20 Novembro 2015
A Save the Children não trata as crianças como seres menores, não tem uma atitude de caridade em relação a elas, não quer dar assistência, mas veicular uma informação simples mas muito difícil de se fazer passar: as crianças são a única possibilidade que temos para compreender a humanidade.
A reportagem é de Roberto Saviano, publicada no jornal La Repubblica, 19-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
L’Atlante dell’infanzia (a rischio) [O Atlas da infância (em risco)] (http://atlante.savethechildren.it/) é um manual, um romance dramático, um conjunto orgânico e coerente de informações imprescindíveis para compreender a Itália, que deixa às crianças sempre e somente migalhas.
Ler o Atlas significa conseguir finalmente explicar coisas que às vezes nos escapam: 1.045.000 crianças em pobreza absoluta é um dado violento, porque é um dado que mostra o relato de uma humanidade futura desesperada.
É um dado que devemos ter em mente quando não conseguirmos nos explicar onde tudo escapou da nossa compreensão e do nosso controle. A demonstração de que a Itália não é um país para os jovens, nem um país para as crianças.
E 85 crianças mortas pela máfia de 1996 a 2014 é um número impressionante, se considerarmos que sempre se tratou, até agora, de sujeitos absolutamente passivos em relação às dinâmicas criminosas. É um número impressionante se considerarmos a contrainformação que as organizações criminosas sempre fazem sobre o seu suposto respeito pela infância.
Muitas vezes eu cito um artigo publicado na primeira página de um jornal local de Nápoles, há alguns anos. O título era: "Tommaso, a dor do chefão". Tratava-se da triste história de Tommaso Onofri, a criança raptada em Parma em março de 2006. Os "chefões" da Camorra preso segundo o artigo 41 bis, ou seja, do "cárcere duro", na penitenciária de Viterbo, enviaram ao jornal duas mensagens. Na primeira, intimavam-se os sequestradores para devolverem o menino ao afeto dos pais. Na segunda, depois da morte do pequeno Tommaso, o título do artigo relatava o pesar dos "chefões", que trabalham desde sempre e de maneira minuciosa para construir e difundir uma imagem clara de si mesmos: estamos na prisão, mas não tocamos nas crianças, ao contrário, se podemos ser úteis para salvar uma pequena vida com o nosso "poder", fazemos isso de bom grado.
"A ira dos chefões" contra os sequestradores de Tommaso Onofri era apenas uma maneira de ganhar consenso, porque, nas investigações, os "chefões" mostram o seu verdadeiro rosto, o de criminosos hediondos que não têm escrúpulos para ameaçar os filiados usando crianças, às vezes sangue do seu próprio sangue, para se servir de escudo dos corpos dos seus filhos quando são presos para intimar as forças policiais para não atirarem.
Como esquecer a rendição de Francesco Schiavone "Sandokan", "chefão" dos Casalesi, que saiu do refúgio com as duas filhas nos braços?
Mas, se até hoje, um adolescente morto pelas mãos de um assassino era um sujeito passado em relação às dinâmicas criminosas, a nova Camorra do bairro Sanità de Nápoles está demonstrando que isso não é mais verdade. Adolescentes que se sentem imortais, novas levas impiedosas da Camorra que tomam o lugar dos seus velhos na prisão.
O destino das crianças: recém-adultas e já "chefões". As organizações criminosas visam totalmente aos jovens porque eles não têm perspectivas, porque não têm futuro e por aquela onipotência conatural à idade que, unida ao desespero, se torna crueldade.
E os jovens respondem, porque as organizações criminosas são as únicas que oferecem mobilidade social: se você se comprometer, pode crescer, não funciona assim em outros lugares. Em outros lugares, ninguém dá oportunidades a você, especialmente em certos territórios.
Esse Atlas, se permanecer como um mero documento de denúncia, à margem das informações que nos chegam todos os dias, servirá para pouco. Mas que não permaneça como letra morta, como sempre será a tarefa do leitor, que fará a diferença aprofundando. Porque aprofundar significa transformar. E dar atenção à infância é a única maneira que temos para pôr as mãos na carne do mundo e tentar inverter a rota.
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Infância: pôr as mãos na carne do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU