Por: Jonas | 02 Abril 2014
Algumas vezes caminhando por Roma, outras tantas nas colinas Albani. O papa João XXIII (foto), que será santo em breve, escapava do Vaticano e do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, deixando para trás os guardas com estratégias fantasiosas: às vezes com seu cadillac Chrysler e outras em um Opel Rekord, de cor marfim e azul. Quem narra estes e outros episódios do pontificado de Angelo Roncalli (1958-1963) é o seu decano de antecâmara, Guido Gusso (o dono do Opel bicolor), que participou nesta terça-feira, dia 01-04-2014, da apresentação da digitalização do arquivo sonoro dos Papas na sede da Rádio Vaticana.
Fonte: http://goo.gl/OzRxVo |
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 01-04-2014. A tradução é do Cepat.
“Após oito dias caminhando pelos Jardins vaticanos, disse-me: ‘Sempre damos a mesma volta!’. Leva-me à fonte do Gianicolo, a Villa Borghese”, contou o “mordomo” do papa João. “Eram lugares que ele conhecia porque estudou em Roma. Eu lhe respondia: ‘Mas, Santidade, não podemos’. E ele: ‘Como não se pode? Peguemos o carro e vamos’. Os guardas ficavam loucos porque não sabiam onde estava o Papa”.
A cena também se repetia em Castel Gandolfo. “Uma vez lhe contei que havia ido aos Pratoni del Vivaro, que ficam próximo e se parecem um pouco a Sappada, de nossa região. Ele era muito curioso e queria vê-los. Então, disse-me: ‘Façamos uma coisa. Há uma grade (da vila pontifícia de Castel Gandolfo) perto do cemitério de Albano. Que lhe deem as chaves. Você abre e nós deixamos aberta uns dez dias, assim ninguém sabe o que está acontecendo’. E uma vez quando estávamos nos jardins, ele me disse “Vamos ao carro e damos algumas voltas e assim enrolamos os guardas, depois, você abre a grade e vamos’. E fomos ao Vivaro.
As pessoas o reconheciam, porque íamos muito devagar. E, depois, quando chegamos ao cruzamento entre Artena e Frascati, perguntei-lhe para onde gostaria que fôssemos, e ele me respondeu: ‘Retornemos para casa, caso contrário Capovilla (o secretário pessoal do Papa)... ’. Quando atravessamos Marino, o caminho era estreito e estava cheio de gente, era tardezinha, a multidão o reconheceu e começou a gritar: ‘Viva o Papa’; ‘Ah, nosso João!’. Não podíamos passar... por fim, chegamos ao Palácio Apostólico, mas da entrada central até o final da avenida de Castel Gandolfo, os guardas estavam como loucos, e também a polícia italiana... precisavam ver a cara dos guardas suíços!”.
Alguns dias após a escapada, chegou uma carta da polícia italiana. “A polícia me denunciou. O Papa me mandou chamar, também estava dom Dell’Acqua (então suplente na Secretaria de Estado), para me ler a carta. E, em seguida, colocou-se a rir, estava contente porque havíamos conseguido sair”.
Entre as “excursões” do Papa, Guido Gusso recordou algumas romanas (“Uma vez fomos ver o embaixador inglês que estava hospitalizado, em outra fomos ver um jornalista...”) e várias ao redor de Castel Gandolfo: aos Patroni del Vivaro, às margens do lago Albano para ver as obras das Olimpíadas de Roma de 1960.
“Normalmente, nós íamos com o seu carro, um cadillac Chrysler, mas às vezes me dizia para que fôssemos com o meu. Um Opel Rekord bicolor, marfim e azul. Quando o viu pela primeira vez, disse-me que lhe recordava o seu carro quando estava em Veneza”. Com os guardas, Roncalli não era mal-educado e sempre os tratavam bem: “Nessa época, os guardas não podiam se casar antes de completar 28 anos. Havia um que tinha 24 e veio se queixar comigo. ‘Não tenho dinheiro para me casar’. Contei ao Papa e na tarde me deu uma oferta com a qual se podia pagar o jantar...”.
Guido Gusso conhecia Roncalli desde antes de ser Papa. Filho de uma família de pescadores pobres, prestava serviços no Patriarcado de Veneza. “Uma vez lhe pedi um aumento. Há quatro anos trabalhava ali, ia me casar com minha noiva. Antes de ir vê-lo, tomei um pouco de aguardente para me valorizar... ele me disse: ‘Não se preocupe com o seu futuro!’, e citou o Evangelho de Mateus. Eu fiquei um pouco perplexo... Um ano depois, foi eleito Papa e minha vida mudou da noite para o dia”.
Poucos dias antes de sua morte, João XXIII chamou seu assistente em seu leito. Ralhou com ele, pois se falavam muito pouco. E lhe prometeu um aumento. Gusso se negou. “Você me protegerá do céu, a mim, a meu filho e a minha esposa”. “Eu gosto que você fale assim - respondeu Roncalli -, caso necessite de algo, seja quando for, chama-me e eu te responderei”. “E, efetivamente, sempre lhe puxava a batina e ele sempre me ajudava...”.
Foram muitas as anedotas que o “mordomo” do papa João contou, durante a coletiva de imprensa, e, depois, cercado pelos jornalistas. Detalhes e episódios que descrevem certo incômodo de Roncalli diante do protocolo vaticano da época. “Quando foi eleito e o Conclave ainda não havia terminado, disse-me que eu fosse até a Domus Mariae para recolher alguns de seus pertences. Eu pedi ao cardeal Tisserant (então decano do colégio cardinalício) a permissão e ele me respondeu: ‘Ainda estamos em Conclave. Você não pode sair e se faz isso o excomungo’. Eu disse isso a Roncalli e ele me respondeu: ‘Então, vai e diz ao cardeal que se ele o excomunga, depois eu retiro-lhe a excomunhão”.
O papa João cancelou imediatamente o “beijo da pantufa”, a “falda” que cobria os pés do Pontífice quando se sentava (“dizia que iria cair quando se levantasse”), a cadeira gestatória (“Subiu a primeira vez e disse que havia ficado com tonturas e que recordava quando seu tio o colocava nos ombros quando era criança”).
Falando sobre os nossos dias, Guido Gusso não tem nenhuma dúvida: o papa Francisco se parece muito com João XXIII. “Tem sua bondade, preocupa-se muito com os pobres e os humildes. Foi a uma de suas Missas e ao final lhe disse: ‘Você é quase igual ao papa João’. E riu”.
Da coletiva de imprensa “A voz dos Papas”, sobre a digitalização dos arquivos sonoros da Rádio Vaticana (possível graças à colaboração da Banca Intesa Russia e de Confartigianato Persone), participaram o cardeal Giovanni Battista Re, prefeito emérito da Congregação para os Bispos, o vaticanista Gian Franco Svidercoschi e Sandro Piervenanzi, diretor técnico da Rádio Vaticana. O padre Federico Lombardi, diretor geral da Rádio e porta-voz vaticano, moderou o evento.
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Quando João XXIII escapava do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU