29 Julho 2015
Os cristãos no Oriente Médio estão "mal" ou "menos mal", declarava nos últimos dias o patriarca latino Fouad Twal de Jerusalém, mas acrescentando que a condição dos palestinos na Cisjordânia, sem dúvida, é ainda melhor do que os desafios enfrentados pelos cristãos na Síria e no Iraque, especialmente aqueles que são forçados a abandonar suas casas diante do avanço dos militantes do Estado Islâmico.
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada no sítio Vatican Insider, 27-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Assistiremos ao fim do cristianismo no Oriente Médio?", pergunta o jornal New York Times no seu caderno especial Magazine do domingo, 26 de julho, intitulado "A sombra da morte".
A partir da história de Diyaa e Rana, um casal de Qaraqosh, a maior cidade cristã na planície de Nínive, no Iraque – 1.500 milhas quadrados encravadas entre o território curdo e o árabe, até o verão passado quase o celeiro do Iraque pelos seus extensos cultivos de cereais, mas também florescentes criações de gado e de aves, o centro vivo com inúmeros bares e atividades comerciais.
A história afunda as suas raízes no início da fé cristã naquela terra: no pano de fundo dos testemunhos, o terror que acompanha a disseminação das milícias do Isis, a seca dos poços (em regiões onde as temperaturas chegam a 110ºF, mais de 43ºC), as decapitações em massa, a fuga das populações para Erbil, a capital da região curda, 50 milhas mais a Norte.
A maioria dos cristãos do Iraque se definem como assírios, caldeus ou sírios, nomes diferentes para indicar uma raiz étnica comum que se desenvolveu nos reinos mesopotâmicos entre os rios Tigre e Eufrates, milhares de anos antes de Cristo. De acordo com o historiador Eusébio, o cristianismo teria chegado lá durante o século I, mas a tradição afirma que Tomé, um dos Apóstolos, teria enviado Tadeu, um dos primeiros convertidos do judaísmo, a pregar o Evangelho na Mesopotâmia.
O cristianismo cresceu em pacífica coexistência com outras tradições religiosas, como o judaísmo, o zoroastrismo e o monoteísmo de drusos, yazidis e mandeus: comunidades em conflito entre si, divididas por diferenças doutrinais que persistem ainda hoje.
Quando as primeiras tropas islâmicas chegaram à Península Arábica durante o século VII, a passagem para o domínio islâmico ocorreu sem traumas: os cristãos do Oriente gozavam de proteção, é verdade que deviam pagar a jizya (o imposto para os não islâmicos), mas ainda lhes era permitido aquilo que, de outra forma, lhes seria proibido, como comer carne de porco ou beber álcool, e os governantes muçulmanos tendiam também a serem mais tolerantes com as minorias do que os seus homônimos cristãos, e, por cerca de 1.500 anos, as diversas religiões prosperaram uma ao lado da outra.
Há 100 anos, dois fatos deram origem ao maior período de violência contra os cristãos: a queda do Império Otomano e a Primeira Guerra Mundial. O genocídio realizado pelos Jovens Turcos em nome do nacionalismo (não da religião!) deixou espalhados pelos campos ao menos dois milhões de armênios, assírios e gregos, em sua maioria cristãos. Entre os sobreviventes, os mais instruídos foram para o Ocidente, outros se instalaram no Iraque ou na Síria, protegidos pelos ditadores militares.
No arco de um século (1910-2010), o número de cristãos no Oriente Médio, em países como Egito, Israel, Palestina e Jordânia, continuou a diminuir: se no início os cristãos representavam 14% da população, agora são 4%.
Até mesmo no Líbano, o único país da região onde os cristãos detêm um significativo poder, o seu número se reduziu ao longo do último século, de 78 para 34%. As razões para o declínio devem ser contadas entre a baixa taxa de natalidade, o clima politicamente hostil e a crise econômica, mas também o medo faz a sua parte, e ao simultâneo aumento de grupos extremistas ou a percepção de que as suas comunidades já estão desaparecendo levam as pessoas a abandonarem a sua terra.
Há mais de uma década os extremistas tomaram como alvo os cristãos e outras minorias, muitas vezes vistos como emblema do mundo ocidental: no Iraque, a invasão estadunidense levou centenas de milhares de pessoas a fugir.
"Desde 2003, perdemos padres, bispos, e mais de 60 igrejas foram bombardeadas no Iraque", declara Bashar Warda, arcebispo católico caldeu de Erbil. Com a queda de Saddam Hussein, os cristãos se reduziram para menos de 500 mil (em 2003, eram mais de um 1,5 milhão).
A Primavera Árabe só piorou as coisas. Caídos ditadores como Mubarak no Egito e Kadafi na Líbia, a atávica proteção das minorias acabou, e hoje o Isis está tentando erradicar os cristãos e as outras minorias, invertendo com a força das armas a antiga história da região, para legitimar o seu empreendimento milenar, utilizando a mídia para alertar a população.
Pela primeira vez, o futuro do cristianismo na região é bastante incerto. "Por quanto tempo podemos fugir, antes que nós e outras minorias nos tornemos apenas um capítulo dentro de um livro de história?", pergunta-se Nuri Kino, jornalista e fundador de um grupo de defesa do pedido de intervenção por parte do Ocidente.
Segundo um estudo do Pew, os cristãos já estão diante da perseguição religiosa mais do que em qualquer outro momento na história. "O Isis só acendeu os holofotes sobre um problema de sobrevivência", diz Anna Eshoo, deputada democrata da Califórnia, cujos pais vieram daquela região, e que é ativamente comprometida com a defesa dos cristãos do Oriente.
Desde o início da guerra civil que estourou na Síria em 2011, Assad permitiu que os cristãos abandonassem o país: quase um terço dos cristãos, cerca de 600 mil, não tiveram outra escolha senão fugir.
Emblemática é a história de Bassam: o seu irmão Yussef se mudou para Chicago há dois anos, ainda não tem emprego, mas a sua esposa é empregada do Walmart e poderia ajudá-lo. "O que eu poderia fazer aqui? Tenho quatro filhos, não posso deixá-los morrer."
Nos últimos meses, o Conselho de Segurança das Nações Unidas se reuniu para abordar a situação das minorias religiosas no Iraque. "Se prestamos atenção aos direitos das minorias somente depois que começou o dramático genocídio, fracassamos de partida", declarou Zeid Ra'ad al-Hussein, alto comissário para os Direitos Humanos.
Foi quase impossível, afirma o NYT, que dois presidentes dos EUA – Bush, evangélico conservador, e Obama, liberal progressista – enfrentassem explicitamente a difícil situação dos cristãos por medo do choque de civilizações.
"Uma das sombras do governo Bush foi a incapacidade de lidar com esse problema, consequência direta da invasão", diz Timothy Shah, diretor do Freedom Project da Georgetown University.
Mais recentemente, a Casa Branca foi criticada por quase omitir o próprio termo "cristão": quando o Isis massacrou os coptas egípcios na Líbia no início do ano, o Departamento de Estado fez referência às vítimas simplesmente como "cidadãos egípcios".
Daniel Philpott, professor de ciências políticas da Notre Dame University, afirma: "Quando silencia sobre o fato de que o Isis tem motivações religiosas ou que mira as minorias religiosas, a prudência do atual governo parece excessiva".
Mesmo que o Isis fosse derrotado, o destino das minorias religiosas na Síria e no Iraque permanecerá desoladora: "Vivemos aqui como um grupo étnico há 6.000 anos e, como cristãos, há 1.700 anos", diz Srood Maqdasy, membro do Parlamento curdo. "Temos a nossa própria cultura, língua e tradição. Se vivêssemos dentro de outras comunidades, tudo isso desapareceria dentro de duas gerações."
A solução prática, de acordo com alguns, seria constituir um refúgio seguro na planície de Nínive, talvez gerido pela ACNUR como solução permanente, sugere Nuri Kino, ou uma solução tipo no-fly zone, embora tudo isso deva ser verificado pelo apoio internacional.
Para outros, a convivência entre fés diferentes acabou: "Não há mais tempo para esperar por soluções", afirma o padre Emanuel Youkhana, à frente do Christian Aid Program no norte do Iraque. "O Iraque é um casamento forçado entre sunitas, xiitas, curdos e cristãos, e não foi bem-sucedido. E eu, como sacerdote, prefiro o divórcio."
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É o fim do cristianismo no Oriente Médio? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU