30 Novembro 2015
Os terroristas atacam uma cultura estranha e intolerável até porque estão excluídos dela. O vazio de valores que eles percebem no nosso modo de vida certamente é um aspecto da desigualdade e da pobreza em que muitos deles são forçados a viver.
A opinião é do filósofo italiano Gianni Vattimo, ex-professor da Universidade de Turim. O artigo foi publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 23-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
E se eles o fizessem simplesmente por tédio? Pensemos em um jovem muçulmano da banlieue parisiense, mas também em um jovem de classe média e, naturalmente, em um jovem desempregado de alguma das nossas periferias. Um pouco de embalo no sábado à noite, ou mesmo em outras noites, porque, não tendo um trabalho, não há nenhuma necessidade de se levantar cedo.
A cultura comum enche de (recordações de) valores desfraldados todos os dias, especialmente em caso de ataques terroristas, como aquilo que devemos defender a todos os custos. E as faces dos concidadãos pouco convencidos, mas também dos políticos e das autoridades, que, compungidos, cantam a Marselhesa. E o parlamento, a lei de estabilidade, a defesa do livre mercado e da produtividade que nos permita competir com a China na produção de carros, celulares ou sapatos. Nenhuma seção de partido para ir à noite para discutir política; nem mesmo o oratório tem mais (Adriano Celentano: Nemmeno un prete per chiaccherar [Nem mesmo um padre para jogar conversa fora]...).
Em suma, o vazio de uma vida social cada vez mais limitada nos seus horizontes, não uma visão "alternativa" em que se possa acreditar. Tudo se desenvolve entre o extremo da frustração – um número cada vez maior de pessoas, em sua maioria jovens, que não trabalham e não estudam, simplesmente sobrevivem (como muitos adultos expulsos do "mercado de trabalho" não buscam mais nem sequer uma recolocação profissional qualquer), e o extremo da raiva pela hipocrisia geral: a democracia que se tornou apenas uma desculpa para impor a dominação de uma parte do mundo sobre a outra (bombardeamos vocês porque vocês têm o direito a uma constituição democrática), a fantasmagoria do consumismo de que não se pode desfrutar, porque, enquanto isso – as estatísticas provam isto –, a pobreza tornou-se endêmica, e assim a degradação de cidades cada vez mais não vivíveis...
Ok, talvez estejamos exagerando o quadro, mas os seus traços característicos são estes: uma atmosfera de difusa resignação, que se remedia com os psicofármacos ou definitivamente com as drogas. E vocês querem que um jovem de 16 anos que vive nesse marco saiba realmente resistir à "tentação" da alternativa violenta, que lhe promete não tanto a vida eterna e as 72 virgens reservadas aos mártires da jihad, mas, enquanto isso, lhe oferece a pertença em uma comunidade de combatentes movidos por um ideal – sanguinário o quanto se quiser, mas sempre melhor do que a sobrevivência à qual é condenado pela sua cotidianidade?
E a propósito de sobrevivência: vocês querem que ele rejeite a ideia da guerra santa e do martírio por amor ou respeito pela vida, isto é, por uma vida que perdeu para ele todo o significado?
Nos últimos dias, tentando imaginar se e como a nossa "civilização" com os seus "valores" pode se defender desses ataques devastadores, disse-se que os nossos inimigos têm do seu lado o fanatismo, a força de uma dedicação à causa que os prepara para enfrentar a morte e, portanto, multiplica a sua capacidade de nos ferir.
É verdade, nós somos mais céticos e, por isso, menos dispostos a pôr em jogo a vida. Temos exércitos feitos cada vez mais de drones; e todo o aparato militar se assemelha cada vez mais a uma máquina que se põe em movimento segundo algoritmos rigorosos.
A desumanização dos conflitos não consiste tanto nas decapitações, mas no fato de que a máquina trabalha cada vez mais em autonomia, excluindo o humano. Aprendemos que o treinamento também se faz cada vez mais com os videogames. Uma espécie de passagem direta da infância dos jogos à adolescência dos kalashnikovs.
E a propósito de humanidade: que vida pessoal devem ter os convertidos à jihad, os adeptos do Isis e dos seus ideais de purificação do mundo da impiedade dos infiéis? Durante o período do khomeinismo mais repressivo no Irã, alguns (eu estava entre esses) propuseram até que se bombardeasse Teerã com videocassetes pornográficos e embalagens de preservativos.
Levando em conta que a secularização da Europa também ocorreu mediante uma progressiva "corrupção" dos costumes, a busca pela felicidade como direito humano reconhecido também foi uma busca pelo prazer.
E os jovens jihadistas que se submetem ao duro treinamento que os torna, segundo a nossa mitologia, guerreiros quase invencíveis, que prazer eles devem buscar, que felicidade esperam, que não seja apenas a promessa das 72 virgens depois do martírio?
Ao que parece, eles não são vulneráveis às seduções do mundo capitalista (que Marx também chamava de prostituição generalizada). Talvez não seja por acaso que um dos objetivos do ataque da sexta-feira, 13, foi uma sala de espetáculos onde se dançava. É possível que eles sejam tão desumanos também contra os prazeres mais elementares?
Mas aqui, talvez, se encontre o mesmo paradoxo que, em uma escala muito mais ampla, é atestado pelo fenômeno da migração que vem também e especialmente dos países islâmicos para a Europa e a sua "diabólica" cultura consumista.
Os terroristas atacam uma cultura estranha e intolerável até porque estão excluídos dela. O vazio de valores que eles percebem no nosso modo de vida certamente é um aspecto da desigualdade e da pobreza em que muitos deles são forçados a viver.
A isso, mais do que ao aumento dos controles policialescos, se deveria tentar pôr o foco. É claro, o Ocidente como é agora não tem muito a oferecer para tornar atraentes os seus "valores". Já seria alguma coisa se conseguisse oferecer aos "outros" uma face um pouco mais acolhedora e amigável.
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E se eles atacam apenas por tédio ou por serem excluídos? Artigo de Gianni Vattimo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU