniformes. Até mesmo suas casas de veraneio pertenciam ao Estado.
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Seis décadas depois, culto a Stalin na Rússia está vivo e vai bem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU