Por: André | 10 Abril 2014
Jean-Claude Zamwita, assim como muitos ruandeses, foi durante muito tempo católico praticante. Mas, no começo dos anos 2000, ele e sua família entraram numa das muitas Igrejas pentecostais que, desde o fim do genocídio de 1994, pululam na Ruanda e atraem cada vez mais fiéis.
A reportagem é de Charlotte Chaffanjon e publicada no sítio do jornal francês Le Point, 08-04-2014. A tradução é de André Langer.
As Igrejas – genericamente chamadas “do despertar”, em pleno auge na África desde os anos 1970-1980 – chegaram ao país após o genocídio, junto com os exilados ruandeses que retornavam da Uganda e da República Democrática do Congo (RDC), para onde numerosos tutsis fugiram nos anos das perseguições.
Elas ganharam terreno com a perda de prestígio da Igreja católica, dada a sua proximidade com o extremista regime hutu que desencadeou o genocídio e o envolvimento de padres e religiosos nos massacres que mataram, em 100 dias, aproximadamente 800.000 pessoas, em sua grande maioria tutsis.
Entre abril e julho de 1994, muitas igrejas foram o palco de chacinas em massa. Os milicianos hutus encontravam nelas suas vítimas reunidas – às vezes por padres que abandonaram em seguida suas ovelhas aos matadores – e sem meios para fugir.
No começo de abril, o Papa Francisco disse que “a reconciliação e o cuidado dos feridos” era “prioridade” na Igreja católica da Ruanda.
Na segunda-feira, nas comemorações do 20º aniversário do genocídio, o presidente Paul Kagame acusou a Igreja católica de ter “participado plenamente” da implantação da ideologia colonial criando uma clivagem entre hutus e tutsis e tendo, in fine, participado do genocídio.
Na Unesco, o embaixador da Ruanda em Paris, Jacques Kabale, denunciou no mesmo dia “o silêncio” da Igreja católica durante as chacinas de 1994.
“Seu abandono foi vivamente sentido, mais ainda porque alguns de seus membros encobriram essas ações criminosas”, explicou Kabale. “Muitas igrejas na Ruanda tornaram-se lugares de memória de massacres de dezenas de milhares de tutsis que foram até elas para encontrar refúgio”.
Mas, atenua Paul Rutayisire, historiador especializado em questões religiosas, que “o debate sobre o papel da Igreja católica (no genocídio) se dá, na verdade, entre algumas elites ou entre os sobreviventes (...), porque a maioria (hutu) que não foi perseguida, não faz esse tipo de questionamento”.
Ele avalia, sobretudo, que “essas Igrejas (do despertar) atraem porque têm cantos, apelam à emoção, à expressão individual”.
Empoleirados em um palco na pequena construção de tijolos vermelhos da Igreja Celpar (Comunidade das Igrejas livres de Pentecostais na África e Ruanda), uma dúzia de fiéis canta, dança, pula e se ajoelha. Jogam os braços ao céu ou colocam a cabeça entre as mãos, enxugando às vezes algumas lágrimas.
“Na missa não havia intercâmbio entre o padre e os fiéis; eu era como um escravo. Me diziam: ‘faça isso, não faça aquilo’. (...) Aqui eu me sinto livre”, explica Jean-Claude Zamwita, brandindo sua bíblia na saída da Igreja Celpar em Kigali.
James Nsengiyumva, seu pastor e secretário-geral, é um ruandês de 39 anos, nascido em Uganda e que se mudou para Kigali depois dos massacres.
“Após o genocídio as pessoas estavam debilitadas em seus corações, doentes (...). Nós viemos para trazer uma nova mensagem de ‘poder’ e de reconciliação”, explica o pastor, bem vestido e que reivindica 29 igrejas na Ruanda, três no Burundi e cerca de 40 na RDC.
As Igrejas do despertar “crescem como cogumelos”, confirma Félicien Usengumukiza, diretor-geral adjunto do Escritório do Governo (RGB) ruandês, encarregado do registro e da fiscalização das organizações religiosas. Segundo Rutayisire, entretanto, elas não suplantaram totalmente a Igreja católica, mas antes convivem com ela: “o mercado religioso está totalmente aberto; umas vezes vão na igreja católica, depois nas outras, frequentam inclusive as duas (...). São viagens espirituais”.
“Não é uma concorrência”, confirma Smaragde Mbonyintege, presidente da Conferência Episcopal da Ruanda, destacando que a Igreja católica tem “coisas a aprender dos métodos” dos cultos pentecostais.
As autoridades ruandesas começam a espiar essas novas Igrejas com o canto do olho. “O problema (...) é que a maioria está baseada no ‘business’, mais que sobre a evangelização”, explica Usengumukiza, evocando crescentes “conflitos” ligados ao dinheiro em algumas congregações.
Zamwita, que vive de bicos, paga, como a maioria dos fiéis, “o dízimo”, ou seja, 10% dos seus ganhos mensais, à sua Igreja. Uma contribuição oficialmente não obrigatória, mas muito fortemente “encorajada” por essas Igrejas.
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Ruanda. As Igrejas pentecostais em pleno auge desde o genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU