11 Setembro 2015
Gentil Corazza reflete sobre a realidade nacional à luz da primeira parte do livro “O capital no século XXI”, de Thomas Piketty e vê no filme uma alegoria sobre a desigualdade
Foto: João Vitor Santos/IHU |
O filme referido pelo professor Corazza ,”Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert (2015), conta a história de uma pernambucana que vai para São Paulo. Em busca de uma vida melhor para a filha, que fica no interior de Pernambuco, ela passa a ser babá e vive na casa dos patrões na capital paulista. Anos mais tarde, quando o filho da família vai prestar vestibular, a filha da emprega pede ajuda para ir a São Paulo para fazer a mesma prova. Quando a jovem chega na casa, começa o conflito de classes por ela não respeitar protocolos, convenções sociais. “É o que chamo de desigualdade visível e desigualdade invisível. É esse o conflito que se estabelece nessa história”, relaciona Corazza.
O professor ensaia mais relações que podem ajudar a compreender as causas da desigualdade no Brasil. A primeira delas é uma herança histórica. “Fomos baseados no latifúndio e na escravidão. Isso não tem nada a ver com mérito. Crescemos por isso”, explica. A segunda relação se dá através do próprio desenvolvimento do capital. “É a desigualdade por natureza, gerada pelo capital. Mesmo que tenhamos gerado uma nova riqueza, esta continua concentrada em poucos”.
A herança e a desinformação
Gentil Corazza destaca o trabalho de Piketty justamente por jogar luz a questão da herança, da renda que passa de pai para filho. Voltando para a realidade brasileira, vê como outro fator que mantém a concentração. “Há redução demográfica. Ou seja, com poucos filhos, a herança fica na mão de poucos”. No entanto, não se podem desconsiderar a relação de poder e força que detém essas famílias. “O capital é sempre associado a poder e força”, completa. Esses dois fatores ainda se relacionam com outro, clareando o entendimento da desigualdade nacional: a reduzida experiência democrática. “Sem o efetivo estado democrático, não há como reduzir a desigualdade. Em cinco séculos de história do Brasil, temos apenas 50 anos de regime democrático efetivo”.
O professor ainda destaca, entre causas que podem ajudar a entender a desigualdade de hoje, a carga tributária recessiva e a educação. “Não se pode ter a ilusão de que a educação vai resolver tudo, acabar com as desigualdades”, pondera. Agora, o conhecimento, a informação é algo que pode motivar uma discussão sobre o tema. Esse é outro fator, na perspectiva de Corazza. “Temos um desconhecimento da desigualdade. Agora que a Receita Federal começou a liberar dados sobre as fortunas. Por isso é tão difícil aplicar a lógica de Piketty a realidade brasileira. Precisamos saber mais sobre as fortunas, especialmente geradas pelo rentismo”, avalia.
Provocações e inspirações
Foto:adorocinema.com |
É essa dinâmica trazida por Piketty que provoca a mestranda em Ciências Sociais pela Unisinos, Jéssica Wallauer. “Nenhum economista chegou a esse ponto. Ele conseguiu mensurar a desigualdade a partir da herança e por um período tão longo”, destaca a jovem que vai trabalhar com a ideia de desigualdade na sua dissertação.
Gilmar Basso é formado em Ciências Sociais e trabalha com políticas públicas na Secretaria Estadual de Saúde. Para ele, os movimentos do autor são fundamentais para entender a conjuntura atual. “Precisamos conhecer ainda mais os meandros e mecanismos do capital. Só assim entenderemos o mercado global”, destaca ao lembrar que tem cadeira cativa nos próximos encontros do Ciclo.
A próxima conferência é “A evolução da relação capital/renda e a distribuição da renda nacional no Brasil”, com Alexandre de Freitas Barbosa, da Universidade de São Paulo. O encontro será no próximo dia 30.
Por João Vitor Santos
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“Que horas ela volta?” e a desigualdade brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU