02 Dezembro 2014
Não é mais possível dar como certa a presença das mulheres dentro da vida eclesial, nem pedir de tudo às mulheres sem pensar em renegociar as condições da sua presença na Igreja: isto é, sem favorecer concretamente, como ensina Francisco, uma presença mais incisiva delas nos lugares onde se tomam as decisões importantes.
A opinião é do padre e teólogo italiano Armando Matteo, professor de teologia fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana. O artigo foi publicado na revista Settimana, n. 42, 30-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um dos traços característicos do magistério do Papa Francisco é o da retomada sistemática do discurso acerca da colocação da mulher na vida concreta da Igreja. Neste ano e meio de pontificado, foram realmente muitas as intervenções nas quais voltou a esse tema.
Entre elas, teve grande destaque uma passagem da entrevista concedida aos jornalistas durante o voo de volta do Brasil para a Itália, depois da Jornada Mundial da Juventude, no dia 28 de julho de 2013.
Ele disse então: "Uma Igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria. O papel da mulher na Igreja não é apenas a maternidade, a mãe de família, mas é mais forte: é justamente o ícone da Virgem, de Nossa Senhora; aquela que ajuda a crescer a Igreja! Mas pensem que Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! É mais importante! A Igreja é feminina: é Igreja, é esposa, é mãe".
Além disso, encontrando-se com o episcopado brasileiro, no dia anterior, ele tinha afirmado: "Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade".
No Brasil
É significativo notar, a esse respeito, a particular situação da Igreja Católica no Brasil, em que, como registrou José Casanova, "as mulheres estão abandonando a Igreja Católica mais rapidamente do que os homens. Com efeito, a adesão ou filiação feminina é constantemente maior do que a masculina em todas as denominações religiosas no Brasil, cristãs e não cristãs, evangélicas e pentecostais, afro-brasileiras e de qualquer outro gênero não cristão, com a única exceção da Igreja Católica".
"O percentual de católicos homens – afirma Casanova –, 68,92% da população masculina brasileira, é maior do que o percentual das mulheres católicas, que chega a 67,96% da população feminina brasileira. A diferença pode não parecer grande, ligeiramente acima de 1%, no âmbito da população brasileira, o que se traduz em aproximadamente dois milhões de homens a mais em relação às mulheres na Igreja. Mas se trata de uma indicação eloquente do êxodo feminino da Igreja em relação a algumas décadas atrás, quando dentro da Igreja ainda havia mais mulheres do que homens. Os homens que abandonam a Igreja tendem, com maior frequência, a se tornarem arreligiosos, enquanto as mulheres que deixam a Igreja tendem, com maior frequência, a aderir a outras religiões, cristãs e não cristãs. Efetivamente, se contarmos apenas os brasileiros que têm alguma filiação religiosa e excluirmos aqueles 6,72% da população brasileira sem uma religião, o hiato de gênero torna-se mais acentuado: 71,6% de mulheres que são católicas em comparação com 75,4% de homens."
"Se acrescentarmos os outros dados – continua –, igualmente reveladores, decorrentes da diferença ainda mais dramática de gênero que diz respeito às vocações, se deveriam tocar os sinais de alerta. Enquanto o número dos sacerdotes brasileiros no Brasil subiu de 2.630 para 3.956 entre 1970 e 1979, com um aumento de 50%, o número das mulheres consagradas caiu de modo igualmente intenso de 12.823 para 8.206, com um declínio de 36%."
Foi talvez pensando também nesses dados que o Papa Francisco decidiu dedicar à "questão-mulher" dois números são particularmente significativos daquele seu programa pastoral que é a exortação apostólica Evangelii gaudium.
No número 103, ele destaca que "é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja", enquanto, no número 104, ele enfatiza a questão do "poder" ligado ao sacramento da ordem, que nunca indica domínio: indica, na verdade, "a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos, que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja".
E na Itália?
Tais afirmações são particularmente cheias de força e de clarividência. Parece, de fato, que não são muitos aqueles que prestam atenção ao dado da crescente desafeição feminina e, em particular, àquela ligada às gerações mais jovens de mulheres em relação à Igreja Católica. Que, em suma, são muitas as (jovens, particularmente) mulheres que não se sentem mais "em casa" nela.
E isso não vale só para o Brasil: também vale para a Itália. Pode ser de ajuda, nesse sentido, o recente livro Genere e religioni in Italia. Voci a confronto [Gênero e religiões na Itália. Vozes em debate], organizado por Isabella Crespi e Elisabetta Ruspini, onde conflui a contribuição de inúmeros estudiosos que aplicam a perspectiva de gênero ao universo religioso.
Iluminador, na direção da reflexão até aqui alinhavada, é o ensaio assinado por Isabella Crespi, dedicado ao tema "Religiosidade e diferença de gênero na Itália: crenças, práticas e mudanças geracionais". O objetivo explícito da contribuição é o de aproximar a experiência religiosa da Itália a uma perspectiva de gênero, ou seja, que faça emergir as variações e as diferenças das vivências masculinas e das femininas.
A base de partida é oferecida pelos dados recolhidos por ocasião da quarta edição da pesquisa European Values Study, realizada entre 2008 e 2009.
Crespi interroga o âmbito das crenças, das práticas religiosas, o grau de confiança na Igreja Católica e, por fim, a sensibilidade para com a igualdade de gênero, através da construção de índices específicos que permitem não só medir a diferença de gênero entre homens e mulheres, mas também a diferença intergeracional dentro das diversas gerações masculinas e femininas envolvidas na pesquisa.
O que emerge de tal análise? Trazemos aqui algumas deduções da autora:
Com base no que foi rapidamente mencionado aqui, parece-me possível afirmar que não nos é mais possível dar como certa a presença das mulheres (penso em particular nas mulheres jovens) dentro da vida eclesial e que não nos é mais possível pedir de tudo às mulheres (às mulheres que vivem a Igreja), sem pensar em renegociar as condições da sua presença: isto é, sem favorecer concretamente – Francisco docet – uma presença mais incisiva delas nos lugares onde se tomam as decisões importantes.
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Mais espaço na Igreja para a presença feminina. Artigo de Armando Matteo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU