25 Novembro 2015
"Quem faz uso do agrotóxico combate o efeito (a praga) e não a causa (os fatores que a geram), daí a necessidade de seu uso contínuo, sem regra nem trégua", escreve Adilson D. Paschoal, professor sênior do Departamento de Entomologia e Acarologia - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", USP, em artigo publicado por Carta Maior, 24-11-2015.
Eis o artigo.
Sobre o título "Agrotóxicos são do mal?" (Boletim Informativo do Sistema FAEP, no. 1323, out.-nov. 2015) o engenheiro-agrônomo Alfredo J.B. Luiz, da Embrapa Meio Ambiente, dá seu parecer, pobre de argumentos científicos, sobre estes perigosos agentes controladores de pragas, patógenos e ervas invasoras no nosso país, por sinal o maior consumidor desses venenos agrícolas em todo o mundo. A interrogação que faz (...são do mal?) permite deduzir que é a favor do uso desses produtos, confirmando-se a assertiva pela leitura do artigo.
O que é admirável é o fato de ele trabalhar na Embrapa Meio Ambiente, que já foi reduto das companhias multinacionais dos agrotóxicos, quando se chamava Centro Nacional de Pesquisa de Defensivos Agrícolas (CNPDA, 1982): uma aberração inconcebível, uma vez que o Estado brasileiro, e não as milionárias multinacionais dos agrotóxicos, fazia pesquisas para elas, pagas com o dinheiro honrado de todos nós brasileiros. Felizmente percebeu-se isso em tempo de alterar completamente a linha de pesquisa, passando de pesquisadores subservientes delas, e de seus métodos empíricos imediatistas, para pesquisadores conscientes e atuantes em prol de uma agricultura racional, sustentável a longo prazo, verdadeiramente de trópico, pautando suas pesquisas em métodos visando sobretudo a saúde das pessoas, a conservação dos recursos de produção e a preservação da natureza.
Assim, três anos depois de criada, a instituição tinha seu nome mudado para Centro Nacional de Pesquisa de Defesa da Agricultura (CNPDA, 1985). Honra-me ter contribuído para esta mudança; aflige-me saber que pode haver retrocesso, pela falta de novas lideranças. Em reconhecimento ao meu esforço, recebi da Embrapa sua maior condecoração: o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, o primeiro de sua natureza concedido, em vida, a um professor da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz". Por isso sinto-me muito à vontade para defender a linha que deve manter a Embrapa Meio Ambiente, se quiser conservar a credibilidade e o propósito para os quais foi criada. Ampliando seu leque de atividades, o Centro passou a ser conhecido como Embrapa Meio Ambiente em 1993.
Resumo aqui, para contrapor aos argumentos apresentados pelo pesquisador, o que me absorveu décadas e décadas de investigação. Pragas e patógenos são controlados em áreas tropicais e sub-tropicais máxime por agentes biológicos do ambiente, e não por agentes químicos e físicos, como em áreas temperadas e frias. As cadeias biológicas tropicais são muito diversificadas e por isso favoravelmente estáveis. Perturbações nelas, pelo uso de agentes químicos, como os agrotóxicos, produzem desequilíbrios a favor das espécies herbívoras (que são mais numerosas e têm resistência como mecanismo pré-adaptativo, por evoluir diretamente com as plantas, que tentam eliminá-las produzindo agrotóxicos naturais em sua defesa), desfavorecendo, por outro lado, as espécies predadoras e parasitas (que são menos numerosas e não têm resistência como mecanismo pré-adaptativo, por não co-envolverem com as plantas e, sim, com as suas presas e seus hospedeiros herbívoros).
O resultado é a espécie herbívora tornar-se praga, pela morte dos inimigos naturais. Isso explica porque havia tão poucas espécies daninhas quarenta anos atrás e tantas hoje em dia, perfeitamente correlacionas com o emprego maciço de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, como demonstrei em livro que escrevi em 1979 (Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções, FGV, Rio de Janeiro), descritas em compêndios volumosos de Entomologia, de Acarologia, de Nematologia, de Fitopatologia.
Outro fator é a introdução de espécies exóticas, que rapidamente se convertem em pragas primárias, exatamente pela falta de inimigos naturais. Outro ainda, não menos importante, é a simplificação imposta aos agroecossistemas tropicais e subtropicais (monoculturas, ausência de rotação e de consorciação de culturas, clones, variedades melhoradas para resposta aos adubos solúveis e que são pouco resistentes e tolerantes às espécies daninhas, falta de matéria orgânica no solo etc.), áreas geográficas essas em que a diversidade é a regra absoluta, definida pela natureza em milhões de anos.
Um quarto fator que favorece as pragas é o desequilíbrio bioquímico na planta, induzido pelo uso de certos agrotóxicos e de adubos nitrogenados solúveis (amônia, sulfato de amônio, nitrato de amônio, uréia, MAP, DAP), resultando em acúmulo de aminoácidos e de nitrogênio livre na seiva e no suco celular, alimentos básicos de insetos sugadores, de ácaros, de nematóides, de bactéria e de fungos. Lembremos que a fonte de nitrogênio para as plantas é o ar e não a rocha, e que a proteossíntese depende de certos micronutrientes que podem faltar, por não serem fornecidos ou por estarem bloqueados no solo, acumulando, dessa maneira, aminoácidos e nitrogênio livre, o que desencadeia erupções de espécies daninhas.
Não pode haver agricultura racional, sustentável, sem as forças da natureza, dentre as quais o papel dos inimigos naturais no controle das espécies daninhas. O agrotóxico é a antítese desse raciocínio, porque quem dele faz uso combate o efeito (a praga, o patógeno, a planta invasora) e não a causa (os fatores que as geram), daí a necessidade de seu uso contínuo, sem trégua nem regra, contaminando o solo, a água, o ar, os animais, as plantas, os alimentos, o homem.
Dia chegará em que não se terá água sequer para beber, não pela sua falta, mas pela contaminação por resíduos de herbicidas, como já acontece em países da Europa, e.g. Alemanha, que tiveram suas águas profundas envenenadas com resíduos altamente solúveis de glifosato (“round up”). Infelizmente o pesquisador da Embrapa não foi capaz de visualizar esse problema, dizendo que os herbicidas por serem aplicados com as plantas de soja e de cana muito jovens não representam riscos. Que se analisem até mesmo as águas minerais das áreas de tais culturas para se ter idéia da dimensão do problema, ficando claro que aqueles que defendem o uso dos agrotóxicos não poderão escapar da morte por câncer, Alzheimer ou Parkinson, por terem acesso, ao contrário da grande maioria dos brasileiros, à águas minerais que, acreditam, serem livres de resíduos tóxicos.
Também o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente parece desconhecer as exaustivas análises feitas todo ano pela Anvisa, que demonstram estarem mais da metade dos alimentos nossos de cada dia (morango, abacaxi, mamão, uva, pimentão, pepino, beterraba, cenoura, couve, alface e tantos outros) contaminados com resíduos acima dos permitidos e por resíduos não permitidos para as culturas onde foram detectados, de produtos desde muito tempo proibidos em outros países (Paschoal, A.D. 2012. Alimentos Orgânicos, ADAE). A proporção seria muito maior caso se adotasse no Brasil os Limites Máximos de Resíduos Aceitáveis (LMRA) dos países desenvolvidos, muito menores que aqueles definidos para o nosso país.
Defender aquilo que está lentamente nos matando, de forma imperceptível, envenenado o que de mais sagrado existe, objeto primeiro da faina diária de cada um de nós, que é o alimento que damos para alimentar nossas famílias, nutrir nossos filhos, é o mesmo que defender o engodo, muito difundido entre nós, de que o importante é “encher a barriga”, é “matar a fome”, embora o saciamento da fome diária com alimentos contaminados futuramente nos matará de doenças degenerativas e neurogênicas. Será que alimento e veneno são compatíveis? Será verdadeira a afirmativa de que resíduos dentro do que se estabeleceu por ensaios não fazem mal à nossa saúde?
Se assim for, como explicar que os valores aceitáveis de resíduos em alimentos nos países desenvolvidos são muito mais baixos do que a queles definidos para o Brasil? Como também explicar o crescimento vertiginoso da Agricultura Orgânica (que não usa agrotóxicos) em muitas partes do mundo? A talidomida, que era receitada pelos médicos às mulheres grávidas porque se acreditava ser uma droga segura, quantas vítimas mutiladas fez no mundo!
São muitos os ensaios que provam ser a produtividade da Agricultura Orgânica igual ou superior à da agricultura convencional, como demonstrei em livro que escrevi em 1994 (Produção Orgânica de Alimentos. Agricultura Sustentável para os Séculos XX e XXI), sem riscos para a natureza e para a saúde humana. Não é sem razão que cresce 20% ao ano no Brasil, a taxa mais alta do mundo.
É inconcebível falar em uso racional de venenos, exceto quando em doses homeopáticas, o que não é o caso dos agrotóxicos. Enquanto acreditarmos que esses produtos são um mal necessário aos agricultores e não um bem necessário às multinacionais do ramo agroquímico teremos de continuar consumindo alimentos envenenados, aceitando passivamente a contaminação dos recursos naturais indispensáveis à sobrevivência das gerações presentes e futuras.
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Agrotóxicos são do mal, sim! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU