20 Novembro 2015
Itália, 1985, África do Sul, 1994, e Hungria, 2010. Estas foram as rupturas de barragem de mineradoras mais mortíferas nos últimos 30 anos em países ocidentais. A primeira deixou 268 mortos, a segunda, 17, e a última, 10 vítimas fatais. Em Minas Gerais, o rompimento da barragem de Fundão no último dia 5 em Mariana já fez 11 mortos (quatro deles ainda sem identificação) e outras 12 pessoas seguem desaparecidas. Calcula-se em 62 milhões de metros cúbicos o volume de rejeitos lançados no meio ambiente. Grande parte dele atingindo o Rio Doce, um dos maiores do estado. A chegada ao rio tem causado uma segunda tragédia, com cidades sem água e moradores sem saber o que lhes espera. Governador Valadares, um dos principais municípios abastecido pelo rio, com 278 mil habitantes, decretou estado de calamidade pública desde a última terça-feira (10/11).
A reportagem é de Rachel Costa, publicada por Opera Mundi, 18-11-2015.
Falta água e faltam informações, o que torna difícil calcular a dimensão exata do desastre. A Vale e a BHP, as duas empresas multinacionais por trás da Samarco, companhia responsável pelos reservatórios, terão de desembolsar pelo menos 1 bilhão de reais neste que é um dos maiores desastres ambientais no Brasil e um dos maiores episódios de rompimento de barragem de rejeitos nos últimos 30 anos.
E o grande problema é que o avanço tecnológico da mineração não tem conseguido reduzir a intensidade de eventos desse tipo. Muito pelo contrário, afirma o geofísico David Chambers, do Center For Science In Public Participation (CSP2) [Centro para a Ciência em Participação Popular, em tradução livre], nos Estados Unidos. Chambers mantém desde 2009 uma base de dados com o registro de problemas em barragens de rejeitos em todo o mundo, cobrindo todo o último século. O que se pode aferir pelos números é que, se a quantidade de eventos diminuiu com o avançar da tecnologia, em contrapartida eles se tornaram muito mais graves e a previsão do cientista é que eles sigam ocorrendo em uma média de um grande desastre a cada ano.
Problema internacional
Na lista mantida por Chambers, o último evento classificado como grave também aconteceu no Brasil: foi a ruptura na barragem de uma mina em Itabirito, em setembro de 2014, deixando três mortos. Entretanto, o pesquisador faz questão de enfatizar que tragédias envolvendo reservatórios não estão limitadas ao país. “Quando divulguei os dados da minha pesquisa, a resposta que recebi da indústria foi de que na América do Norte isso nunca aconteceria. Seis meses depois, houve o rompimento da barragem em Mount Polley, no Canadá”, diz Chambers.
Na tragédia canadense, a maior da história desse tipo no país, não houve mortos, mas 23 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram lançados no ambiente, atingindo reservatórios de água da região. Em agosto de 2015, um ano depois do desastre, uma equipe da Anistia Internacional voltou à área e encontrou moradores ainda inseguros em relação à qualidade da água, aumento nos níveis dos lagos e muitas dúvidas em relação à possível contaminação dos peixes, uma vez que havia criadores de salmão na área.
“No caso da Imperial Metals, que operava a mina de Mount Polley, eles são uma companhia muito menor, não são um conglomerado internacional”, avalia Chambers. No Canadá, a mina onde ocorreu o desastre voltou a operar neste ano, alegadamente para a companhia ajudar a cobrir os custos ambientais do acidente causado por ela própria. “É diferente do caso brasileiro. Espero que BHP e Vale cubram os custos operacionais envolvidos. Elas são as donas da Samarco”, fala o cientista, enfatizando que usar companhias locais para fazer a exploração é um procedimento comum entre multinacionais e, portanto, não pode ser usado como pretexto para isentá-las de culpa.
Falta de dados
Durante a apuração dessa reportagem, Opera Mundi consultou três cientistas que acompanham desastres provocados por empresas mineradoras. Para todos eles, a falta de dados oficiais é um problema para definir a dimensão exata da tragédia ocorrida em Minas. Até agora, dados sobre a contaminação da água foram divulgados por Governador Valadares e Baixo Guaiú, no Espírito Santo, mostrando altos índices de alumínio, magnésio e arsênio (este último apareceu nas provas capixabas).
Apesar de alarmados com os índices obtidos pelas provas, os cientistas acreditam que o método usado para a coleta não foi o mais adequado. “Neste momento, o que mais importa é testar a contaminação da água”, diz Chambers. “Pelos resultados dos testes já feitos, parece que eles foram realizados sem filtrar os sedimentos”, completa o geofísico, esclarecendo que o risco maior ocorre quando os metais estão dissolvidos na água.
Sem informações exatas, fica ainda mais complicado montar o intrincado quebra-cabeças do impacto ambiental provocado pelo vazamento. Magnésio em excesso na água, por exemplo, pode afetar o desenvolvimento mental das crianças, lembra a geoquímica Kendra Zamzow, também da CSP2. Zamzow acredita que o mais provável no caso brasileiro é que os metais estejam “presos” aos sedimentos, reduzindo o risco de contaminação. Entretanto, outro problema pode ocorrer, este relacionado ao depósito dos rejeitos: a formação de uma espécie de “cimento” no leito do rio, o que pode afetar a vida dos seres vivos presentes nas águas.
“Este caso da Samarco é muito maior que o de Mount Polley. No rompimento da barragem canadense, os rejeitos se espalharam por apenas oito quilômetros. Eles poderiam ter ido mais longe, mas foram parados pelo lago de criação de salmão”, diz a geoquímica Kendra Zamzow, também da CSP2.
Danúbio vermelho
O caso brasileiro também é maior que o ocorrido na Hungria em 2010. “A dimensão é claramente maior que a do acidente húngaro, mas a atenção da mídia internacional é muito menor”, considera William Mayes, da Universidade de Hull, no Reino Unido. Mayes participou de um estudo para avaliar a recuperação do entorno após o desastre húngaro, no qual um milhão de metros quadrados de resíduos tóxicos de uma mina de bauxita vazaram, chegando a atingir o rio Danúbio, um dos principais da Europa.
A cor vermelha dos detritos húngaros pode fazer lembrar a que invadiu o rio Doce. A sua origem, porém, é bem diferente. Mayes explica que os rejeitos da mina europeia eram altamente alcalinos, salgados e continham metais como cromo e vanádio. Em Minas, Mayes acredita que o maior problema poderá estar nas altas concentrações de arsênio.
A análise liderada pelo cientista na Hungria mostrou uma boa recuperação do meio ambiente quatro anos após o vazamento. Estima-se que US$ 136 milhões foram gastos para a recuperação da área. “Mas é muito difícil comparar os dois casos”, fala Mayes, citando a diferença de volume e da composição dos rejeitos.
Evitar o próximo desastre, acredita Chambers, só será possível com uma melhor regulamentação ambiental da atividade mineradora. As esperanças do cientista são de que países recentemente afetados e onde a mineração é uma atividade econômica importante, como é o caso do Canadá ou do próprio Brasil, tomem a dianteira nesse processo. “Se um desses países cria esses parâmetros, os outros se verão obrigados a fazer o mesmo”, acredita o cientista.
As vidas perdidas não podem ser recuperadas, é certo. O estrago feito, porém, pode em muito ser contido e revertido, desde que bem calculado, e servir de exemplo para a criação de normas que evitem a repetição de tragédias como essa.
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Rompimentos de barragens de mineradoras têm se tornado mais graves nas últimas décadas, dizem especialistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU