07 Agosto 2014
A Evangelii nuntiandi, de Paulo VI, mostrou à Igreja latino-americana o caminho de uma evangelização a serviço dos pobres e alternativa ao uso da violência para o seu resgate. É o caminho proposto novamente hoje pelo Papa Francisco.
A análise é do historiador italiano Agostino Giovagnoli, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma instituição. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 06-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Paulo VI – falecido no dia 6 de agosto de 1978 – é, entre os seus antecessores, aquele ao qual o Papa Francisco se refere com mais convicção. A sua iminente beatificação se reveste, portanto, de um significado particular na política vaticana das canonizações.
Depois do evento dos quatro papas – João XXIII e João Paulo II proclamados santos por Francisco e Bento XVI – caberá a ele se tornar bem-aventurado em outubro próximo (e, provavelmente, santo em 2015). Não se trata de uma escolha óbvia.
Em vida, Giovanni Battista Montini foi pouco compreendido e gozou de pouca popularidade, teve muitos adversários e, tendo-se tornado papa, foi abandonado até mesmo por aqueles que anteriormente o apoiavam.
Grande intelectual e fino diplomata, foi pouco compreendido pelas multidões, enquanto, dentro do palácio, ficou muitas vezes sozinho em batalhas muito duras. No entanto, ele continua sendo ainda hoje uma referência obrigatória ao menos por duas questões cruciais na Igreja Católica do século XXI: a reforma da Cúria Romana e o diálogo com as culturas contemporâneas.
Homem de fé profunda, absorvida no ambiente familiar e no contexto da Bréscia, e com um forte apego à tradição – como mostra o caso da Humanae vitae, que veta a contracepção "artificial" –, mais do que outros papas, ele soube fazer rupturas dilacerantes.
A maior certamente foi a reforma litúrgica: mudou de repente, depois de 500 anos, o modo de rezar de todos os fiéis católicos do mundo. Teólogos famosos como Joseph Ratzinger o criticaram por isso, e ainda hoje a sua decisão não é aceita por todos, como mostra o cisma dos lefebvrianos.
Mas Montini tinha entendido que, se ninguém entende mais a linguagem da oração, as igrejas estão destinadas a se esvaziar. É uma convicção compartilhada pelo Papa Francisco. A preocupação de Montini com os "distantes" – isto é, aqueles que estão cada vez mais distantes da Igreja, da tradição, do cristianismo... – o levou, de fato, a combater aquela Igreja autorreferencial e "doente" de fechamento em si mesma que Jorge Bergoglio criticou muitas vezes.
A questão da liturgia levou-o ao confronto, ainda em 1933, com os jesuítas da época, muito diferentes dos de hoje. O que estava em jogo era impedir que os jovens fossem atraídos pelo fascismo, e Montini foi forçado a deixar a liderança da FUCI, a associação dos universitários católicos.
O cardeal Pacelli, então secretário de Estado e seu superior, olhou com espanto e distanciamento para esse jovem eclesiástico tão brilhante que colocava em risco a sua carreira por um punhado de rapazes. Então, começou aquela incompreensão entre os dois que, depois, levou ao afastamento de Montini de Roma e à sua promoção cardinalícia fracassada por obra do próprio cardeal Pacelli, que se tornou o Papa Pio XII.
O então arcebispo de Milão suportou com paciência, mas, tendo-se tornado papa por sua vez, libertou a Cúria vaticana do "partido romano" e começou uma decidida internacionalização dela.
Paulo VI ainda é discutido pela sua atitude com relação à política italiana e ao Vaticano II. Defendendo vigorosamente o nascimento da Democracia Cristã, ele contribuiu para libertar o catolicismo italiano da subordinação à direita social, cultural e política, mas depois fez inimigos de sinal oposto, criticando a centro-esquerda que, no entanto, não impediu.
Embora não tendo querido o Concílio – "teria sido melhor fazer um congresso junto à Fundação Cini", disse ele quando Roncalli o convocou –, tornou-se depois o seu grande arquiteto. A sua extraordinária capacidade de abraçar a complexidade levou-o muitas vezes a comportamentos em conflito com as suas ideias e as suas avaliações, embora não com a sua fé.
Profundamente convencido da importância de uma Europa não mais dividida pela Guerra Fria – o seu apoio à Ostpolitik de Casaroli emerge da bela biografia deste último, escrita recentemente por Roberto Morozzo della Rocca –, no entanto, ele soube intuir a urgência da abertura ao mundo extraeuropeu.
Em 1974, dirigindo-se a um episcopado católico esgotado pelo conflito entre progressistas e conservadores, com a Evangelii nuntiandi, indicou, para além das ideologias já em declínio, o diálogo entre as culturas como problema crucial do mundo contemporâneo.
Enraíza-se aí um motivo também pessoal de reconhecimento em relação a Paulo VI por parte de Jorge Bergoglio: justamente a Evangelii nuntiandi, de fato, mostrou à Igreja latino-americana o caminho de uma evangelização a serviço dos pobres e alternativa ao uso da violência para o seu resgate. É o caminho proposto novamente hoje pelo Papa Francisco.
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O vínculo que liga Bergoglio e Paulo VI. Artigo de Agostino Giovagnoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU