12 Dezembro 2014
O cardeal de Viena, Christoph Schönborn, concedeu a entrevista que segue às Edizioni Studio Dominicano como prefácio para a edição italiana do seu livro Gesù maestro [Jesus mestre], nas livrarias italianas nesta semana.
A entrevista foi realizada às vésperas do recente Sínodo sobre a família e foi republicada no jornal Il Foglio, 11-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O título desse livro já é um programa: o homem precisa de uma escola "que não acaba nunca" para viver; o homem é essencialmente um "aluno". Qual é, na sua opinião, a coisa mais difícil de aprender nessa escola e qual a mais importante?
A coisa mais difícil de aprender é a conversão do coração. Com este convite: "Convertei-vos", começa a pregação de Jesus, e Jesus repete esse convite toda vez que anuncia o Evangelho. Penso, portanto, que o núcleo dessa escola é a conversão. Mas o que é a conversão, a metanoia, como diz o texto grego? Literalmente, em grego, metanoia significa mudança de pensamento, de mente, de mentalidade.
E por que precisamos mudar a nossa mentalidade? Uma vez, Jesus o disse a Pedro, quando este quis lhe impedir de ir a Jerusalém, rumo à paixão. Jesus lhe respondeu: "Você pensa como os homens e não como Deus". O objetivo, portanto, da escola de Jesus é encontrar o pensamento de Deus, a vontade de Deus, os sentimentos de Deus, como diz Paulo: "Tenham em vocês os mesmos sentimentos que estavam em Cristo". A conversão do coração é a coisa mais difícil e também é, ao mesmo tempo, a coisa mais importante a se aprender. O método que Jesus usa é a paciência, a sua paciência infinita, e a experiência. Jesus nos faz caminhar através de experiências. Os discípulos de Jesus fazem experiências com ele, e depois de cada experiência ele diz: pois bem, vocês viram, vocês entenderam, vocês sentiram, vocês experimentaram.
O senhor escreve no seu livro que, muitas vezes, os alunos "mais talentosos" ignoram que o são, enquanto alguns pensam que não precisam mais dessa escola. Como se explica isso?
Para ser alunos de Cristo, devemos estar conscientes de que precisamos ser seus alunos. A dificuldade que Jesus tem com os fariseus – com alguns, certamente, não com todos – é que eles já se sentem no bom caminho. E, em certo sentido, eles estão, porque são bons, são piedosos, fazem tantos sacrifícios pela sua religião. Mas lhes falta aquela experiência que os discípulos de Jesus tiveram que fazer, da própria fraqueza, da própria miséria. Quem ainda não fez essa experiência acredita já estar no fim, que já superou a maturidade, o bacharelado, que já terminou a escola. Não, Jesus nos mostra, e o faz durante toda a sua vida, que sempre precisamos reconhecer a nossa pobreza: "Bem-aventurados os pobres, porque deles é o reino de Deus". Então, este é o núcleo: a experiência da própria fraqueza, da própria miséria. Não para nos frear – Deus não quer abaixar o homem, quer salvá-lo –, mas a experiência de que precisamos de salvação é essencial. E Jesus é o caminho da salvação, o caminho em que experimentamos que, sem ele, não conseguimos.
A propósito de pobreza, o Papa Francisco, em um dos seus primeiros discursos, disse, suspirando: "Como desejo uma Igreja pobre!". Na sua opinião, como a Igreja deve ser "pobre"?
Acho que o desafio da pobreza para a Igreja está em reconhecer que, mesmo sendo riquíssima de dons de Deus, a Igreja é uma pobre, uma mendicante: bela como nenhuma outra, porque é a esposa de Cristo, mas é bela da Sua luz, do Seu amor. A Igreja floresce como floresce um ser humano quando é amado. É o fato de serem amadas que torna as pessoas belas e radiantes. Ora, a pobreza é, acima de tudo, a experiência da dependência, e a dependência maior é a do amor, porque o amor não pode ser comprado, não pode ser adquirido, o amor só pode ser recebido como dom.
Mas, nessa pobreza, há também outra coisa que é muito importante para o Papa Francisco: nós temos a alegria de ser Igreja. Toda a riqueza de Cristo é nossa, como disse Paulo: "Tudo é de vocês, vocês são de Cristo, e Cristo é de Deus". Nós temos toda essa riqueza, mas a trazemos em "vasos de barro". Com essa consciência, a nossa atitude para com os não crentes ou com aqueles que não compartilham a nossa fé se transforma em uma atitude de humildade, de proximidade, de amor, de benevolência. Acho que, quando o papa nos diz para ir para as periferias, ele nos convida a tratar a nossa riqueza não como uma exclusividade, mas como um chamado a ir ao encontro dos outros e a receber deles. Assim como Jesus faz com a samaritana: é a essa mulher de vida fácil, a essa miserável mulher que Jesus se dirige, começando por lhe perguntar: "Dá-me de beber!". Eu acho que essa é a pobreza da qual fala o Papa Francisco.
Uma Igreja pobre é uma Igreja, em certo sentido, mendicante. Quando Jesus nos envia ou diz aos seus discípulos "vão sem bolsa", ele nos mostra essa grande dependência: ou seja, que precisamos dos outros. Anunciar o reino de Deus não é a atitude dos bem-aventurados "possuidores", mas daqueles que sabem receber. Quando Jesus diz à mulher pagã que tanto insistiu pela cura de sua filha, "Mulher, grande é a tua fé", ele nos mostra essa atitude de admiração diante da fé de tantos pagãos – e muitos dos nossos contemporâneos são, em certo sentido, pagãos. Jesus nos ensina a não julgá-los, mas a ver também todo o bem que há neles e se faz entre eles. Essa é uma Igreja pobre, uma Igreja que não prega do alto do cavalo, mas que desce e caminha com os outros.
Agora que uma das suas tarefas é a da vigilância das finanças vaticanas, o que o senhor espera e o que lhe parece mais importante de se realizar nesse âmbito?
O papa nos disse uma coisa – acho que não vou trair um segredo: "Eu não amo o dinheiro, mas preciso dele, para os pobres e para a missão". E, com essa simplicidade, ele nos disse tudo: não é "o dinheiro pelo dinheiro" que é o fim, mas sim o dinheiro para os pobres, para a missão. E aqui é preciso um pouco de justiça em relação ao Vaticano: pensemos que a Congregação para a Propaganda da Fé, para a Evangelização dos Povos, a Propaganda fidei, como se chamava antigamente, sustenta com o dinheiro que tem de fundos imobiliário, de doações recebidas ao longo dos séculos – um patrimônio importante –, pois bem, com esse patrimônio, ela sustenta mais de mil dioceses nas terras mais pobres do mundo, onde a Igreja local nunca poderia manter as suas estruturas e atividades sem a ajuda do Vaticano, do patrimônio da Santa Sé.
Se houve escândalos – e os houve –, como abusos de confiança, mau uso dos fundos ou uso de fundos de origem duvidosa etc., tudo isso é apenas uma mínima parte: com uma política muito consistente, já sob o pontificado do Papa Bento XVI e agora com o Papa Francisco, podemos dizer que a limpeza já foi feita em grande parte. Agora, encontramo-nos em um período de reconstrução, seja da confiança, seja da confiabilidade e da eficiência das finanças do Vaticano. Uma situação de pouco ou insuficiente controle, de fato, levava a grandes perdas, por causa da ineficiência. Acho que o Papa Francisco, com muita decisão e clareza, quer colocar em boa ordem as finanças do Vaticano: ele, que diz que não gosta do dinheiro, quer tê-los à disposição para os pobres e para a missão.
O ano de 2014 é um ano em que a Igreja nos dá três papas santos: João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. Não é surpreendente para o senhor essa corrente de santidade que guiou a Igreja nas últimas décadas? E qual ensinamento desses Santos Padres lhe parece que não deve ser perdido?
A resposta, para mim, é bastante simples: todos esses grandes papas do século XX e do nosso século são sinais de uma providência incrível, da providência de Deus que mandou, a cada momento, o papa de que a Igreja precisava, de que o mundo precisava. Pensemos em Pio XII, tão denegrido, tão vilipendiado: que grande papa ele foi naquele período tão difícil da guerra e do pós-guerra!
Mas era preciso um passo à frente, e veio o Papa João XXIII, com a sua simplicidade, com a sua santidade e com a sua coragem. Ele deu o passo para o Vaticano II, para a abertura para as outras confissões, para o ecumenismo, para a doutrina social: um papa que, em cinco anos, mudou a face da Igreja.
E depois Paulo VI, aquele grande humilde, atencioso, homem de grandíssima inteligência, mas também de fineza, de atenção aos desafios do tempo: foi ele quem conduziu o Vaticano II, sem ele, o Concílio não teria sido o que foi.
E depois, após Paulo VI, tivemos aquela chama de poucos dias de João Paulo I, provavelmente beatificado em pouco tempo: o papa do sorriso, que foi como que um momento de graça e de promessas.
E depois o gigante do Oriente, da Polônia, o santo João Paulo II, que, sem dúvida, é uma das maiores figuras do papado. E depois os dois papas vivos, Bento XVI e Francisco.
Bento XVI foi e é seu amigo e mestre – se é que podemos dizer, foi ele que recebeu o primeiro exemplar deste seu livro, "A escola de vida de Jesus", antes de partir para Castel Gandolfo: qual é o ensinamento fundamental que o senhor teve desse seu mestre?
A humildade, a simplicidade, a sua grandeza de coração e de espírito. Eu sempre digo: na minha biblioteca, as obras de Ratzinger estão depois das de Agostinho. Eu o considero um dos grandes mestres da história do pensamento cristão.
E depois o Papa Francisco...
E, por fim, o Papa Francisco: cada um veio no momento certo. Acho que justamente essa seja a prova de que a divina providência conduz a Igreja.
No seu livro, o senhor explica este conceito de eleição: Deus escolhe não porque não é democrático e prefere alguém em vez de outro, mas porque tem um projeto seu e um projeto individual com cada um de nós.
Sim, e experimentamos isso nos últimos dois conclaves: depois de João Paulo II, experimentamos a prova de que Bento estava destinado a se tornar o seu sucessor – a prova foi tal que o conclave durou menos de 24 horas. E o mesmo agora, depois da renúncia tão surpreendentes e impressionantes do Papa Bento: o Espírito Santo nos conduziu com força para Francisco.
No seu livro, o senhor fala de mestres que devem se tornar testemunhas para que as pessoas possam segui-los. Qual é a novidade do testemunho do Papa Francisco, na sua opinião?
Foi Paulo VI disse que "o nosso tempo prefere as testemunhas aos doutores e, se escuta os doutores, escuta-os porque são testemunhas". Acho que experimentamos isso com o Papa Ratzinger, com o Papa Bento, que é um testemunho da simplicidade e da humildade da fé em um coração e em uma cabeça de grande doutor. O Papa Francisco, como primeiro jesuíta que se tornou papa na história, encarna para mim o carisma de Santo Inácio de um modo muito puro, muito límpido.
O que é esse carisma? É a docilidade ao Espírito Santo – neste momento. É viver nessa constante disponibilidade para onde, neste momento, agora, o Espírito Santo manda. Para mim, a sua espontaneidade não é a espontaneidade de um populista que quer o aplauso da multidão, não, mas sim essa disponibilidade interior a agir de acordo com aquilo que ele vê, como Jesus, que diz: "Eu faço só aquilo que vejo do Pai". Em um certo sentido, eu vejo assim: ele faz aquilo que, neste momento, vê e percebe como ação do Espírito Santo. Então, tal espontaneidade é uma grande liberdade.
Certamente, ele tem opções muito precisas: o fato de que permaneceu na casa de acolhida, na Domus Sanctae Marthae, é uma escolha bem precisa, bem pensada. Não se trata de uma ideia superficial, populista. Ele quis mudar o ambiente em torno do papa. Desde o primeiro momento do seu pontificado, o Papa Francisco quis libertar o papa do invólucro do cerimonial, porque o cerimonial faz do papa, em certo sentido, um prisioneiro. O Papa Francisco quis dar novamente ao papel do papa o papel do apóstolo, no meio das pessoas, com aquela liberdade que é tão cara à vida cristã: Cristo nos libertou. Eu acho que Francisco quis libertar o papel do papa de um cerimonial que lhe impediu de ser pastor.
O outro elemento novo é a sua capacidade de dizer as coisas de um modo tão simples e figurado, semelhante ao do Evangelho. Há o sabor do Evangelho nas metáforas, nas imagens que ele usa: há o gosto da pregação de Jesus, simples, direta, tocante, cheio de vida, compreensível. O Papa Francisco também tem, entre os muitos outros dons, o de saber tomar decisões: ele escuta muito, longamente, se deixa aconselhar, e a sério, para a reforma da Cúria, do banco. Ele ouve, faz om que os especialistas trabalhem, ouve os resultados, mas depois decide com clareza, até mesmo com firmeza, com coragem.
A mensagem forte da Igreja nesses anos do novo milênio é o da misericórdia de Deus. O senhor mesmo escreveu um livro, Abbiamo ottenuto misericordia, a esse tema, é promotor dos Congressos Internacionais da Divina Misericórdia: como não mal interpretar essa mensagem misericórdia e como conjugá-la com a justiça de Deus? O Papa Francisco também fala continuamente da misericórdia, mas, em relação a mafiosos ou corruptos, usa tons muito duros.
A misericórdia sem justiça é uma misericórdia que eu costumo chamar "de pudim", inconsistente: porque a misericórdia para com os pobres é exigente. Não se pode deixar reinar a injustiça: lutar por uma justiça maior é uma forma muito concreta de misericórdia, assim como lutar pela vida e pela dignidade dos pobres e dos oprimidos. A justiça e a verdade são os dois elementos fundamentais da misericórdia: não podemos ser misericordiosos sem a verdade, e a verdade pode ser custosa, pode ser difícil de suportar ou de aceitar, mas é a condição para que a misericórdia possa se enraizar. Só na base da verdade é que a misericórdia pode ter força sobre a vida, e o mesmo vale para a justiça. Por isso, é muito coerente que o papa queira lançar luz, buscar a verdade também nos escândalos da Igreja, e é coerente que ele lute pela justiça e contra a máfia, que é um pecado estrutural, um grave pecado de injustiça. Portanto, a misericórdia requer uma atitude forte e "custosa". Para Jesus, a misericórdia em relação a nós custou a vida.
No seu livro, o senhor ita a frase de Erik Peterson: "Até que o Evangelho seja pregado neste mundo – portanto, até o fim dos tempos –, a Igreja sempre terá os seus mártires". Nos últimos tempos, a Igreja e os cristãos são cada vez mais objeto de perseguição em diversos países do mundo: como aprender, na "escola de vida de Jesus", a conciliar a não violência, o apelo à paz que o Papa Francesco também faz continuamente, com a necessidade de defender tantas vidas humanas?
Essa é uma tensão grande e importante dentro da vida cristã, a de renunciar à violência sem renunciar à justiça. O fato de o Papa Francisco não ter excluído o uso das armas para proteger todo um país, todo um povo – e, acima de tudo, os pobres sem defesa – também faz parte de uma verdadeira misericórdia. Quando os aliados pegaram em armas contra o Terceiro Reich de Hitler, não o fizeram por motivos de conquista, mas simplesmente para salvar vidas humanas, para parar o mal que aquele ditador fazia. Também no caso dos fundamentalistas radicais, violentos, que não conhecem limites para a sua crueldade, também aqui, a necessária defesa dos pobres, das pessoas, da população civil contra tais excessos não é incompatível com a não violência do Evangelho.
O senhor será um padre sinodal no próximo Sínodo sobre a família: o que o senhor traz mais no coração e o que espera dos trabalhos desse Sínodo?
Duas coisas: a primeira é olhar com amor, atenção, compreensão e compaixão para a vida das pessoas, sem ter um julgamento sobre tudo, mas antes ver, antes acolher. A segunda é esta: há uma meta, um ideal de que Jesus nos fala, e é o verdadeiro matrimônio cristão. Mas o papa nos disse: vocês devem acompanhar as pessoas rumo a essa meta. Acho que o que ele quer do Sínodo é muito simples: olhar com benevolência, com atenção para o bem que se faz também em um mundo secular, olhar para quanto sofrimento existe e acompanhar, ser próximos, trazendo no coração aquela visão de que Jesus nos fala, aquele desígnio inicial de Deus sobre o homem e a mulher. A beleza desse ideal é a única coisa que pode atrair para entrar nesse caminho.
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Como alunos na escola de vida de Jesus. Entrevista com Christoph Schönborn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU