26 Agosto 2014
O Papa Francisco terminou a sua viagem à Coreia do Sul com a mesma mensagem que trouxe logo que pisou fora do avião da Alitalia, no dia 14 de agosto: um pedido de reconciliação da península coreana.
A reportagem é de Thomas C. Fox, publicada pela National Catholic Reporter, 23-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Entre este desejo e a sua última oração pública no dia 18, Francisco trabalhou o tema da reconciliação, relacionando-o com pedidos de perdão e inclusão, especialmente tendo em mente os pobres e marginalizados da sociedade.
O seu itinerário foi cansativo, porém pareceu que ele deu conta. Alguns ficaram desapontados, pois esperavam que a visita incluiria idas a lugares que pudessem ressaltar alguns destes marginalizados do qual o papa fala. Nas cerimônias formais, não houve nenhuma diferença em relação ao que tradicionalmente se faz. Como sempre, os prelados homens ficaram nas fileiras da frente.
Embora o itinerário destacasse a Jornada da Juventude Asiática, em Daejeon, Coreia do Sul, o ponto mais alto da viagem foi a beatificação de 124 mártires coreanos no dia 16 de agosto. Estima-se que um milhão de pessoas espalharam-se ao longo do trajeto que vai da prefeitura de Seul à praça diante do Palácio Geongbok, pano de fundo de um altar temporário usado para a missa. Geongbok é um palácio real datado dos séculos XVIII e XIX, era destes 124 mártires.
A missa pontifícia foi uma ocasião solene, alegre e ordenada. Quando Francisco proclamou formalmente a beatificação dos mártires, as multidões romperam em aplauso e alegria enquanto que uma música soava nos autofalantes, ecoando-se pelas ruas da cidade.
Alguns dos momentos mais memoráveis da viagem, que incluiu encontros com líderes do clero, religiosos e leigos, vieram nos momentos de introspecção, como quando Francisco colocou a mão sobre a cabeça de uma criança deficiente. Ou quando colocou um dedo nos lábios de um bebê ainda sem dentes. A humanidade do Papa Francisco brilhou em toda a Coreia, e fotos de sua simplicidade e cuidado apareceram na mídia coreana com a força de um tufão local.
Francisco mostrou ao povo coreano o que é um “grande modelo de liderança”, disse à Rádio Vaticano Dom Peter Kang U-il, presidente da conferência dos bispos coreanos, no dia 18. “Destaco a sua abordagem para com todos os tipos de pessoas, especialmente as enfermas, deficientes e privadas de muitos dos direitos humanos (...). Isso mostrou a validade autêntica da liderança que o povo coreano está realmente aspirando ter”, disse Kang.
Fotos do papa apareciam nas páginas de capa dos jornas coreanos quase todos os dias durante a visita. Seu rosto sorridente brilhou entre as luzes dos de enormes prédios do centro de Seul.
Tudo parecia tão alegre, disse um padre coreano ao National Catholic Reporter. Exceto alguns protestos realizados por alguns fundamentalistas que se opõem ao catolicismo e ao apoio do governo para com a visita papal, esta foi uma experiência agregadora.
A sociedade sul-coreana viu uma ruptura nos últimos anos, quando foi arrancada das amarras antigas por uma rápida mudança econômica. Ficou marcada pelo afundamento em Sewol de uma balsa de fabricação japonesa e de propriedade coreana, que naufragou na costa do país no dia 16 de abril, tirando a vida de aproximadamente 300 jovens, sendo a maioria adolescentes que participavam de uma viagem de campo organizada pela escola em que estudavam. O fato de o Papa Francisco vir para cá e passar um tempo com os jovens asiáticos, muitos dos quais com a mesma idade destes que morreram, tornou esta viagem ainda mais pungente.
Um dos momentos mais emocionantes ocorreu quando Francisco saiu do papamóvel enquanto se aproximava de um altar público montado para a cerimônia de beatificação e quando reservou um minuto para estar com o pai de uma das vítimas do acidente envolvendo a balsa. Kim Young estava no 34º dia de uma greve de fome quando Francisco o encontrou. Kim disse a amigos a parentes das vítimas que deseja incluir o papa numa campana que as famílias organizaram, campanha que exige uma investigação e um processo independente dos culpados. Ele vinha fazendo o protesto numa tenda erguida na praça onde a beatificação aconteceu.
O seu bem-estar se tornou uma preocupação nacional. Kim e Francisco apertaram-se as mãos através de uma barreira de segurança e trocaram palavras. Kim se curvou duas vezes e presenteou o pontífice com uma carta pessoal em que pedia apoio. Milhões em todo o país assistiram a este momento já que a cerimônia estava sendo transmitida ao vivo.
Cadeiras menores
Antes da chegada do Papa Francisco, os coreanos – incluindo católicos mas também não católicos – tinham pouca ideia do que poderiam esperar. Mas não demorou muito para esta situação mudar. Assim que chegou no aeroporto em 14 de abril, sentou-se no banco traseiro de um KIA quatro portas numa caravana de sedans pretos em direção à cidade.
A economia sul-coreana teve ganhos enormes nas últimas décadas. No entanto, com estes ganhos vieram juntos um deslocamento das pessoas e ocorreu um abismo entre pobres e ricos. A nova riqueza material gerou a mentalidade consumista que iguala os bens visíveis com o sucesso.
A simplicidade e a mentalidade do Papa Francisco em relação a um consumo mais consciente traz uma mensagem alternativa. Juntamente com uma mentalidade incomum aos chefes de Estado asiáticos, Francisco rapidamente atraiu a atenção dos coreanos. Apesar das formalidades do escritório papal, Francisco teve oportunidades de improvisar em muitos momentos e com seus atos espontâneos.
Recusou-se a se sentar em cadeiras que considerou muito grandes e formais. Na localidade de Kkottongnae, onde emocionou várias dezenas de crianças com deficiência durante uma visita no dia 16, recusou-se a se sentar, dizendo que preferia ficar de pé. Um grupo de representantes religiosos que o esperavam em sua próxima parada, assistindo-o numa tela gigante, rapidamente se colocaram a encontrar uma cadeira menor.
Uma das irmãs no auditório falou ao National Catholic Reporter: “O papa está nos dizendo para vivermos de forma mais simples. Precisamos dar a uma resposta a isso – e daremos”.
Novamente, Francisco foi um homem de surpresas.
• No dia 15 de agosto, evitou usar o helicóptero presidencial e, em vez disso, pegou um trem de alta velocidade (trem bala) para Daejeon no intuito de se encontrar com os jovens do continente. Os passageiros romperam em aplausos quando se anunciou ele estava a bordo. O anúncio só foi feito após o pontífice ter saído do transportador. “Eu finalmente consegui andar de trem bala na Coreia!”, disse o pontífice segundo um porta-voz do Vaticano.
• Em Daejeon, vestiu uma fita amarela no peito durante a sua primeira missa pública no país. A fita é um símbolo do desastre ocorrido em abril envolvendo uma balsa.
• Falou inglês, idioma que ainda está aprendendo, deixando claro os seus esforços. “Um querido amigo meu me disse que jamais devemos falar aos jovens através de texto escrito”, disse o papa em inglês com sotaque espanhol enquanto segurava anotações preparadas para os participantes da Jornada da Juventude Asiática. “Devemos falar, nos reportar aos jovens de forma espontânea, de coração”. E acrescentou: “Mas tenho muita dificuldade. Tenho um inglês muito ruim”. O público gritou “Nããããooo!” em resposta.
• Ele repetidas vezes se reportou à dor coreana que advém do fato de viverem em países divididos. “Senhor, somos uma única família. Ajude-nos a encontrar a unidade. O senhor pode fazer isso, de forma que não haja vencedores e vencidos. Apenas uma única família”, disse. “Vocês são irmãos que falam uma mesma língua (...) Pensem em seus irmãos do Norte. Eles falam o mesmo idioma e quando numa família se fala o mesmo idioma, há uma esperança humana”, falou a certa altura.
• O papa saiu na noite do dia 15 de agosto para visitar seus companheiros jesuítas na Universidade de Sogang, administrada pela Companhia de Jesus em Seul. O papa passou uma hora junto deles. Disse-lhes para “serem jesuítas que dão consolo às pessoas (...) E, por favor, rezem por mim às vezes”.
Chamado à conversão
Se a reconciliação foi o principal tema do papa em sua visita à Ásia, a preocupação para com os pobres e necessitados não ficou muito longe. Com frequência ele misturou os dois temas, aparentemente dizendo que ambos estão interconectados.
Em sua homilia feita no último dia de visita, como parte de uma longa missa pela paz e reconciliação, Francisco explicou estas relações.
Falando na Catedral de Myongdong, em Seul, no tipo de uma colina isolada pela polícia que ficava do lado de fora porém sem carregar armas, Francisco teve a última oportunidade para falar aos dignatários coreanos, incluindo a presidente sul-coreano Park Geun-hye.
“A missa de hoje é, antes de tudo, uma oração pela reconciliação da família coreana”, disse Francisco. “Os dons de Deus da reconciliação, unidade e paz estão ligados de forma que não se consegue separar com a graça da conversão, uma mudança do coração, que pode alterar o curso de nossas vidas e nossa história, como indivíduo e como povo”.
E continuou: “Mas a convocação urgente de Deus à conversão também desafia os seguidores de Cristo na Coreia a examinarem a qualidade de sua própria contribuição na construção de uma sociedade verdadeiramente justa e humana. Ela desafia a refletir sobre até que ponto vocês, como indivíduos e comunidades, mostram uma preocupação evangélica para com os menos afortunados, os marginalizados, aqueles sem trabalho e que não partilham da prosperidade”.
Durante a missa de reconciliação, nos bancos da frente estavam várias idosas conhecidas como “mulheres de conforto”, as quais foram forçadas entrar para o mundo da escravidão sexual em benefício do exército japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Estas senhoras vêm lutando, há décadas, por um pedido de desculpas por parte do governo japonês. Francisco parou para cumprimentá-las quando entrou no local.
Um convite foi enviado à Coreia do Norte, onde estima-se que 5 mil ou mais católicos vivem, pedindo à Associação Católica Coreana que enviasse uma delegação para a visita papal. A associação declinou o convite, em objeção não ao papa mas a um exercício militar sul-coreano e americano antes anunciado e que havia começado exatamente no dia da missa de reconciliação. O exercício estava programado para levar 11 dias. Segundo informações, estes exercícios incluem uma resposta ao cenário de um ataque nuclear norte-coreano à Coreia do Sul.
A irmã beneditina Stella Soh Hee-suk, que estudou nos EUA, disse que muitos dos sul-coreanos consideram a divisão entre os dois países de forma diferente de muitos americanos. Os coreanos, disse ela, colocam a maior parte da culpa nos EUA. Ao dizer que os interesses econômicos poderosos vão contra a reconciliação, explicou que os governos dos dois países – o americano e o sul-coreano – se beneficiam com a não reconciliação, enquanto mantêm “uma mentalidade de segurança nacional”.
Soh foi detida no último mês de novembro ao protestar em frente a uma base naval coreana que está sendo construída numa ilha na costa sul-coreana. Navios de guerra americanos irão ancorar na base.
Além das Coreias
A visão do Papa Francisco sobre uma reconciliação internacional vai além das Coreias. Ele deixou isso claro várias vezes durante a visita. No último dia, incentivou um grupo de bispos católicos e jovens a evangelizarem o continente “através do diálogo e abertura, mesmo com os intolerantes da própria Igreja”.
“Espero sinceramente que aqueles países deste continente com os quais a Santa Sé não desfruta ainda de uma relação plena possam não hesitar em avançar no diálogo para o bem de todos”, disse o papa.
Esta sua declaração pareceu ser mais uma abertura à China, que não mantém relações formais com o Vaticano desde 1949. Este foi o último de vários gestos a Pequim desde o início de sua viagem. Ao voar de Roma a Seul, o avião papal atravessou o espaço aéreo chinês. Do avião, Francisco enviou um telegrama com orações e cumprimentos a Xì Jínpíng presidente da China.
Dois dias depois, numa sessão de perguntas e respostas com os jovens, Francisco não respondeu a um homem de Hong Kong que perguntou sobre como ajudar os católicos na China, onde, segundo disse, o “controle e a opressão” estavam aumentando.
Durante um encontro com os bispos coreanos no primeiro dia de visita, Francisco de forma gentil, porém incisiva, falou-lhes para se engajarem mais ainda na ajuda aos pobres. O papa visivelmente alegre ficou sério ao dizer que a solidariedade com os pobres é um dever. Esta solidariedade, disse ele, “deve penetrar os corações e mentes dos fiéis e se refletir em cada aspecto da vida eclesial”.
“O ideal apostólico de uma ‘Igreja dos pobres e para os pobres’ encontrou expressão eloquente nas primeiras comunidades cristãs neste país”, lembrou Francisco falando aos bispos. “Rezo para que este ideal continue a moldar o caminho dos peregrinos da Igreja na Coreia enquanto ela olha para o futuro”.
A reconciliação exige a transformação do coração, uma atitude e um estilo de vida, falou o Papa Francisco a cada coreano com quem se encontrava, explicando que tal transformação exige oração, trabalho árduo e a graça de Deus.
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Foco do Papa Francisco na viagem à Coreia do Sul: um pedido de reconciliação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU