Por: André | 13 Novembro 2014
É o caso de Mianmar, onde em nome do budismo se persegue aqueles que pertencem a outros credos. Ou do Sri Lanka, que será o destino de próxima viagem do Papa. Documenta-o o Relatório 2014 da Ajuda à Igreja que Sofre, sobre as violações à liberdade religiosa.
Fonte: http://bit.ly/1BbevWP |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa, 06-11-2014. A tradução é de André Langer.
Nabucodonosor sempre está entre nós. E quem não adora o seu ídolo é lançado às chamas, como no capítulo terceiro do profeta Daniel.
No mesmo dia em que foi publicado o relatório 2014 sobre a liberdade religiosa no mundo, a cargo da fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre, no Paquistão uma multidão de 400 muçulmanos enfurecidos agrediu e jogou num forno em chamas um casal de jovens cristãos, Shahzad Masih, de 28 anos de idade, e sua esposa Shama, de 25 anos, com quatro filhos e à espera de outro menino.
Dos 20 países classificados no relatório com o grau mais elevado de violação da liberdade religiosa, 15 têm um regime de governo muçulmano, mais a Nigéria, que está religiosamente dividida entre cristãos e muçulmanos, embora nela domine o Boko Haram, uma das expressões mais sanguinárias do Islã radical. Sem contar esse dito novo Estado Islâmico que se assentou entre a Síria e o Iraque, semeando a morte em nome de Alá.
Mas o Islã não é a única religião que alimenta ações de repressão e perseguição sistemática contra os outros credos.
Entre os 20 países com a mais alta taxa de intolerância está, por exemplo, um cuja religião dominante é o budismo: Mianmar.
E o budismo é dominante também em um país com um nível de intolerância um pouco inferior: Sri Lanka.
No Ocidente, o budismo é sinônimo de paz, compaixão, sabedoria e fraternidade ecumênica, como acontece com sua figura mais universalmente conhecida, o Dalai Lama.
Mas a realidade é muito diferente. A liberdade religiosa é duramente reprimida não apenas em Mianmar e Sri Lanka, mas – embora em grau menor – também em outros países onde o budismo é dominante, como Laos, Camboja, Butão e Mongólia.
O Sri Lanka será uma das etapas da viagem que o Papa Francisco agendou para o próximo mês de janeiro.
Ali os budistas são 70% da população, os hindus são 12,6%, os muçulmanos 9,7% e os cristãos 7,4%, a maior parte católica.
Durante 25 anos, até 2009, uma guerra civil ensanguentou o país, com o governo central empenhado em domar a rebelião dos tâmiles, no norte da ilha.
Os tâmiles são predominantemente hindus, mas a guerra era mais política que religiosa. Mas depois do cessar-fogo foram crescendo entre os budistas as tendências mais intolerantes qu em nome da identificação entre o budismo e a nação, agridem e perseguem como inimigos aqueles que pertencem a outros credos.
O relatório da Ajuda à Igreja que Sofre proporciona uma prestação de contas muito detalhada das violências perpetradas entre 2013 e 2014 contra muçulmanos e cristãos por parte das organizações budistas mais fanáticas, com o apoio de fato do governo federal.
E faz outro tanto no capítulo sobre o Sri Lanka o volumoso “Livro negro das condições dos cristãos no mundo”, publicado nestes mesmos dias na Itália e na França, a cargo de Jean-Michel di Falco, Timothy Radcliffe e Andrea Riccardi.
Mas o caso do Mianmar é ainda mais grave, e de longe. Ali o tímido florescimento da democracia que viu a entrada no parlamento, em 2012, de Aung San Suu Kyi, a indômita paladina da liberdade, não coincidiu em absoluto com uma diminuição da intolerância religiosa, que inclusive – escreve o relatório da Ajuda à Igreja que Sofre – “aumentou em proporção dramática com a ascensão do nacionalismo militar budista”.
Também aqui, assim como no Sri Lanka, conflitos remotos de caráter étnico se transformaram durante os últimos anos em agressões e perseguições de natureza religiosa por obra de organizações budistas fundadas e capitaneadas por monges, além das forças armadas governamentais.
A perseguição tem a mira particularmente nos muçulmanos da etnia Rohingya e nos cristãos das etnias Kachin e Chin, no norte do país, e das etnias Karen e Karenni no leste. São inumeráveis as mesquitas e igrejas destruídas, as aldeias submetidas a ferro e fogo (foto) e as centenas de milhares de pessoas obrigadas a fugirem.
Ouve-se falar de torturas e de conversões forçadas ao budismo, inclusive de pessoas de tenra idade, com escolas instituídas para transformar os alunos de outros credos em pequenos monges com a cabeça raspada e a túnica laranja. A importação de bíblias e livros religiosos é ilegal. Aos não budistas está impedida qualquer carreira nas administrações do Estado.
Em Mianmar, os budistas são 80% da população, os cristãos são 7,8%, os muçulmanos são 4%. A estes últimos, da etnia Rohingya, as autoridades do Estado de Rajine, no Mianmar ocidental, impuseram a ordem de não terem mais de dois filhos por casal.
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Entre os 20 países classificados no relatório 2014 da Ajuda à Igreja que Sofre com o grau mais elevado de violação à liberdade religiosa há 12 que registraram, durante o último ano, um “agravamento”: Iraque, Líbia, Nigéria, Paquistão, Síria, Sudão, Azerbaijão, China, Egito, República Centro-Africana, Uzbequistão e Mianmar.
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O relatório nega que a repressão da liberdade religiosa tenha, em vários casos, motivações principalmente políticas, étnicas ou culturais. Mas sem jamais ocultar os casos nos quais isto acontece em nome de um credo particular contra os outros.
Este é, sem dúvida, o caso do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
A natureza religiosa, antes que política, da atroz guerra lançada contra os “infiéis” pelo dito novo califado islâmico foi confirmada também pela acreditada revista La Civiltà Cattolica, impressa com o controle prévio e a autorização da Santa Sé, em um editorial de 06 de setembro de 2014:
“É crucial estudar e compreender porque e como combate o Estado Islâmico. A guerra que trava é uma guerra de religião e de aniquilamento. Instrumentaliza o poder da religião e não vice-versa”.
E também: “A guerra de características religiosas [do Estado Islâmico] é levada ao extremo também contra os muçulmanos sunitas que não são ‘verdadeiramente’ salafitas, inclusive a Fraternidade Muçulmana, o Hamas, os wahabitas sauditas e os jihadistas da Al-Qaeda. Todos eles são apóstatas, segundo o Estado Islâmico, porque não procuram criar um califado mundial, mas o máximo de Estados nacionais governados pela sharia”.
Incrivelmente, o diretor da La Civiltà Cattolica, o jesuíta Antonio Spadaro, negou depois que a revista tenha identificado alguma vez a guerra desencadeada pelo califado como uma “guerra de religião”:
"The article says that IS thinks it's in a 'war of religion,' but WE must be on guard against thinking that way".
Mas o que está escrito permanece, apesar deste inconsistente desmentido, como se pode ver no texto completo do editorial, no sítio da revista La Civiltà Cattolica (em italiano).
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Ali onde também Buda empunha a espada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU