21 Setembro 2015
É simples o altar que espera pelo Papa Francisco na Plaza de la Revolución, onde, no domingo, ele vai celebrar a missa debaixo do retrato estilizado do seu compatriota Ernesto Che Guevara. Um palco amarelo, um teto branco, uma cadeira de madeira escura e veludo vermelho. No topo, uma cruz essencial. Em todo o seu redor, os símbolos da revolução, Hasta la victoria siempre, o monumento a José Martí, misturam-se com os manifestos sóbrios que lhe dão as boas-vindas em Cuba, e uma faixa colocada em cima do Teatro Nacional que mostra o Santo Padre enquanto lava os pés dos esquecidos, e o acolhe como "Misionero de la Misericordia".
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 18-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aqui o regime castrista espera receber dois presentes: o impulso para convencer os Estados Unidos a levantarem o embargo, depois da retomada das relações, e uma mensagem política que salve ao menos as intenções da revolução, se não justamente os seus resultados.
"Como nosso pai"
Alejandro veio com o seu violão, sob um pirotécnico aguaceiro tropical, para ensaiar com os jovens do coro os cantos da missa: "Os organizadores diocesanos foram muito claros: querem somente música cubana. E nós ficamos felizes por tocá-la". Ele, 30 anos, óculos, barba desgrenhada e esposa sorridente ao lado, poderia ser confundido com um animador de um oratório italiano: "Na nossa vida, já tivemos a sorte de ver dois papas, João Paulo II e Bento XVI, mas não escondo que desta vez é diferente. Sentimos Francisco muito mais próximo. Deve ser porque ele é latino, fala espanhol, vem da nossa cultura, mas é como encontrar o nosso pai. E depois há aquilo que ele fez". O quê? "A abertura com os Estados Unidos. Não sei se se entende bem de fora, mas para nós significa que a vida agora realmente pode mudar. E sabemos que isso não teria acontecido sem ele."
"Haverá um mar de gente"
Alejandro prevê que "virá um mar de gente, especialmente jovens. Muito mais do que as autoridades esperam". Sim, as autoridades. Elas querem que a visita seja um sucesso, mas não muito. Estimam que na missa do domingo virão entre 150 e 200 mil pessoas. O número é baixo, segundo fontes próximas ao Vaticano, mas há uma razão que poderia convencer muitos fiéis a ver Francisco pela TV. Para ter o bilhete é preciso dar nome, sobrenome e endereço: "Em outras palavras – disse uma fonte envolvida na organização – será um fichamento. Portanto, os católicos terão que escolher se querem professar a sua fé abertamente, escrevendo-a no papel, com o risco de depois serem observados de perto e, talvez, discriminados, ou cultivá-la intimamente, como fizeram por mais de meio século".
A dúvida de sempre: seguir a estratégia do cardeal Ortega, de Havana, que nunca colocou o regime na mira, porque era mais importante manter abertas as igrejas e os seminários, ou desafiá-lo.
Próximo dos pobres
Falando por telefone de Miami, Ofelia Acevedo, a viúva do dissidente católico Oswalda Payá, indica um caminho possível: "O papa é um líder religioso e vai a Cuba por razões espirituais. A sua pastoral, no entanto, é muito centrada nos pobres, e, infelizmente, na ilha, vemos muitos, criados por mais de meio século de ditadura".
Ofelia não pede a Francisco gestos surpreendentes: "Não, nada. O papa é uma pessoa muito sábia, conhece muito bem a situação e dirá as coisas certas. A mudança em Cuba não pode vir de fora: ela deve ser feita pelos cubanos. Mas é importante que eles sintam a proximidade de um pastor como Francisco, porque isso fará com que eles entendam que não estão sozinhos e dará a coragem de viver a fé sem medo".
Em agosto, quando o secretário de Estado dos EUA, Kerry, tinha ido em visita, Ofelia tinha lhe pedido para solicitar às autoridades cubanas a autópsia do seu marido Oswaldo, nunca publicada por não responder à suspeita de que ele foi assassinado. Ao papa, no entanto, ela não pede nem sequer isso: "Ele já sabe tudo, não precisa".
O discurso na Bolívia
Fontes diplomáticas dizem que o regime ficou muito impressionado com o discurso proferido por Francisco na Bolívia diante dos movimentos populares e esperam que ele envie uma mensagem semelhante em Cuba. Talvez sem absolver a revolução, mas reconhecendo que as intenções não eram más e que não deve ser jogada fora por inteiro.
Além disso, esperam que o pontífice, entre a parada em Havana e a de Washington, pressione os parlamentares estadunidenses para que levantem o embargo. A ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, durante uma recente visita à ilha, também explicou como: não tudo junto, mas pouco a pouco, com pequenas leis para cada medida.
Yoani Sánchez
A blogueira Yoani Sánchez, entretanto, adverte: "O papa terá que fazer um equilibrismo diplomático muito delicado para obter as coisas que ele quer para a Igreja e para a população, sem correr o risco de ser manipulado pelo regime". As Damas de Branco, parentes de presos políticos que se reúnem todos os domingos na igreja de Santa Rita em Miramar, também vão além e pedem concessões em troca de diálogo.
O regime, por exemplo, libertou 3.522 presos comuns para celebrar a visita, mas justamente no domingo passado prendeu cerca de 40 pessoas durante a procissão das Damas. Francisco sabe disso. Ele também vai se encontrar com Fidel, mas sem esquecer a história e, acima de tudo, sem perder de vista o futuro.
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Uma missa sob o retrato de Che em Cuba: a última revolução do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU