30 Junho 2014
Uma situação dramática de distanciamento e incompreensão é registrada no documento para o Sínodo sobre a família.
A reportagem é de Matteo Matzuzzi, publicada no jornal Il Foglio, 27-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Terão muito do que falar, em outubro próximo, em Roma, os Padres sinodais chamados por Francisco para discutir sobre família. O Instrumentum laboris, o registro que vai orientar o debate e que foi apresentado nessa quinta-feira no Vaticano, oferece uma fotografia alarmante de quão pouco conhecido é o ensino católico quando se trata de moral sexual, especialmente na Europa e na América.
"A constatação do escasso conhecimento do ensino da Igreja demanda aos agentes de pastoral uma maior preparação e compromisso para favorecer a sua compreensão pelos fiéis", disse o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo, ilustrando o encorpado documento de quase 80 páginas. E também aos pastores é "imputada" – assim diz o texto oficial – "a responsabilidade da escassa difusão desse conhecimento".
De acordo com o julgamento de alguns fiéis, os próprios sacerdotes "não conhecem em profundidade o argumento matrimônio-família dos documentos, nem parece que tenham os instrumentos para desenvolver esta temática". Pastores "inadequados e despreparados para tratar problemáticas que se referem à sexualidade, à fecundidade e à procriação, de modo que, muitas vezes, se prefere não enfrentar esses temas".
O caso extremo, denuncia o Instrumentum laboris, refere-se àqueles "sacerdotes que parecem indiferentes em relação a alguns ensinamentos morais", a tal ponto que "o seu desacordo com a doutrina da Igreja gera confusão entre o povo de Deus".
Mas o maior problema é que "a maioria das respostas frisa o crescente contraste entre os valores propostos pela Igreja sobre matrimônio e família e a situação social e cultural diversificada em todo o planeta".
A Humanae vitae, a encíclica "tão contestada quanto incompreendida ou pouco conhecida" – disse Dom Bruno Forte, secretário especial do Sínodo – é totalmente ignorada ("cria confusão", dissera claramente a Conferência Episcopal Alemã): "Na grande maioria das respostas recebidas evidencia-se como a avaliação moral dos diferentes métodos de regulação dos nascimentos é hoje entendida pela mentalidade comum como uma ingerência na vida íntima do casal e como um limite para a autonomia da consciência".
Claro, há "diferenciações de posição e atitudes diversas entre os crentes", mas, em geral, pode-se dizer que "para muitos católicos o conceito de 'paternidade e maternidade responsável' inclui a responsabilidade compartilhada de escolher conscientemente o método mais adequado para a regulação dos nascimentos".
Todas as respostas, além disso, indicam como a dificuldade de praticar a mensagem cristã sobre o amor fecundo entre homem e mulher se relaciona com o "grande fosso existente entre a doutrina da Igreja e a educação civil", especialmente nas áreas mais marcadas pela secularização.
Fechamento total, ao invés, às núpcias entre pessoas do mesmo sexo. Nesse fronte, o parecer das conferências episcopais é unânime, embora seja necessário e oportuno para manter "uma atitude respeitosa e não julgadora", já que "as reações extremas a tais uniões, tanto de condescendência como de intransigência, não facilitaram o desenvolvimento de uma pastoral eficaz, fiel ao Magistério e misericordiosa para com as pessoas interessadas".
Um fator muitas vezes mencionado no Instrumentum laboris está relacionado com a "promoção da ideologia do gender", que "em algumas regiões tende a influenciar até o âmbito educacional primário, difundindo uma mentalidade que, por detrás da ideia de remoção da homofobia, na realidade propõe uma subversão da identidade sexual".
Além disso, é bastante ampla a parte do documento dedicada às "situações de irregularidade canônica", até porque "as respostas concentram-se principalmente sobre os divorciados recasados", confirmando que esse será um dos pontos centrais do Sínodo de outubro próximo: se, por um lado, destaca-se o número consistente de pessoas que vivem inconscientemente essa condição e não pedem para ser admitidas à eucaristia ou à reconciliação, por outro lado, existem aqueles que se perguntam "por que motivo outros pecados são perdoados e este não".
O risco – lê-se no documento – é que abra caminho uma "mentalidade reivindicativa em relação aos sacramentos", como se "se tratasse de uma punição" imposta pela Igreja. Um perigo que levou o cardeal Peter Erdő, relator geral do Sínodo, a dizer que "o elemento marcante em nível sociológico" que surgiu a partir das respostas ao questionário enviado às dioceses do mundo no ano passado "parece ser a rejeição mais ou menos geral das instituições".
Eis por que é urgente – observou o cardeal Baldisseri – "permitir que as pessoas feridas se curem e se reconciliem, reencontrando uma nova confiança e serenidade. Consequentemente, é preciso de uma pastoral capaz de oferecer a misericórdia que Deus concede a todos, sem medida. Portanto, trata-se de propor, não de impor; de acompanhar, não de empurrar; de convidar, não de expulsar; de inquietar, nunca de decepcionar".
Em relação aos divorciados em segunda união, o purpurado toscano acrescentou que "a Igreja se sente desafiada a encontrar soluções compatíveis com o seu ensino, que levem a uma vida serena e reconciliada". A possível saída é a simplificação e a racionalização dos procedimentos judiciais de nulidade matrimonial.
No entanto, Dom Forte alerta que tudo isso "não tem nada a ver com o slogan banalizante de 'divórcio católico'", já que "o remédio da misericórdia nunca é destinado a favorecer os naufrágios, mas sempre e apenas a salvar o barco no mar tempestuoso e a dar aos náufragos a acolhida, o cuidado e o sustento necessários".
Se não se compreender isso, disse ainda o arcebispo de Chieti-Vasto, "nos equivocaremos irremediavelmente sobre o que o Sínodo poderá dizer sobre a situação dos divorciados, dos divorciados em segunda união, das coabitações, das uniões de fato ou das uniões entre pessoas do mesmo sexo".
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