04 Dezembro 2015
Entrevista com o secretário-geral dos bispos italianos (Conferência Episcopal Italiana - CEI), Dom Nunzio Galantino, que adverte: "Os 'faraós' – na Igreja, no Vaticano, assim como no resto da sociedade – são aqueles que perderam o sentido do limite, confundem os meios com o fim e acabam adorando o deus dinheiro ou se vendendo pela carreira".
A reportagem é de Carlo Tecce, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 02-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em Florença, o papa afirmou: "Deus proteja a Igreja do poder, da imagem e do dinheiro". Por que Bergoglio é tão crítico com a Igreja italiana?
Em Florença, a Igreja italiana foi a oportunidade, não o problema: basta ler o discurso que, nos mesmos dias, o Papa Francisco fez ao episcopado alemão... A referência é para toda a Igreja, para que volte ao essencial: que certamente não coincide com anseios e lógicas mundanas.
Por que a Igreja italiana não consegue manter o ritmo do Papa Francisco?
Alguns sentem falta de uma Igreja italiana mais envolvida na política, outros contestam a persistente sobreposição; alguns conhecem a sobriedade de vida da maioria dos párocos e dos bispos, outros utilizam alguns episódios – francamente inaceitáveis – para repetir o clichê de "luxos anacrônicos". A meu ver, a nossa Igreja, embora com todos os seus limites, está perto do papa: forçar a sua distância é um jogo que não beneficia ninguém.
O bispo Luigi Negri teria evocado o fim do pontificado de Francisco. E quer se encontrar com Bergoglio para esclarecer.
O bispo disse que não falou aquelas expressões exatamente daquela maneira, e eu não tenho motivo para não acreditar nele. Certamente, imaginando que eu as tivesse pronunciado, eu, por coerência, me apresentaria ao papa para renunciar ao mandato.
Francisco diz que não se pode pregar a pobreza e viver como faraós. Quem são os faraós da Igreja e do Vaticano?
Os "faraós" – na Igreja, no Vaticano, assim como no resto da sociedade – são aqueles que perderam o sentido do limite, confundem os meios com o fim e acabam adorando o deus dinheiro ou se vendendo pela carreira. Na Igreja, gritam ainda mais. Quando eu ouço falar de casos de religiosos que embolsam o dinheiro destinado à caridade, eu sinto o prurido vivo de me constituir parte civil de um processo contra eles: não se pode pisar nem nos pobres nem nos fiéis desse modo, jogando lama sobre os bispos e os padres exemplares. A Igreja deve pedir uma indenização.
Bergoglio deu o exemplo, indo morar em Santa Marta, levando uma cruz de ferro e viajando com um carro popular. Muitos fazem isso na CEI? E você?
Eu moro em comunidade com os padres que trabalham comigo na CEI: cada um tem o seu próprio quarto e compartilha o refeitório. Pessoalmente, tenho um Polo velho, que agora eu deveria trocar. A minha remuneração não supera a de um operário.
Você não acredita que, nesta temporada de sobriedade, a CEI poderia aceitar uma revisão dos oito por mil [norma pela qual o Estado italiano reparte 8‰ de todo o imposto de renda entre as diversas confissões religiosas], deixando a parte não subscrita para o Estado?
Eu não concordo. Eu não gostaria que parecesse uma defesa de bandeira se eu responder convidando, em vez disso, a analisar com objetividade o que a Igreja faz através dos fundos do oito por mil: restituí-los decuplicados em termos de proximidade, de serviços e de solidariedade. Quanto ao Estado, é bom lembrar que ele já representa um dos possíveis destinatários do sistema...
O papa diz que não vão conseguir parar as suas reformas. Mas quem quer impedi-lo? Há um complô?
A comunidade eclesial está com o papa. Dificuldades e resistências em relação à mudança devem ser levadas em consideração: a reforma vem para sacudir de maneira radical aqueles que, para alguns, são hábitos cômodos e consolidados. Mas quem raciocina pensando que "tudo vai passar", calcula mal.
É justo que o Vaticano processe dois jornalistas, Nuzzi e Fittipaldi, que denunciaram a mesma podridão que o papa combate?
O processo nasce da hipótese de violação de normas específicas do Estado da Cidade do Vaticano: hipóteses que agora devem ser verificadas no tribunal, com todas as garantias previstas para aqueles que estão envolvidos. É evidente que, entre os imputados, as responsabilidades são diferentes.
O Vaticano faz bem ao confirmar o Jubileu, apesar do risco de atentados?
Os fato de Paris nos dizem que o terrorismo não precisa de eventos especiais para desencadear a sua ferocidade homicida: renunciar ao Jubileu significaria apenas deixar-se condicionar pelo terror. Não esqueçamos que o Ano Santo – mais do que de viagens e de grandes celebrações – é feito de misericórdia recebida e dada: além de atravessar as portas das catedrais, ele nos chama a entrar lá onde há um doente, um preso, um necessitado.
A política italiana ouve a CEI ou não há mais o diálogo de antigamente?
O diálogo representa para a CEI uma exigência constantemente buscada com todos os interlocutores e em todos os níveis, portanto, também com o mundo da política. Deixe-me ser claro: quando eu falo de diálogo, não penso em uma negociação de privilégios, mas em uma cooperação concreta em vista do bem comum. O espírito nos foi indicado pelo papa em Florença, recordando que "a sociedade italiana se constrói quando as suas diversas riquezas culturais podem dialogar de modo construtivo" e que "a melhor maneira para dialogar não é a de falar e discutir, mas a de fazer algo juntos, construir juntos, fazer projetos".
O Parlamento vai aprovar as uniões civis? O que você espera?
Não sou capaz de dizer quais resultados terão os debates parlamentares e intragovernamentais. Espero que não saia enfraquecido o valor da família com a sua homologação a outras formas de relação que, de fato, têm uma natureza diferente.
Você concorda com a retomada dos sacramentos aos divorciados recasados?
A acolhida e a proximidade – expressadas tanto no Sínodo quanto nas nossas comunidades – não indicam atalhos sobre os sacramentos, mas um caminho, em certos aspectos, ainda mais exigente. Mais do que se deter em simplificações estéreis, o compromisso que nos é pedido é de acompanhar as relações feridas do nosso tempo.
Você foi falar no meeting do Comunhão e Libertação. Qual a importância hoje dos católicos na política?
Há a necessidade de católicos na política. E eles são importantes na medida em que eles testemunham com a coerência da vida as coisas em que declaram crer e sabem orientar a atividade política em coerência com tal credo. A atual degradação da política nos compromete a apoiar a formação de uma classe dirigente responsável e competente, que trabalhe no horizonte das comunidades.
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"Na Igreja, há faraós que roubam, mas agora vamos pedir indenização." Entrevista com Nunzio Galantino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU