13 Janeiro 2014
Paulo Freire, o mais importante e revolucionário educador brasileiro, viveu a maior parte da sua vida e criou seus métodos e conceitos pedagógicos em uma realidade sem computador em larga escala, internet, jogos on-line ou redes sociais. Mas mesmo após 50 anos da primeira experiência de alfabetização de adultos em Angicos, Rio Grande do Norte, que se tornaria o método com o seu nome, boa parte dos ensinamentos do pensador pernambucano seguem contemporâneos. E mais: vários deles ainda são inovadores para o cenário educacional.
A reportagem é de Tatiana Klix, publicada no sitio Porvir, 02-01-2014.
“Nunca tivemos tanta chance de aprender juntos como agora”, avalia Jose Moran, pesquisador e professor de comunicação da USP, que enxerga na colaboração, na troca, na convivência virtual e no compartilhamento de saberes um dos princípios mais importantes de Paulo Freire, o de aprender junto. “Educador e educando aprendem em comunhão” é uma frase que resume a concepção freireana para a prática do aprendizado.
Ao rejeitar o que chamou de educação bancária, na qual o professor apenas transmitia conhecimentos aos alunos, o pensador valorizou a cultura e o conhecimento prévios dos estudantes e a ideia que se aprende na troca, seja entre professores e alunos, seja com outros professores, seja entre alunos. “A educação está na vida, no nosso cotidiano e na nossa formação como um todo. Não acontece só na escola, mas em qualquer ambiente”, explica a professora doutora da Unicamp Debora Cristina Jeffrey.
Segundo ela, o mais importante para Freire é pensar a educação para a transformação humana e a autonomia do sujeito, o que ainda segundo a concepção do pernambucano se dá quando as pessoas se conscientizam de suas condições sociais, culturais, econômicas e políticas.
Dentro dessa visão humanista, para Moran, que pesquisa inovação em educação, é plenamente válido trabalhar os conceitos de Freire para entender uma educação mais conectada, que se utiliza de tecnologias móveis. O professor explica que a educação é um processo profundo de intercâmbio entre pessoas, que a tecnologia facilita e resolve uma parte dele sem que necessariamente educadores e educandos estejam presencialmente juntos.
Alguns projetos atuais de alfabetização de adultos têm utilizado como recurso o celular, por exemplo. Estimular relatos por email, ferramentas de bate-papo e redes sociais também são formas contemporâneas de usar o conhecimento que o aluno já tem. “É possível usar a tecnologia para conscientização, pesquisa, trocas culturais, que são necessárias para aprendizagem. Mas não adianta instrumentalizar o aluno; ele precisa ter consciência do porque e como vai utilizar os instrumentos para sua vida”, diz Débora.
Moran vai ainda mais longe e acredita que o processo de personalização, realizado por plataformas educativas que permitem que cada um possa fazer seu percurso, em qualquer lugar, desde que esteja conectado, é uma nova forma de educar para a autonomia. “Os princípios (de Freire) valem, mas a forma de atualizá-los se alternam, na medida que há outras possibilidades. O acesso ao conteúdo, materiais e informações básicas ocorre sem o professor. A personalização é a possibilidade que temos hoje de alguém estar mais atento às minhas necessidades de conhecimento, mesmo dentro do grande grupo”, explica.
Já a professora da Unicamp pondera que a ideia de que o aluno aprende por si só e que o professor é apenas um mediador, presente em concepções pedagógicas posteriores, não está presente nas teorias de Paulo Freire. Para o educador, as pessoas não aprendem sozinhas e o professor tem uma autoridade a exercer. “O foco principal é o coletivo, as experiências, a vivência, a cultura, o entendimento da condição do ser humano em uma sociedade desigual e a superação dessa condição”.
Nesse contexto, a roda de conversa, o estudo do meio e a educação por projetos, práticas usadas em escolas inovadoras, são ações educativas que visam essa troca de olhares, de perspectivas e saberes. “É possível pensar em projetos, mas não em projetos que vêm de cima para baixo. São projetos estabelecidos a partir de temas geradores. É preciso ouvir alunos, debater e fazer discussões que tragam sentido ou que sejam decididas em assembleias”, explica.
Segundo a professora e pesquisadora de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e organizadora do livro Memorial Paulo Freire: Diálogo com a Educação (Expressão e Arte), Noêmia de Carvalho Garrido, os projetos devem estar ligados à comunidade, trazer a história de vida dos educandos, para então trabalhar a sistematização dos conteúdos que a escola exige. “O homem, em sua formação, não é dividido, ele é integral, o conhecimento que vem de fora da escola é integral. Só se fragmenta na sala de aula”, diz.
Neste ponto, ainda está o principal desafio para levar Paulo Freire para a escola, principalmente a pública, na opinião de Débora. “Para trabalhar na perspectiva de Freire, é preciso atuar de modo interdisciplinar. Os temas têm que conversar entre eles, a partir de um eixo norteador”. Dentro dos ensinamentos de Freire, esse tema vai ser levantado a partir das necessidades e interesses dos educandos, ou até mesmo da troca de educador e educandos.
Não se pode segmentar conteúdos em disciplinas e dividir o dia dos alunos por matérias. Por exemplo, as manifestações de junho de 2013 podem se tornar um tema gerador para várias disciplinas. É possível discutir como esses movimentos surgiram, em matemática se estuda os indicadores sociais, em história, relembra passagens como a oposição à ditadura militar ou os caras pintadas, em geografia procura entender como as redes sociais interferem nas manifestações.
“Esse conjunto de debates leva o aluno a compreender por que participa das manifestações e qual o efeito que elas têm”, exemplifica a doutora em educação. Para Débora, na maioria das vezes, as escolas ainda mantêm uma estrutura tradicional de organização e espaço. E ainda é uma perspectiva inovadora se pensar a rotina e o cotidiano escolar de forma diferenciada.
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Paulo Freire, a simplicidade que ainda inova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU