23 Novembro 2015
Para o direito, o amor não existe. No código, a palavra nunca aparece, sinal de uma impaciência talvez recíproca, de uma incompatibilidade que, na Itália, é mais forte do que em outros lugares. Ao conflito permanente entre direito e amor, Stefano Rodotà dedica páginas muito belas, como jurista desde sempre atento à tumultuada relação entre a irregularidade e a imprevisibilidade da vida e a abstração formal da regra jurídica (Diritto d'amore, Ed. Laterza).
A reportagem é de Simonetta Fiori, publicada no jornal La Repubblica, 19-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É inútil acrescentar de que lado Rodotà está. E é supérfluo antecipar que, nessa história, os protagonistas não são só o direito e os sentimentos, mas também a política. Com algumas vítimas – antigamente, as mulheres; hoje, os homossexuais – que guiam a mudança.
Eis a entrevista.
Professor Rodotà, direito e amor são incompatíveis?
Mais uma vez, Montaigne me ajuda, ao definir a vida como um movimento volúvel e multiforme. O direito é exatamente o contrário, fala de regularidade e uniformidade, é impaciente diante das surpresas da vida. Depois, quando se entra no campo amoroso, a subjetividade prorrompe. E o direito se sente decididamente desconfortável.
Por quê?
As relações afetivas podem ser algo de explosivo na organização social. Portanto, o direito se propôs como instrumento de disciplinamento das relações sentimentais, que não deixa espaço para o amor. Basta percorrer dois séculos de história: na tradição ocidental, o direito, por um longo período, sancionou a irrelevância do amor. E, de fato, sacrificou as mulheres, codificando uma desigualdade.
De que maneira?
A relação de casal foi reconhecida em função de algo que não tem nada a ver com os sentimentos: a estabilidade social, a procriação, a continuação da espécie. Sobre as lógicas afetivas, prevaleceram as patrimoniais. E se São Paulo, na sua Primeira Carta aos Coríntios, pregava a posse recíproca e paritária entre marido e mulher, entre nós, afirmou-se o modelo hierárquico machista, que reduz o corpo das mulheres a propriedade do marido.
Esse modelo hierárquico perdurou na Itália até meados dos anos 1970. Uma anomalia italiana também?
Não, no plano histórico, eu não diria isso. O modelo familiar da modernidade ocidental – desde o fim do século XVIII – foi terrivelmente hierárquico. Depois da unificação, nós absorvemos o código francês assinado por Napoleão, que sancionava a mais cega obediência da esposa ao marido. Parece que Napoleão, durante a campanha no Egito, ficou impressionado com o modo pelo qual o direito islâmico disciplinava a relação entre marido e mulher.
Entre nós, a história subsequente foi condicionada pela Igreja Católica. Mas a política também contribuiu para anestesiar os sentimentos.
Sim, o casamento manteve o seu sistema hierárquico graças também à influência da Igreja. Quanto à política, por uma fase nada curta da história, ela se moveu em uma lógica de disciplinamento das pulsões, no encontro entre o rigorismo católico e o socialista-comunista.
Chama a atenção que os padres constituintes da Itália – Calamandrei, Nitti, Orlando – se opunham ao princípio da igualdade entre marido e mulher por estar em conflito com o código civil.
É incrível. Nas suas cabeças, o modelo matrimonial entregue às regras jurídicas é uma questão de fato irreformável. Eles não se davam conta de que estavam mudando as regras do jogo. E que a carta constitucional estava acima do código civil.
Uma rigidez que você encontra em uma recente decisão da Corte Constitucional, que diz não aos casamentos gays em nome do código civil.
Sim, eles também se curvam ao código que fala apenas de casamentos entre homens e mulheres. Fiquei impressionado com a referência da Corte a uma tradição ultramilenar do matrimônio: como se se tratasse de um fato natural, não sujeito às mudanças sociais e antropológicas. Em vez disso, trata-se de uma construção histórica que foi mudando na Europa e na Itália. Mas a Itália é o único país que não quer reconhecer isso, embora tenha assinado a Carta dos Direitos da União Europeia.
Uma carta que, no acesso ao casamento, apaga a referência à diversidade de sexo no casal.
E, de fato, foi exatamente esse artigo, o artigo nove, alvo de uma forte pressão por parte da Igreja. Pressões que passaram em silêncio, mas que eu posso testemunhar, pois estava sentado à mesa da convenção. Acrescento que a referência à tradição milenar da família, pronunciada pela nossa Corte Constitucional, não aparece em nenhuma outra jurisprudência.
Hoje custamos até a aprovar as uniões civis. Por que isso acontece?
Trata-se de um conflito muito ideologizado, favorecido pelo infeliz enraizamento dos chamados "valores inegociáveis" e "temas eticamente sensíveis". Eles são subtraídos do legislador, não porque o legislador não deve se ocupar deles, mas porque o legislador deve aceitar o dado naturalista e imutável.
Uma barreira que não existia na época das batalhas sobre o divórcio e o aborto.
E, de fato, não houve a mesma intolerância. Embora na obstinada contrariedade, a Democracia Cristã reconhecia que haviam ocorrido novidades sociais não mais ignoráveis.
O degelo havia começado nos anos 1960, quando o amor deixou de estar fora da lei. Só em 1968, a Corte Constitucional cancelou o crime de adultério para as mulheres. E, em 1975, chegou o novo direito da família, que põe fim ao modelo hierárquico.
Sim, no lugar das lógicas proprietárias, entram as afetivas. No entanto, mesmo naquela ocasião, o legislador estendeu a sua mão diante da palavra "amor". Fala-se de "fidelidade", "colaboração", mas não de "amor".
Mas a palavra "amor" pode ser posta em uma lei?
Alguns defendem: quanto mais o direito se mantiver distante e menos o nomear, melhor. Mas devemos nos perguntar: o direito não nomeia o amor porque o respeita até o fim ou porque quer subordiná-lo a outras exigências como a estabilidade social? Por um longo período da história italiana foi assim.
Há o direito do amor dos casais homossexuais, que devem poder ter acesso ao casamento. Mas há também o direito do amor dos filhos, que devem poder ser amados por um pai e por uma mãe. Como se conciliam esses dois direitos?
Não há nenhuma evidência empírica de que os filhos criados em famílias homossexuais mostrem atrasos no plano do desenvolvimento da personalidade e da afetividade. E então, pergunto eu, os filhos de pais solteiros?
Os pais solteiros – talvez mais do que todos os outros – sabem que os filhos precisam de um pai e de uma mãe, de uma figura masculina e de uma feminina. E a psiquiatria também manifesta dúvidas sobre as adoções pelos casais gays.
Você levanta uma questão que, no entanto, não se resolve com o uso autoritário do direito. Quanto antes reconhecermos a igual dignidade de todas as relações afetivas, antes seremos capazes de construir modelos culturais adaptados a esta nova situação. Enquanto mantivermos o conflito e a exclusão, tudo isso se torna mais difícil.
Você diz: casamento igualitário traz consigo a legitimidade das adoções.
Certamente. Alcançado esse resultado, se se quiser discutir, se poderá fazê-lo sem hipotecas ideológicas. É uma história que não acaba, assim como nunca se acaba de responder à solicitação de Auden: "A verdade, vos peço, sobre o amor".
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"Como é pobre o direito quando não fala de amor." Entrevista com Stefano Rodotà - Instituto Humanitas Unisinos - IHU