21 Setembro 2015
A história do discurso de Paulo VI na ONU retraça a hesitante firmeza de um papa que exibe lucidamente uma Igreja "em busca de encontros", contra os pareceres daqueles que gostariam de vê-lo enunciar princípios e reivindicações políticas.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 18-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No dia 4 de outubro de 1965, quando Paulo VI cruzou o limiar do Palácio de Vidro [sede da ONU] em Nova York, ele sabia que estava realizando um ato sem precedentes e sem réplicas. A presença em órgãos internacionais, antes da encíclica Pacem in Terris, havia sido limitada por qualidade diplomática e teológica. Nunca mais depois de Montini um papa iria à ONU como voz de um Concílio, simbolizado pela comitiva pontifícia de cardeais que representavam adequadamente a catolicidade da comunhão.
Ele preparou um discurso memorável com meticulosidade, começando por um primeiro rascunho manuscrito que Andrea Riccardi publicou em fac-símile (sem nunca declarar a sua proveniência de arquivo que a tornou "cópia junto ao autor") e comentou junto com as versões limadas por mãos nem sempre identificadas, sem alterar a organização inicial.
No livro Manifesto al mondo. Paolo VI all’Onu, que será lançado no dia 24 de setembro pela editora Jaca Book (128 páginas), Riccardi retraça assim a hesitante firmeza de um papa que exibe lucidamente uma Igreja "em busca de encontros", contra os pareceres daqueles que gostariam de vê-lo enunciar princípios e reivindicações políticas.
Paulo VI, ao contrário, quer ir à ONU para dar força a uma estrutura que, em 1961, em um "acidente" aéreo, tinha perdido Dag Hammarskjöld, o secretário-geral de cujo diário (Tracce di cammino, organizado por Guido Dotti, Ed. Qiqajon, 2006) surgirá uma densidade espiritual luminosa como o vitral que Marc Chagall lhe dedicou em 1964; e que, depois do assassinato de John Kennedy, parecia ainda mais impotente do que hoje.
Paulo VI conseguiu isso, graças ao seu discurso ouvido pela primeira vez ao vivo no Concílio, com efeitos estudados por Frederick Ruozzi no seu livro Il Concilio in diretta (Ed. Il Mulino, 2012). Mas o papa também conseguiu outros três objetivos. De fato, traz novamente a Santa Sé para o centro do debate, esperando que, no entendimento com U. Thant, o retorno da China ao fórum internacional (tema este que, mutatis mutandis, também diz respeito à iminente visita do Papa Francisco e a possibilidade de um contato direto com as autoridades de Pequim). Ele demonstrou à escola intransigente que a Igreja pode estar em um fórum internacional não agitando a "natureza" como um bastão, mas como "perita em humanidade". E, finalmente, parou a tensão entre bispos estadunidenses ou não, que perpassava o debate conciliar sobre a guerra total.
Porque é verdade que "nunca mais a guerra, nunca mais a guerra" esculpe o discurso; mas poucas linhas abaixo, depois de pedir que se deixe cair as armas das mãos, ele afirma que, "enquanto o homem permanecer como o ser fraco, inconstante e mesmo mau, como se mostra tantas vezes, as armas defensivas serão, infelizmente, necessárias", pondo a palavra "fim" na discussão conciliar sobre uma condenação da dissuasão atômica que padres como Giacomo Lercaro e peritos como Giuseppe Dossetti consideravam necessária.
Na Gaudium et spes, continuará muito clara a condenação da guerra total, pronunciada antes que nos déssemos conta de que a guerra moderna é só "total": mas não haverá um julgamento profético sobre a natureza idolátrica da posse das armas atômicas que, como demonstram os estudos sobre as diplomacias no Concílio, os bispos estadunidenses temiam que enfraquecesse a estratégia anticomunista.
Afloram da análise de Riccardi as suavizações da audaciosa metáfora Igreja-ONU e os nomes daqueles que fariam a história posterior: aqueles luminosos de Pierre Duprey e Achille Silvestrini, aqueles opacos de Paul Marcinkus e Felix Morlion. Mas, acima de tudo, aflora o entusiasmo de um homem que pensa que falar à ONU é falar ao homem moderno e que louvar a sua expectativa de paz, encorajar o seu desarmamento, lembrá-lo da voz dos pobres é o "dever" do servo dos servos Deus.
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A hesitante firmeza de Paulo VI. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU