Por: André | 05 Outubro 2015
A Igreja defende o amor fiel e duradouro, perante o qual “também o homem de hoje – que com frequência ridiculariza este plano – permanece atraído e fascinado”, e não assinala “com o dedo para julgar os outros”, mas que busca e cura “os casais feridos com o óleo da acolhida e da misericórdia”. Disse-o o Papa Francisco na homilia da missa que concelebrou com os 270 padres sinodais, que estarão empenhados com ele, a partir deste domingo (e durante três semanas), na discussão sobre a família no Vaticano.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 04-10-2015. A tradução é de André Langer.
As leituras bíblicas deste domingo, destacou Bergoglio, “parecem ter sido escolhidas para este acontecimento de graça que a Igreja está vivendo”. O Papa propôs três argumentos para a reflexão: o drama da solidão, o amor entre homem e mulher e a família.
A solidão
Francisco destacou que Adão vivia no Paraíso, dando “nomes às outras criaturas” e “exercitando um domínio que demonstra sua indiscutível e incomparável superioridade”. Mas, apesar disso, sentia-se sozinho. “A solidão, o drama que ainda hoje aflige muitos homens e mulheres – continuou o Papa. Penso nos idosos abandonados inclusive por seus entes queridos e seus próprios filhos; nos viúvos e viúvas; em tantos homens e mulheres deixados por sua própria esposa e por seu próprio marido; em tantas pessoas que de fato se sentem sozinhas, não compreendidas e não ouvidas; nos emigrantes e nos refugiados que fogem da guerra e da perseguição; e em tantos jovens vítimas da cultura do consumo, do ‘usa e joga fora’ e da cultura do descarte”.
Hoje, disse Bergoglio, “vive-se o paradoxo de um mundo globalizado no qual vemos tantas casas de luxo e edifícios de grande altura, mas cada vez menos calor de lar e de família; muitos projetos ambiciosos, mas pouco tempo para viver o que se conseguiu; tantos meios sofisticados de diversão, mas cada vez mais um profundo vazio no coração; muitos prazeres, mas pouco amor; tanta liberdade, mas pouca autonomia... Aumenta cada vez mais o número das pessoas que se sentem sozinhas, e também daquelas que se fecham no egoísmo, na melancolia, na violência destrutiva e na escravidão do prazer e do deus-dinheiro”.
A experiência que os seres humanos de hoje fazem é semelhante àquela vivida por Adão, destacou o Pontífice: “tanto poder acompanhado por tanta solidão e vulnerabilidade; e ícone disso mesmo é a família. Verifica-se cada vez menos seriedade em levar adiante uma relação sólida e fecunda de amor: na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na boa e na má sorte. Cada vez mais o amor duradouro, fiel, consciencioso, estável, fecundo é objeto de zombaria e olhado como se fosse uma antiguidade. Parece que as sociedades mais avançadas sejam precisamente aquelas que têm a taxa mais baixa de natalidade e a taxa maior de abortos, de divórcios, de suicídios e de poluição ambiental e social”.
O amor entre homem e mulher
Comentando a leitura do Gênesis, Francisco recordou que Deus disse: “‘Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele’. Estas palavras demonstram que nada torna tão feliz o coração do homem como um coração que lhe seja semelhante, lhe corresponda, o ame e tire da solidão e de sentir-se só. Demonstram também que Deus não criou o ser humano para viver na tristeza ou para estar sozinho, mas para a felicidade, para partilhar o seu caminho com outra pessoa que lhe seja complementar; para viver a experiência maravilhosa do amor, isto é, amar e ser amado; e para ver o seu amor fecundo nos filhos, como diz o salmo que foi proclamado hoje”.
Jesus, no Evangelho do dia, diante da pergunta retórica sobre a dúvida de repudiar a própria mulher que lhe fazem, “provavelmente como uma cilada, para fazê-lo sem mais aparecer odioso à multidão que O seguia e que praticava o divórcio, como uma realidade consolidada e intangível”, responde – disse Francisco – “de maneira simples e inesperada”. “Leva tudo de volta à origem, à origem da criação, para nos ensinar que Deus abençoa o amor humano, é Ele que une os corações de um homem e de uma mulher que se amam e liga-os na unidade e na indissolubilidade. Isto significa que o objetivo da vida conjugal não é apenas viver juntos para sempre, mas amar-se para sempre”.
A família
“O que Deus uniu o homem não separe”, responde Jesus. Trata-se, explicou o Papa, de uma “exortação aos crentes para superar toda a forma de individualismo e de legalismo, que se esconde num egoísmo mesquinho e no medo de aderir ao significado autêntico do casal e da sexualidade humana no projeto de Deus”. Só “à luz da loucura da gratuidade do amor pascal de Jesus é que aparecerá compreensível a loucura da gratuidade de um amor conjugal único e usque ad mortem”, comentou Francisco. Para Deus, “o matrimônio não é utopia da adolescência, mas um sonho sem o qual a sua criatura estará condenada à solidão”.
“Paradoxalmente, também o homem de hoje – que muitas vezes ridiculariza este plano – continua atraído e fascinado por todo o amor autêntico, por todo o amor sólido, por todo o amor fecundo, por todo o amor fiel e perpétuo. Vemo-lo ir atrás dos amores temporários, mas sonha com o amor autêntico; corre atrás dos prazeres carnais, mas deseja a doação total”. Francisco, na sequência, citou uma frase de Joseph Ratzinger: “Os prazeres proibidos perderam o seu fascínio, logo que deixaram de ser proibidos. Mesmo quando são levados ao extremo e repetidos ao infinito, aparecem insípidos, porque são coisas finitas, e nós, ao contrário, temos sede de infinito”.
O Papa depois indicou, “neste contexto social e matrimonial bastante difícil”, a missão da Igreja. Esta, explicou, deve “defender o amor fiel e encorajar as inúmeras famílias que vivem o seu matrimônio como um espaço onde se manifesta o amor divino; para defender a sacralidade da vida, de toda a vida; para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar seriamente”. Deve “viver sua missão na verdade que não muda de acordo com as modas passageiras ou as opiniões dominantes”.
Uma missão que deve ser exercida “na caridade que não aponta o dedo para julgar os outros, mas – fiel à sua natureza de mãe – sente-se no dever de procurar e cuidar dos casais feridos com o óleo da acolhida e da misericórdia; de ser ‘hospital de campanha’, com as portas abertas para acolher todo aquele que bate pedindo ajuda e apoio; e mais, de sair do próprio redil ao encontro dos outros com amor verdadeiro, para caminhar com a humanidade ferida, para a integrar e conduzir à fonte de salvação”. Uma Igreja que “ensina e defende os valores fundamentais, sem esquecer que ‘o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado’; e sem esquecer que Jesus também disse: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores’”.
Francisco concluiu citando São João Paulo II, que dizia: “O erro e o mal devem sempre ser condenados e combatidos; mas o homem que cai ou que erra deve ser compreendido e amado. [...] Devemos amar o nosso tempo e ajudar o homem do nosso tempo”. A Igreja “deve procurá-lo, acolhê-lo e acompanhá-lo, porque uma Igreja com as portas fechadas trai-se a si mesma e à sua missão e, em vez de ser ponte, torna-se uma barreira”.
Durante a oração do Angelus, depois da missa, Bergoglio rezou desta maneira: “Que o Senhor nos ajude a não ser sociedades-fortaleza, mas sociedades-família, capazes de acolher, com regras adequadas, mas acolher”. “Acolher sempre – acrescentou o Pontífice – com amor”. “Hoje – disse –, peçamos ao Senhor para que todos os pais e educadores do mundo, assim como toda a sociedade, convertam-se em instrumentos dessa acolhida e desse amor com que Jesus abraça os mais pequeninos. Ele vê seus corações com a ternura e a preocupação de um pai e, ao mesmo tempo, de uma mãe. Penso em todas as crianças famintas, abandonadas, exploradas, obrigadas à guerra, rechaçadas”. “É doloroso – confiou Francisco – ver as imagens de crianças infelizes, com o olhar perdido, que fogem da pobreza e dos conflitos, que batem às nossas portas e aos nossos corações implorando ajuda”.
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“Devemos defender o amor fiel e não apontar o dedo para julgar os outros”, disse o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU