18 Novembro 2014
Aumenta cada vez mais a distância entre o ensino tradicional da Igreja e a teologia atual. Um dos temas em que a distância se agiganta a cada dia é o pecado original, seja pela interpretação dos textos de referência, seja pela formulação da doutrina.
A opinião é do teólogo italiano Carlo Molari, sacerdote e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado na revista Rocca, n. 22, 15-11-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Eis o texto.
A nova evangelização está trilhando caminhos inéditos em um ritmo acelerado. Cresce, assim, a distância entre as diversas correntes teológicas e, especialmente, entre o ensino tradicional e a teologia atual. Um dos temas em que a distância se agiganta a cada dia é o pecado original, seja pela interpretação dos textos de referência, seja pela formulação da doutrina.
Temas bíblicos
Os textos de referência para a doutrina tradicional do pecado original são principalmente três: o terceiro capítulo do Gênesis, a primeira letra de Paulo aos Coríntios (15, 21-22, "já que a morte veio através de um homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos receberão a vida") e a sua carta aos Romanos (5, 12.15.19, "o pecado entrou no mundo através de um só homem e com o pecado veio a morte (…). Se todos morreram devido à falta de um só, muito mais abundantemente se derramou sobre todos a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo. (…) Assim como, pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, do mesmo modo, pela obediência de um só, todos se tornarão justos").
No que diz respeito ao ensinamento de Paulo, os exegetas ressaltam que o paralelo Adão-Cristo tende a apresentar a união a Cristo como razão da salvação; a referência a Adão como único progenitor é funcional à afirmação do único salvador. "O contraste de antitipo e tipo, Cristo e Adão, requer que a condição pecaminosa de todos os homens seja atribuível a Adão, assim como a sua condição de justiça deve ser atribuída somente a Cristo" (Fitzmyer, J. A. Paolo. Vita, viaggi, teologia, gdt 332. Brescia: Queriniana, 2009, p. 157).
Sobre o Gênesis, todos hoje concordam em considerar como mítico e simbólico o relato como busca de explicação do mal presente no mundo (relato etiológico = relativo à causa). Mas, apesar desse reconhecimento, muitos ainda se referem ao evento do pecado original como razão histórica da imperfeição humana e do mal no mundo.
Andrés Torres Queiruga, referindo-se ao Catecismo da Igreja Católica, observa: "Ao tratar as origens da raça humana (…) é reconhecida a natureza simbólica/alegórica dos relatos do Gênesis, mas, ao mesmo tempo, afirma-se que o relato de Gênesis 3, 'afirma um acontecimento primordial, um fato que teve lugar no princípio da história do homem' (Catecismo da Igreja Católica, n. 390, grifo no original). É como se mais de um século de debate em torno da natureza mitológica desses relatos nunca tivesse ocorrido" (Quale futuro per la fede. Le sfide del nuovo orizzonte culturale. Torino: Ldc, 2013 (original 2000), p. 43).
Coerentemente, ele conclui: "Uma vez reconhecido o caráter mítico-simbólico do relato do Gênesis, não faz sentido buscar uma ação histórica como causa da situação atual, atribuindo-lhe, por exemplo, o ingresso das doenças ou do mal no mundo" (ibid., p. 44).
O mesmo teólogo, em um artigo publicado na internet, especificou: "Com o simbolismo profundo da linguagem mítica, nos é expressa a intenção de Deus de buscar para nós nada mais do que a realização, o amor e a felicidade. É isso que quer significar o símbolo do 'paraíso': a meta a que estamos destinados. A essa meta se opõe o mal; por isso, a Bíblia o coloca 'fora de Deus'. A narração mítica, preocupada em nos chamar à bondade, se detém acima de tudo no pecado humano, que, como mostram os primeiros capítulos – do assassinato de Caim à corrupção universal –, produz tantos danos. Mas, tomar literalmente, convertendo em explicação física ou metafísica o que simplesmente quer ser uma exortação moral, leva ao absurdo. Comecemos pelo pecado original: mesmo depois de ter sido reconhecida como mítica, a narração concreta da árvore, do fruto e da serpente, no entanto, faz com que perdure a terrível ideia de que os assustadores males do mundo são um 'castigo divino' por causa da culpa histórica cometida pelos nossos antepassados. Com isso, no inconsciente coletivo, estão se imprimindo duas concepções monstruosas: a) que Deus é capaz de castigar de modo terrível; e b) que Ele faz isso a bilhões de descendentes que não têm a mínima culpa por esse suposto erro. Além disso, também se reforça a ideia – tão difundida e danosa – de que, em última análise, se há mal no mundo, é porque Deus quis e quer, já que o paraíso teria sido possível na terra. E, além disso, o castigo seria desproporcional. Desse modo, sobrevive a crença geral de que o sofrimento, a doença e a morte provêm de uma decisão divina, como forma de castigo" (Credere in modo diverso, ABCWIKI, 20-10-2010).
Reformular a doutrina
Ler as narrativas bíblicas como se fossem descrições de eventos históricos é enganoso. Elas transmitem mensagens sapienciais para nos explicar as condições imperfeitas da humanidade e para revelar que o projeto de Deus é levar o homem, apesar de nascer imperfeito, a se tornar a sua imagem.
A reforma da Igreja, junto com a contínua conversão das idolatrias ilusórias do poder e da riqueza, também implica a reformulação da sua doutrina. De fato, as fórmulas que nos foram transmitidas nascem de experiências de fé autênticas, mas vividas e interpretadas com modelos culturais radicalmente inadequados.
Quando as ciências fornecem novas aquisições e oferecem possíveis explicações sobre a condição humana, a teologia deve acolher as suas conclusões para eliminar as incongruências dos modelos culturais utilizados no passado.
Giuseppe Ruggieri, em um recente livro muito original e rico de estímulos, refletindo sobre o que ele chama de Conto judaico, resume assim a sua mensagem: "A primeira palavra que Deus disse ao homem foi uma bênção: 'E Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher. E Deus os abençoou e lhes disse (...)' (Gn 1, 27-28). Mas esse dado só assume todo o significado olhando para um aspecto avassalador para nós, a ponto de às vezes ser omitido pelos comentaristas. A bênção não está apenas no início da história humana, na sua fase inocente, mas também no fim daquilo que, em geral, é qualificado como 'relato do pecado das origens', mas que, mais exatamente, deveria ser qualificado como o 'relato da bênção do homem pecador'. De fato, tanto a rebelião de Adão e Eva ao mandamento de Deus, quanto o assassinato de Abel por obra do irmão não têm como resultado final a condenação, mas sim a bênção. Em ambos os casos, a punição é a palavra penúltima, não a palavra última. A partir desse ponto de vista, o relato de Gênesis 3 sobre a rebelião de Adão e Eva, e o relato de Gênesis 4 sobre o assassinato de Abel por obra de Caim devem ser lidos juntos" (Della fede. La certezza, il dubbio, la lotta. Roma: Carocci, pp. 28-29).
Depois de chamar a atenção para os desdobramentos posteriores do relato, o teólogo de Catânia conclui: "O relato contém, assim, um desafio adicional à liberdade do homem: o de acolher a própria condição essencial, assim como é, como episódio repleto de futuro. A maldição nunca é a última palavra da história humana. E, por outro lado, o futuro não é o resultado dos projetos titânicos do rebelde contra todo poder dos deuses e dos homens. O episódio humano no relato bíblico, ao invés, recebe o seu futuro a partir de uma promessa. Essa promessa obtém a sua força da fidelidade de Deus a si mesmo, do seu amor que dura para sempre" (ibid., p. 29).
Mas o ensinamento catequético (como o Catecismo da Igreja Católica) continua apresentando a humanidade primitiva dotada de dons superiores (a integridade, a impassibilidade e a imortalidade, segundo alguns também a ciência infundida), dons que teriam sido perdidos com o pecado.
Sobre as razões do mal no mundo e, em particular, da imperfeição humana, as teorias evolutivas oferecem indicações muito mais convincentes. O homem não é capaz de acolher os dons divinos em um só instante, requer muito tempo para interiorizar todas as informações necessárias para o desenvolvimento completo das suas estruturas. Por isso, ele nasce incompleto e imperfeito. A possibilidade de fazer o mal, que daí se segue, acompanha todo o seu processo histórico. Só no fim, quando Deus será "tudo em todos" (1Cor 15, 28), também o mal, a desordem e a morte serão derrotados.
Por outro lado, a imperfeição das criaturas se expressa em escolhas negativas que desgastam as relações, deturpam a vida e poluem também a sua transmissão às novas gerações.
Cada criatura nasce com as limitações, as fraquezas e as insuficiências causadas pelas violências, pelas idolatrias e pelos erros das gerações anteriores. A responsabilidade dos humanos é que muitos se tornem testemunhas eficazes do poder do Bem e da fecundidade do Amor, para que a Vida prevaleça sobre a morte.
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Dizer o pecado original hoje. Artigo de Carlo Molari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU