16 Novembro 2015
Em seu novo livro, Vito Mancuso caracteriza a sua posição como "panenteísmo". Enquanto o panteísta identifica Deus e o mundo, o panenteísta acredita que o mundo está incluído em Deus, que é a sua força animadora.
A análise é do filósofo italiano Maurizio Ferraris, professor da Universidade de Turim, em artigo publicada no jornal La Repubblica, 13-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Hegel escreveu que o sentimento fundamental dos tempos modernos é a morte de Deus. A esse diagnóstico, repetido algumas décadas depois por Nietzsche, filósofos e teólogos deram três respostas principais.
A primeira é a que eu chamaria de "hermenêutica": Deus não está morto, mas simplesmente ainda não foi interpretado pelo que é. A revelação é um processo que ocorre na história e que busca a intervenção ativa do homem, em um processo de melhoria histórica.
A segunda é a heróica: Deus está morto, devemos esperar um além-do-homem que possa ser um novo deus. Infelizmente, se ações discutíveis podem ser postas na conta do velho Deus, o novo Deus, como ensina a história dos últimos dois séculos, não se deu melhor.
A terceira, menos divulgada, mas muito mais praticada, é a que eu chamaria de "secularista" e que foi enunciada por Joseph de Maistre: a morte de Deus, mesmo se tivesse ocorrido, não envolveria nenhuma consequência no plano da fé e da religião, a partir do momento em que Deus deixou como herança o Seu poder ao papa, que, neste ponto, está autorizado a governar a Igreja em plena autonomia.
Resta uma quarta resposta, minoritária, mas, a meu ver, mais promissora, seguida na modernidade por Schelling e, em geral, por todos os filósofos que se aproximaram da teologia com uma atitude naturalista (por exemplo, Emerson), ao qual Vito Mancuso se conecta de forma séria, profunda e autônoma, em Dio e il suo destino [Deus e o seu destino], recém-publicado pela Garzanti (464 páginas).
A ideia de fundo é que a revelação não ocorreu um dia, na história, mas é um processo contínuo e não concluído. A evolução deu origem a um mundo material que é, ao mesmo tempo, um mundo espiritual em que ocorreu a manifestação e a ação de Deus, de modo que, entre evolução e revelação, não há contraste, mas complementaridade.
O velho Deus, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, mas em grande parte também de Cristo, não manteve as Suas promessas e Se apresentou acima de tudo como um Deus ciumento, autoritário e vingativo. Ele encarnou, acima de tudo, o poder, e não sentiremos falta disso.
E Deus, a alternativa e o sucessor daquele Deus, como é? Um dos autores mais presentes em Mancuso é Spinoza, e, com efeito, seríamos levados a pensar em uma perspectiva panteísta, não muito diferente, aliás, da que Mancuso tinha proposto no seu muito feliz L'anima e il suo destino [A alma e o seu destino] (Ed. Raffaello Cortina, 2007).
No entanto, Mancuso caracteriza a sua posição como "panenteísmo", que não é um erro de digitação para "panteísmo", mas sim o modo pelo qual muitos filósofos evitaram a acusação de spinozismo, que até dois séculos atrás podia causar sérios problemas. Enquanto o panteísta identifica Deus e o mundo, o panenteísta acredita que o mundo está incluído em Deus, que é a sua força animadora.
Se o panteísmo tem um modelo mecanicista, o panenteísmo tem um modelo biologicista; ele é, por assim dizer, uma bioteologia, para a qual Deus é o impulso vital que permeia a natureza. O panenteísmo de Mancuso deve muito ao evolucionismo de Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), o jesuíta, filósofo e cientista francês já muito presente nas suas reflexões sobre o destino da alma após a morte.
A evolução não vale apenas para a vida; vale para o cosmos inteiro, considerado como um grande animal vivo (de acordo com a intuição de Platão), que se desenvolve a partir de um receptáculo, a "chora", o espaço neutro de onde têm origem todas as coisas e que se presta facilmente a ser relido em termos biologicistas, já que o próprio Platão a define como "matriz".
O discurso prossegue. Referir-se a Deus não é recorrer a um velho nome de que se pode abrir mão sem, por isso, excluir o divino? Pessoas que acreditavam que o mundo não era mais velho do que 6.000 anos (era a ideia dominante ainda no século XIX) e que não podiam nascer novas espécies (estava em jogo a perfeição do plano divino), não podiam curvar a existência de estruturas complexas – fossem o mundo, a mente ou a linguagem – senão recorrendo à hipótese de uma criação divina ou de uma construção conceitual, ou seja, para falar como De Maistre, de uma "ação temporal da providência".
É a partir dessa penúria de tempo que decorre a concepção do sumo artesão, do design inteligente. Mas, se contamos com um tempo infinitamente mais longo, afundado naquelas que Vico definia como "intermináveis antiguidades", tudo muda. Por isso, 13,7 bilhões de anos, o tempo que nos separa do nascimento do tempo, são mais do que suficientes para dar conta de tudo o que aconteceu sem a ajuda de Deus, nem como início nem como fim do processo evolutivo.
Se as coisas forem assim, no entanto, surge uma interrogação muito simples. Ainda há a necessidade de postular a intervenção de um logos (ou, mais modestamente, de um sentido qualquer) para dar conta de um mundo que deve a sua emergência – entre erros, incoerências e monstruosidades de todos os tipos – somente a uma enorme disponibilidade de tempo, matéria e energia?
Essa é, por exemplo, a ideia do filósofo australiano Samuel Alexander (1859-1938) em um livro bastante famoso no seu tempo: Espaço, tempo e deidade (1920). Alexander é considerado o pai do emergentismo, isto é, de uma concepção que Mancuso (p. 389) considera coerente com o seu panenteísmo, e propõe uma poderosa visão cosmogônica, descrevendo um desenvolvimento ascendente de níveis do ser, que começa a partir do espaço-tempo e ascende até a matéria, ao orgânico, ao homem e a Deus, concebido como a totalidade emergente do mundo.
A diferença entre uma perspectiva emergentista radical e o panenteísmo de Mancuso está toda aqui. Para Mancuso, tudo está em Deus, incluindo a emergência do mundo (e, no mundo, das variadas ideias que foram formuladas sobre Deus), mas então estamos lidando com uma reproposição do Deus criador, ou com um Deus preguiçoso à la Wittgenstein, com um sentido do mundo que está fora do mundo e que, portanto, propriamente falando, não existe.
Para o emergentismo radical, ao contrário, Deus não existe ainda, mas não se exclui que, assim como surgiram as amebas, o cálculo diferencial e os quartetos de Beethoven, também chegue um dia em que, talvez daqui a milhões de anos, para seres presumivelmente muito diferente de nós, se apresente um Deus, "como se um Tu (escrevia Vittorio Sereni) tivesse que realmente / retornar / para libertar os vivos e os mortos./ E quantas lágrimas e sementes derramadas em vão".
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"Bioteologia", a aposta que reaproxima Deus e Natureza. Artigo de Maurizio Ferraris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU