01 Dezembro 2014
A última vez que um papa veio à Turquia foi após o discurso incendiário de 2006 dado pelo Papa Bento XVI e que enfureceu alguns muçulmanos por, aparentemente, relacionar Maomé à violência. Na ocasião, a fala era sobre o choque de culturas.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 28-11-2014 . A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Hoje, trata-se mais de um choque no estilo de vida que está em jogo na chegada do Papa Francisco à capital Ancara, onde ele se encontra com o presidente Recep Tayyip Erdogan em seu novo e brilhante palácio.
Francisco é conhecido por sua simplicidade pessoal, por, entre outras coisas, deixar de lado os apartamentos papais para viver numa modesta residência vaticana. Certamente, o mesmo não se pode dizer para o seu anfitrião, quem empregou mais de 600 milhões de dólares para construir o grande “Palácio Branco”, deliberadamente concebido para fazer ressurgir as memórias do passado imperial turco sob os otomanos.
Dependendo de como vemos, o palácio de 1 mil aposentos é ou um símbolo da prosperidade política e econômica da Turquia, ou um monumento do próprio ego de Erdogan.
O Papa Francisco é o primeiro líder estrangeiro a ser recebido no local, inaugurado como residência oficial do presidente turco em 20 de outubro, o Dia da República no país. A construção é considerada o maior palácio presidencial no mundo, sendo quase 30 vezes maior do que a Casa Branca e três vezes o tamanho do Palácio de Versailles, de Luís XIV.
Sem se preocupar com o preço, Erdogan também recentemente adquiriu um novo jato presidencial: um Airbus 330-200, a um custo de 185 milhões de dólares, tendo-o pintado de vermelho e branco, as cores da bandeira do país.
Não é apenas o choque de etiqueta que acirra esta controvérsia, mas também o fato de que o presidente construiu o complexo numa área de proteção ambiental, ignorando uma decisão da justiça que suspendia o projeto.
Erdogan vem perseguindo os que questionam a grandiosidade de suas recentes aquisições: “Se queremos chegar à frente dos nossos rivais no mundo moderno, precisamos fazer alguma coisa”, disse. “As pessoas lhe julgam pelas aparências”.
Recentemente, um porta-voz do Vaticano descartou as dúvidas sobre a disposição do papa em visitar o palácio.
“Quando o papa é convidado, ele vai onde quer que o presidente decide recebê-lo, tal como qualquer outra pessoa educada faria”, disse o Pe. Federico Lombardi.
Independentemente do que o Papa Francisco pense, não há nenhum indicativo de que ele queira constranger Erdogan. O pontífice irá se encontrar com as autoridades turcas hoje no palácio, e seu discurso deve se focar na liberdade religiosa e no diálogo entre os diferentes credos, e não numa crítica do entorno.
Francisco e Erdogan têm importantes assuntos a discutir, incluindo a ascensão do autodeclarado Estado Islâmico na fronteira sul do país, no Iraque, e as ondas de refugiados que chegaram à Turquia nos últimos meses vindos do próprio Iraque e da Síria.
Francisco irá querer também recorrer à ajuda do presidente turco para a proteção da pequena minoria cristã no país, cujos membros às vezes se sentem como cidadãos de segunda classe na sociedade, formada por 98% de muçulmanos.
Mesmo assim, independentemente de qual seja a agenda entre os dois líderes, vai ser difícil para muitos turcos não verem a simples presença de Francisco como uma espécie de repreensão ao presidente – ou, pelo menos, de suas escolhas luxuosas de vida.
Afinal de contas, na maior parte do mundo Francisco é, no mínimo, tão influente quanto o presidente turco. Ele não sente, no entanto, a necessidade de erguer uma obra de 600 milhões de dólares para provar tal influência.
No sábado, Francisco viaja de Ancara para Istambul, onde irá se reunir com o Patriarca Bartolomeu I, de Constantinopla, considerado o “primeiro entre iguais” dos líderes ortodoxos. Os dois farão uma oração conjunta.
No domingo, o Papa Francisco participa de uma liturgia ortodoxa no Fanar, sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, e, em seguida, assina uma declaração conjunta ao lado do Patriarca Bartolomeu. Na parte da manhã, o papa terá também um breve encontro com o Grão Rabi da Turquia.
Francisco retorna a Roma no domingo à noite. Como já virou costume, espera-se que ele conceda uma coletiva de imprensa a bordo do avião papal no caminho de volta.
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Choque nos estilos de vida, e não de culturas, durante o encontro do Papa com presidente da Turquia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU