Por: Jonas | 28 Julho 2014
“A centralidade da intervenção biopolítica do capitalismo agora é compartilhada pelo Estado e as corporações multinacionais, que interpelam os corpos e as subjetividades com a linguagem de mercado, elaborando uma subjetividade de indivíduos adaptados aos ‘circuitos integrados do capitalismo global’”, escreve José Luis Bedón, em artigo publicado por Rebelión, 23-07-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
“Toda a sua vida foi assim. Uma sensação de que algo não funciona no mundo. Você não sabe o que é, mas está aí, como uma farpa cravada em sua mente e está enlouquecendo-o. [...] Matrix nos rodeia, está por todas as partes, inclusive nesta casa [...] É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para lhe ocultar a verdade. NEO: ‘Que verdade?’ MORFEU: ‘Que você era um escravo, assim como os demais, nasceu em um cativeiro... em uma prisão que não pode sentir, saborear, nem tocar. A prisão de sua mente’”. (Fragmento do diálogo entre Morfeu e Neo, “Matrix”: filme dos irmãos Wachowski, 1999).
Aproximação à Matriz Cognitiva do Capitalismo
Com eufemismo, alguns setores tecnocráticos e acadêmicos denominam a sociedade atual como a “Sociedade do Conhecimento” ou a “Economia do Conhecimento” (1). Em nosso meio adota-se o nome de “Economia Social do Conhecimento” (2), e mais especificamente “Bio Economia Social do Conhecimento” (3). Estes últimos implicariam em uma ruptura com o novo modelo de acumulação emergente: o “Capitalismo Cognitivo” (4). Ainda está para se observar se não são formas e matizes do mesmo Modo de Produção ou sua possibilidade de subversão. É isto o que tenta abordar o presente artigo.
A reestruturação do Capitalismo Industrial Fordista (5) e sua conversão ao Capitalismo do Conhecimento se dão historicamente como consequência da dinâmica incorporação das tecnologias de informação e comunicação, do desenvolvimento das novas tecnologias digitais-móveis e a emergência da Web 2.0, que favorecem a conectividade, o hipertexto e a interatividade. Irrompem com novas formas de acesso, apropriação e uso da informação e do conhecimento, introduzindo profundas mutações sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais; configurando o que genericamente denominamos a “Cibercultura” (6).
Para tentar uma aproximação com esta dinâmica complexidade é necessário partir de algumas reflexões históricas e materiais sobre a Internet, o principal meio de acesso ao conhecimento (livros, laboratórios, experimentos, observações sistemáticas). A facilidade com que milhões de pessoas no mundo podem aceder, a qualquer momento e de qualquer lugar, ao conhecimento e ao saber, seja para o trabalho ou para o ócio, tem uma materialidade muito concreta, que nasceu em 1960 com a DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), do Serviço de Investigação Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que queriam criar um sistema de comunicação que resistisse até mesmo aos ataques nucleares. A DARPA conduziu à criação de uma rede descentralizada que se chamou ARPANET, depois incluiu as universidades para participar no desenvolvimento da rede informática. Em 1983, os militares norte-americanos criam sua própria rede: MILNET. Em 1998, cria-se a Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), que é a que assume até nossos dias as mais importantes decisões na administração da Internet no mundo e que depende do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, que nomeia todos os seus membros.
Os treze grandes servidores da Internet que dão vida e suporte material para esta tecnologia estão repartidos em mais de 170 países do mundo e são de propriedade dos Estados Unidos. Ainda que se tente uma regulação por meio das universidades, governos e empresas, a última palavra quem tem é a ICANN. Com isso, os Estados Unidos são a única nação com poder para eliminar um país inteiro da Internet.
Sobre esta gigantesca infraestrutura proprietária, instalou-se o Capitalismo Cognitivo como a nova forma de exploração (subsunção do trabalho intelectual) (7) do conhecimento (do intelecto geral) (8) circulante na Internet. O conhecimento se tornou o insumo fundamental e dinamizador do novo paradigma de acumulação e reprodução do capital. A nova forma de apropriação e espoliação tenta a subsunção total da vida, transformando a atividade relacional e as atividades sociais digitais em relações econômicas e produtivas. A valorização do conhecimento se produz mediante sua transformação complexa e não sequencial em “valor de troca” (9). Este processo envolve a “subordinação da tecnologia, da cultura, da subjetividade, da política e das relações sociais, em seu conjunto, ao ciclo do capital”.
O filósofo Paolo Virno vai mais além ao afirmar que o intelecto geral não apenas é a principal força produtiva do capitalismo pós-fordista, mas, sim, constitui-se a base material para estabelecer o Estado capitalista como “sinistro monopólio da decisão política” (Virno, 2003).
O conhecimento criado e materializado pela cultura humana é um “pró-comum” (10). A biotecnologia, a nanotecnologia, os bens culturais ou intelectuais são bens comuns na era digital. A água, o oxigênio, a luz solar, a biosfera são bens comuns naturais. Não tem dono particular e pertencem em comum a todos os seres humanos. Porém, os donos da tecnologia e das corporações capitalistas têm dispositivos legais e coercitivos, como a Organização Mundial de Comércio (OMC), para através da via dos Tratados de Livre Comércio ou pela nova divisão do trabalho cognitivo global impor seus códigos de propriedade intelectual, a reforçada legislação do “Copyright” (11), a privatização da Internet e a mercantilização da biodiversidade, a bioprospecção e a “caçada de genes”, patentes e marcas sobre o software e sobre a vida. As resistências globais a estas novas formas de violência social-digital defendem uma Internet de livre acesso, o “software livre”, promovem a propriedade comum sobre os bens do conhecimento, o “Copyleft” (12) e as licenças “Creative Commons” (13).
O Capitalismo do Conhecimento envolve tudo o que é “pago”. As grandes empresas globais obtêm o máximo benefício do valor simbólico, estético e social que extraem dos processos de informação e conhecimento na rede. Visualizemos as empresas da “Nova Economia” (14), as que eram conhecidas como as “empresas ponto.com” (15), algumas das quais retornaram maduras e experimentadas da bolha financeira do Nasdaq de 1997-2001. Entre outras, as corporações mais reconhecidas como Microsoft e Apple-Macintosh subsomem trabalho intelectual para criar e vender para todo o mundo seus sistemas operativos e programas digitais, atuam no espaço do software pago; Intel, Samsung, Sony subsomem o trabalho intelectual para fabricar equipamentos tecnológicos, sobre os quais, especialmente, programam sua caducidade com o propósito de estimular a venda permanente de equipamentos e toda classe de gadgets tecnológicos, operam no campo do hardware; Google (66,7% do mercado), Microsoft (18,1%) e Yahoo (11,2%) subsomem o trabalho intelectual e ganham muitíssimos dólares oferecendo seus famosos buscadores de internet; Facebook, Twitter ou Linkedin subsomem o trabalho intelectual enlaçando a atividade relacional de milhões de usuários, seu espaço de apropriação é a atividade de cérebro (Wetward), o negócio destas empresas é a captação de dados para a segmentação de públicos que, em seguida, são utilizados em bases de dados para o marketing ou a vigilância global ciberpanóptica (16). Assim, o novo paradigma econômico “tem como objeto de intercâmbio, acumulação e valorização das faculdades vitais dos seres humanos, em primeiro lugar da linguagem e da capacidade de gerar conhecimento”.
A eficácia das novas ferramentas tecnológicas desencadeou uma mudança no sentido próprio da cultura e das relações humanas. De uma memória cultural de arquivo, armazenadora, mnemotécnica, passamos para uma memória cultural de processos, expansiva, uma Cultura RAM em contraste com uma Cultura ROM, como metaforiza José Luis Brea com o jargão informático. Uma cultura de interconexão ativa e produtiva de dados, máquinas, cérebros, distribuídos e conectados em rede como uma constelação fábrica (Brea, 2007), produzindo, criando riqueza por fora de temporalidades e espacialidades, nutrindo a acumulação das novas indústrias do pró-comum.
O Capitalismo do conhecimento, operando como uma “Matriz” cognitiva, reticular, supratemporal, onipresente, relacional, alienante, corrosiva... Um sistema fechado, no qual presos, somos sem saber, sua frente de energia. Metaforicamente, como no célebre filme dos irmãos Wachowski, estamos subsumidos em um sistema operativo, a um programa de programas, neste caso, ainda que soe paradoxal, a um projeto de realidade não virtual, em que as opções encapsuladas das pastilhas de Morfeu mostram dois caminhos: a patilha azul: “fim da história” e o esquecimento de tudo, o desfrutar do autoengano; a pastilha vermelha: para “descobrir até onde chega a toca do coelho”, despertar, assumir a realidade e as consequências existenciais da resistência à hegemonia das máquinas e sua Matriz, a Matriz do novo capitalismo.
O capitalismo como sistema de pensamento dominante, influenciando na subjetividade, ou seja: no modo de pensar, sentir, atuar no mundo social, operando como processo psíquico, atravessado por códigos e leis de uma cultura mercantil. A Matriz cognitiva capitalista construindo e modelando a subjetividade em relação aos novos contextos sócio-técnicos e as “modalidades de atenção” (17), que permitem à psicopedagoga argentina Alicia Fernández concluir que “os tempos telemáticos atuais, os mundos virtuais, a internet com a sua globalização, a informática em geral, os videojogos e a televisão formam novas estruturas (“teletecnomediáticas”) que modificam nossos modos de representação” (Fernández, 2011).
O capitalismo como modo de subjetivação promove, segundo José Enrique Ema López, “um determinado vínculo social, exatamente aquele que supõe o não estabelecimento de vínculos, a busca do individual, do próprio prazer, na realidade, portanto, a desvinculação social”, uma subjetivação “afim ou funcional à modalidade capitalista imperante” (Ema López, 2009). O capitalismo, como sustenta Paula Sibilia, retomando Foucault, atuando como biopolítica, biopoder (18), um tipo de poder que aponta à vida, produz, faz crescer, ordena, formata corpos e almas para que se acomodem ao que o capitalismo requer (Sibilia, 2005).
A centralidade da intervenção biopolítica do capitalismo agora é compartilhado pelo Estado e as corporações multinacionais, que interpelam os corpos e as subjetividades com a linguagem de mercado, elaborando uma subjetividade de indivíduos adaptados aos “circuitos integrados do capitalismo global”. Um controle biopolítico de corpos conectados, ávidos, ansiosos, úteis... como os que vemos no filme Matrix, naquelas sombrias paragens distópicas (19), dominados pelas máquinas, nas quais, apesar de sua vigilância, controle e disciplina, é possível o desenvolvimento de novas formas de resistência através de novas formas de subjetivação e de sujeitos despertos, que disponham de novas formas de ver, entender e transformar o mundo.
Com as distâncias que cabem, Matrix é, para além da coerência ou não de suas argumentações e de suas sequelas, um filme futurista que trata o tema da desintegração social e as questões sobre o propósito e a legitimidade da tecnologia e o poder. É uma metáfora poderosa do novo estatuto do saber e do conhecimento em nossos dias, em que, como humanidade, somamo-nos ao limiar de novas formas de submissão ou outras maneiras de emancipação. Com Baudrillard ou Zizek, poderíamos dizer... Bem-vindos ao Deserto do Real!...
Marcas de superfície da mudança da Matriz cognitiva no Equador
Na sexta-feira, 30 de maio de 2014, encerrou-se em Quito a denominada “Cúpula do Bem Conhecer”, organizada pelo tanque de pensamento (TinkTank) “Flok Society”: um projeto que promove a “Sociedade do Conhecimento livre e aberto”. A Cúpula é um episódio a mais de uma série de ações sistemáticas que o governo desenvolve e financia para mudar a “matriz cognitiva” e a matriz produtiva do Equador.
Os Ministérios de Coordenação do Conhecimento e o Talento Humano, a Secretaria de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (Senescyt) e o Instituto de Altos Estudos Nacionais (IAEN) assinaram, no dia 28 de novembro de 2013, o Convênio interinstitucional para a implementação do projeto chamado “Futura Sociedade do Conhecimento, Comum e Aberta”. A Flok Society também é integrada por um grupo de especialistas, “programadores e pesquisadores”, hackers e ativistas sociais que participaram de diversas jornadas de mobilização dos “indignados”, especialmente na Espanha, no denominado 15-M.
O Convênio subscrito pelas instituições mencionadas obriga as partes a garantir os recursos econômicos para a execução da Cúpula. Também se obrigam a dotar o projeto de especialistas profissionais, coordenar e executar as fases de gestação, incubação, desenvolvimento, preparação da Cúpula e a fase pós-Cúpula, esta última para a elaboração, discussão, revisão e edição dos resultados da mesma.
No encerramento da Cúpula, os relatores das 14 mesas, reunidas no Centro de Convenções Eugênio Espejo, em Quito, de 27 a 30 de maio, resumiram suas propostas e projetos em torno dos temas: Recursos Educativos Abertos, Ciência Aberta, Cultura Livre, Agricultura Aberta e Sustentável, Biodiversidade, Energia distribuída, Desenho aberto para a fabricação industrial orientada ao pró-comum, dados e governo aberto, Marco de políticas públicas e normativa para a economia social, Hardware livre e Cibersegurança, Software Livre, TIC, conectividade e acessibilidade, Territorialização do trabalho cognitivo e comuns urbanos, Saberes ancestrais e diálogo de saberes.
Entre as mais relevantes propostas e projetos das mesas da “Cúpula do Bem Conhecer”, constam a criação de circuitos inteligentes para a aprendizagem, no marco do novo modelo de gestão educativa, a dotação de ferramentas, repositórios e recursos educativos abertos, a implementação do programa piloto de ciência aberta para a educação inicial, campanha de sensibilização sobre a ciência aberta, promoção de formas alternativas de gestão da cultura do pró-comum, a implementação de novos sistemas agroalimentares com a primeira indústria de maquinaria livre na população de Sigchos, província de Cotopaxi, uma proposta de permacultura urbana para melhorar a qualidade de vida, a criação de um banco de sementes ancestrais e troca de saberes, plano piloto de microgeração energética de extração de óleo de palma para o uso de microprodutores locais, em pequena escala e com manejo cooperativo, um laboratório nacional de tecnologias livres, fortalecer o Instituto de Tecnologia Kichwa, Rede de comunidades de Economia Social, desenvolvimento de sistemas de inovação cidadã e a criação da comunidade de trabalho colaborativo do conhecimento orientado para a independência tecnológica, Plano de comunicação no uso de tecnologias livres e cibersegurança, comunidade de vigilância, aplicação e migração ao software livre, Fórum Nacional permanente para uma Internet pública e segura que fomente as bandas livres, Bici-Cidade Ativa para o desenvolvimento do conhecimento na mobilidade urbana, criação de um Código e protocolo da propriedade intelectual comunitária...
Estas propostas, segundo o livreto, deverão gerar para julho de 2014 uma dezena de documentos que servirão de base para a transição à nova matriz cognitiva, assim como para a formulação de uma legislação e o desenvolvimento de políticas de Estado em sincronia com o Código Orgânico para a Economia Social do Conhecimento comum e aberto no Equador, que substituirá a Lei de Propriedade Intelectual vigente no Equador, desde maio de 1998, e cujo conteúdo adere às diretrizes da OMC.
Em princípio, nada parece ruim, até se poderia concordar com as propostas, as aspirações e os projetos de aparência louvável, mas a armadilha é complicada e está tecida a partir do poder. O pano de fundo da Cúpula do Bem Conhecer é a transformação da matriz cognitiva e da matriz produtiva, “uma revolução produtiva através do conhecimento e o talento humano”, reitera-se nos meios de comunicação. Trata-se da “modificação radical do modelo de acumulação e do modo de regulação da economia nacional”, afirma um fragmento de texto encontrado no portal da “Cidade do Conhecimento Yachay”.
A Secretaria Nacional de Planejamento e Desenvolvimento (Senplades), que realizou o Plano Nacional do Bem Viver (PNBV), entende a mudança da matriz cognitiva como: “Desenvolvimento endógeno, com vinculação estratégica ao Sistema-Mundo”. Caso nos remetamos ao que sustenta o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein, que é um dos que desenvolve este enfoque crítico, equipara-se o Sistema-Mundo com o que Lênin denominou Imperialismo ou fase superior do Capitalismo. Wallerstein caracterizou o Sistema-Mundo como uma série de mecanismos, regras e estruturas que “redistribuem” os recursos a partir da “periferia” para o “centro” do império.
“Crer a priori que um país como Equador pode mudar o capitalismo é não ter os pés sobre a terra. É preciso trabalhar no marco das possibilidades que dita a economia política interna, para entrar na disputa a nível internacional que urge e que é necessária para a integração latino-americana”. “Estamos disputando, neste momento, uma grande transição”, disse entre outras declarações o Secretário de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e inovação do Equador, René Ramírez, em uma entrevista concedida a Miguel Aróniz e publicada no portal de Rebelión.
Em outro momento da entrevista, também sustenta que “em termos estruturais temos um sistema primário exportador e secundário importador, com o qual o país não vai para nenhum lado. Para que exista uma liberdade plena dos cidadãos tem que haver uma emancipação do pensamento. O atual sistema castra a criatividade, a geração de ideias e se vê na crise que viveu a América Latina e muitos países do sul que também viveram uma crise do pensamento. Portanto, não haverá uma possibilidade de uma segunda independência, uma emancipação social dentro do bem viver, caso não haja uma revolução cognitiva”.
O Presidente da República, em uma entrevista concedida ao jornal El Telégrafo, no dia 15 de janeiro de 2012 (intitulada: O desafio de Rafael Correa), disse também que “o modelo de acumulação nós não podemos mudar drasticamente. Basicamente estamos fazendo melhor as coisas, com o mesmo modelo de acumulação, antes que mudá-lo, porque não é nosso desejo prejudicar os ricos, mas, sim, é nossa intenção ter uma sociedade mais justa e equitativa”.
Na manhã do dia 17 de julho, o Equador e a União Europeia alcançaram um acordo comercial que foi percebido e questionado pelos movimentos sociais como um Tratado de Livre Comércio com a Europa, semelhante ao fracassado TLC com os Estados Unidos. O Ministro de Comércio Exterior, Francisco Rivadeneira, afirmou que depois de quatro anos de negociação “todos os temas foram superados sem nenhum problema”. No entanto, acrescenta que em relação a temas relacionados com a propriedade intelectual, “dentro do contexto do acordo da propriedade intelectual de comércio, os europeus querem se assegurar que continuaremos mantendo e que de nenhuma maneira geraremos algum tipo de dificuldade ou obstáculo nesses assuntos”. Em princípio, a afirmativa textual nega que “todos os temas foram superados sem nenhum problema”, os europeus querem uma sujeição aos compromissos do Equador com a OMC e “não querem que sejam geradas dificuldades e obstáculos a respeito do tema”... soa uma imposição.
Os negociadores equatorianos e o governo se viram obrigados a cruzar a “linha vermelha” que constituía o tema da propriedade intelectual, que obrigaria aos agricultores nacionais a utilizar “sementes certificadas”, atingindo a produção agrícola de consumo interno e a soberania alimentar, que frearia a indústria farmacêutica nacional e a perda de proteção para a fabricação de princípios ativos de medicamentos.
Este acordo frearia também a proposta do Código Orgânico para a Economia Social do Conhecimento comum e aberto no Equador, que em teoria buscaria se sobressair das imposições da OMC, continuando a respeitar os direitos de autoria – que são parte dos direitos humanos reconhecidos pela Declaração Universal das Nações Unidas -, mas propiciar formas mais flexíveis e múltiplas de apropriação do conhecimento. O acordo comercial com a União Europeia neste ponto é transcendente, porque condicionaria o caráter da mudança da matriz cognitiva e produtiva no Equador.
Então, perguntamo-nos: em que consiste a mudança da matriz cognitiva e produtiva no Equador? É uma adaptação estratégica ao Sistema-Mundo capitalista? É uma oportunidade de emancipação ou de submissão?
Fontes documentais
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Castells, M. (1999) La sociedad red, Madri: Alianza Editorial.
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Rebelión (on-line) Publicação seriada diária. Acesso em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=184768 (consulta em 17-05-2014)
Ecuadorinmediato (on-line). Publicação diária. Acesso em: http://www.ecuadorinmediato.com/index.php?module=Noticias&func=news_user_view&id=2818766329&umt=ministro_francisco_rivadeneira_sobre_acuerdo_con_ue_todos_temas_se_han_superado_sin_ningun_problema_audio (consulta em 17-07-2014).
Notas
1. É a economia que utiliza o conhecimento como fator fundamental da geração e acumulação de valor e riqueza.
2. Esta economia se basearia no conhecimento como bem público comum, na qual interessa o valor de uso, maximizam-se as externalidades positivas do conhecimento, valoriza-se a produção colaborativa do conhecimento, reconhecem-se as diversas formas de propriedade intelectual e se distribuem socialmente os benefícios do conhecimento.
3. É uma proposta que se apoia em um modelo de gestão que inclui a geração de ideias criativas, seu aproveitamento potencial, produção de bens e serviços e distribuição dos benefícios do “conhecimento comum, livre e aberto”, acessível aos equatorianos, com o objetivo de maximizar seu benefício social e democratizar as relações sociais e econômicas.
4. Sistema social que aproveita o conhecimento como um bem privado, ao qual confere valor de mudança, maximiza suas utilidades e concentra benefícios mediante o controle privado da propriedade intelectual, em um contexto de produção competitiva.
5. Sistema de produção industrial em série, que buscava controlar os tempos produtivos dos operários, reduzir os custos, expandir o mercado e a circulação das mercadorias para maximizar a acumulação capitalista.
6. É a cultura emergente e em construção que provém dos novos contornos sócio-técnicos propiciados pelas tecnologias de informação e comunicação, as redes digitais e a Internet.
7. É a subordinação do trabalho intelectual em relação ao capital, que ocorre por meio de procedimentos, ferramentas e tecnologias.
8. Termo alcunhado por Karl Marx para descrever a dimensão coletiva e social da atividade intelectual, quando se trata de uma fonte de produção de riqueza.
9. Os produtos ou as mercadorias têm um “valor de uso” porque foram criados para algo, tem um fim determinado, mas também tem um “valor de troca” que é o que as confere o capitalista para poder vendê-las no mercado, obter um valor maior, mais-valia.
10. Define-se assim aos bens comuns, bens comunais de aproveitamento comum. Desta forma, nenhuma pessoa individual tem controle exclusivo sobre o uso e a disposição de um recurso particular sob o regime de pró-comum, ou seja, sem propriedade, nem regime de alienação ou exploração.
11. É o conjunto de normas jurídicas que afirmam os direitos morais e patrimoniais que a lei concede aos autores. São os direitos de autoria sobre obras literárias, artísticas, musicais, científicas, didáticas, sejam publicadas ou inéditas.
12. É um exercício do direito de autoria que consiste em permitir a livre distribuição de cópias e versões de uma obra ou outro trabalho.
13. São licenças de direitos de autoria que outorgam permissões ao público para compartilhar e usar o trabalho criativo sob os termos e condições de seu autor.
14. Termo criado nos anos 1990 para descrever a evolução de uma economia baseada na indústria do conhecimento.
15. Empresas e planos de negócios que se conformam como companhias no negócio de Internet, entre 1995 e 2000, durante o auge do e-business até a crise conhecida como a “Bolha.com”.
16. União de termos que fazem alusão ao controle e a vigilância global por meio de meios digitais.
17. Com este termo, Alicia Fernández procura definir as dificuldades da aprendizagem nos tempos atuais. As modalidades de atenção se constroem ao longo da vida de cada pessoa, propostas ou impostas pela sociedade “teletecnomediática”. O contexto é texto a partir do qual se atende, mais próximo à descentralização e dispersão criativa do que à concentração. Desvitaliza a autoria de pensar.
18. Com este conceito, Michel Foucault se refere às diversas técnicas de controle do corpo e das populações pelos estados. Paolo Virno vê o biopoder como uma necessidade do capitalismo para controlar a força produtiva, ao ser uma potência abstrata e imanente no sujeito produtivo.
19. Uma sociedade fictícia, indesejável em si mesma.
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Mudança de “Matriz Cognitiva”. Emancipação ou submissão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU