11 Abril 2014
O ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maizière, 60, alertou em entrevista à 'Spiegel' que a espionagem norte-americana se transformou em uma prática "sem limites". Maizière também expressou tristeza pelo fato de os índices de aprovação dos Estados Unidos terem despencado na Alemanha.
A entrevista é de Jörg Schindler, Alfred Weinzierl e Peter Müller, publicada pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 10-04-2014.
Eis a entrevista.
Durante a Conferência de Segurança de Munique, realizada há nove semanas, você exigiu que os Estados Unidos fornecessem informações detalhadas sobre suas atividades de espionagem na Alemanha. Você já recebeu alguma resposta deles?
As informações que recebemos até agora são insuficientes. Essa continua sendo a minha opinião. As operações de monitoramento realizadas pelos EUA são, em grande parte, resultado de suas necessidades de segurança, mas elas estão sendo implementadas de uma maneira excessiva e sem limites.
Como você chegou a essa conclusão?
Se pelo menos dois terços do que Edward Snowden divulgou ou se o que foi divulgado e creditado a ele for verdade, eu concluiria que os EUA estão operando sem nenhum tipo de limite.
Você tem esperanças de que alguma coisa venha a mudar no futuro próximo – talvez quando a chanceler Angela Merkel visitar o presidente Barack Obama, em maio?
Eu tenho poucas expectativas de que novas negociações serão bem sucedidas. Mas é claro que essas conversações continuam.
Então você não espera que um acordo de não-espionagem resulte dessas discussões?
Considerando tudo o que eu ouvi, acho que não teremos um acordo como esse.
Se você nos permite: por meio de Snowden, nós estamos sabendo das atividades da NSA há 10 meses e, até agora, nenhuma das promessas feitas pelos norte-americanos foi cumprida. Porque não usamos nossa agência de contraespionagem para descobrir a extensão das atividades dos norte-americanos?
O trabalho de contraespionagem não pode ser objeto de uma entrevista à Spiegel. Por favor, entenda isso. Se todas as nossas suspeitas estiverem corretas, tudo o que estamos discutindo agora não está nem mesmo ocorrendo em solo alemão. Isso também torna difícil qualquer avaliação. No entanto, eu quero afirmar mais uma vez que a cooperação entre os serviços de inteligência dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Alemanha é indispensável para nós. Essa cooperação faz parte de nossos interesses nacionais e não podemos deixar que ela seja prejudicada – nem mesmo pela comissão de investigação do parlamento.
Onde é que está a ameaça e que danos ela provocaria?
Eu estou pensando nos danos à política externa. Mas, na realidade, o maior dano foi infligido pelos norte-americanos, e não pelos alemães. E eu digo isso na posição de ferrenho defensor das relações transatlânticas. Atualmente, os índices de aprovação dos norte-americanos registrados pelas pesquisas alemãs são os mais baixos dos últimos tempos. A última vez que isso ocorreu foi durante um período do governo de George W. Bush, devido às políticas adotadas por ele. Isso me entristece. Mesmo que a popularidade inicial de Obama tenha sido exagerada, os EUA não podem se mostrar apáticos em relação fato de que os índices de aprovação deles terem caído tanto no período de apenas um ano. Os EUA deveriam ter interesse em melhorar esses índices. Palavras por si só não serão suficientes.
Em documentos internos, o serviço de inteligência GCHQ da Grã-Bretanha falava sobre "dominar a internet". Isso preocupa você?
Sim, isso preocupa a todos nós. A internet depende da liberdade e esse é um de seus verdadeiros pontos fortes. Mas a propagação explosiva das comunicações provocou problemas de ordem e de escolha – uma situação que foi agravada pelo poder de mercado das corporações. Pois, se um provedor de acesso e um provedor de conteúdo unirem suas forças, eles poderão ditar o rumo da internet e determinar seu conteúdo. Por isso, eu nem preciso falar sobre censura de estado aqui.
Você acredita que as empresas privadas representam uma ameaça maior do que as instituições governamentais?
Sim. Eu acredito que a coleta desenfreada de informações realizada pelos países, até mesmo por uma questão de segurança exagerada, é menos censurável do que a captação de todos os perfis, pensamentos e emoções das pessoas em nome de interesses comerciais.
Será que a política é capaz de influenciar o desenrolar dessa situação?
No caso dos EUA, por exemplo, nós gostaríamos de abordar essa questão por meio do chamado diálogo cibernético, que o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, propôs a seus colegas norte-americanos.
O que podemos esperar desse diálogo?
Nós queremos discutir, em conjunto com especialistas, questões relacionadas à reforma da agenda digital: o que acontece quando as chamadas backdoors são incorporadas aos sistemas operacionais – ou seja, portas de acesso (gateways) por meio das quais as agências podem acessar computadores? Como poderemos criar uma nuvem segura? Como é que poderemos comparar a inteligência artificial à inteligência humana? E o reconhecimento da emoção? Será que há limites que não devem ser cruzados, assim como no debate sobre as células-tronco?
Os componentes técnicos que compõem o mundo online são produzidos principalmente por duas grandes empresas: a Cisco, dos Estados Unidos, e a Huawei, da China. O que isso significa para as principais infraestruturas de um país como a Alemanha?
Nós somos um país com fronteiras abertas situado no meio da Europa. Podemos esquecer o desejo de sermos autossuficientes de alguma maneira. Por outro lado, nós devemos nos perguntar se um país do tamanho do nosso não precisa de um pouco de automonitoramento e de independência – mesmo sob a forma de um patriotismo esclarecido. A chanceler e, por exemplo, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, precisam ser capazes de ter uma conversa segura o suficiente que nenhum país estrangeiro seja capaz de ouvir. Nós não podemos ser dependentes de uma indústria que, na pior das hipóteses, está trabalhando em conjunto, nessa área, com um outro país.
E qual seria a solução nesse caso?
Ela passa por aspectos técnicos, econômicos e legais. Um exemplo: nós temos uma lei relacionada ao comércio exterior por meio da qual podemos proibir as vendas de certos produtos por empresas individuais devido a razões relacionadas a nossos interesses nacionais. Nós precisamos examinar como essa lei funciona na era digital e se ela deve ser ampliada.
Será que modificar uma lei significará que as empresas que não são confiáveis serão excluídas de licitações públicas?
Não por meio dessa lei. Mas essa também seria uma possibilidade.
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'Espionagem dos EUA é prática sem limites', diz ministro alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU