26 Junho 2015
"Por ora, Francisco exorta todos nós para que saiamos de nós mesmos e consideremos a nossa parte na criação de Deus bem como a maneira como a temos destruído. Laudato Si’ insta-nos a considerar a criação, com reverência e um senso de responsabilidade, e não de dominação", escreve Kerry Weber, editora executiva da revista America, autora do livro "Mercy in the City", em artigo publicado pela revista America, 18-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Quando eu tinha uns 8 anos de idade, comprei um exemplar de um livro “50 Coisas Simples que as Crianças Podem Fazer para Salvar a Terra” (The Earth Works Group, José Olympio Editora, 2005). Li do início ao fim e, em seguida, busquei colocar em prática as suas sugestões, como as de fazer casinhas de passarinhos com os frascos de leite, tentar convencer meus pais a colocarem um tijolo na caixa do vaso sanitário (de forma a gastar menos água) e escrever cartas sobre como salvar os golfinhos em casos de derramamento de petróleo ao presidente George H.W. Bush (esta última era uma ideia de minha própria autoria).
Nos anos que se seguiram, embora eu tenha reciclado e tentado usar os recursos com sabedoria, devo admitir que o meu fervor para as questões ambientais diminuiu um pouco. Não é que eu não me importo mais, é que os problemas ambientais do nosso planeta podem parecer menos urgentes do que as necessidades imediatas dos pobres da minha comunidade ou do meu o desejo de assistir a nova temporada de “Orange is the New Black”. Mas, hoje (18 de junho), um outro volume – um pouco mais longo – tirou-me de minha complacência.
Neste momento, temos a Laudato Si’, uma profunda, poderosa e bela encíclica do Papa Francisco que me lembrou, repetidas vezes, de que o nosso uso da tecnologia, o amor aos pobres e o cuidado para com o nosso meio ambiente estão integralmente ligados, e que o cultivo do amor e do respeito por toda a criação de Deus é, de fato, uma preocupação oportuna e atemporal.
Laudato Si’ é um documento esperançoso em que Francisco convida todas as pessoas a “[renovarem] o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta” (n. 14), e ele recorre à sabedoria das Escrituras, dos bispos, dos filósofos e da ciência para moldar esta conversa. Mas, talvez o mais surpreendente, é que ela – a carta encíclica – também aponta para o exemplo dos jovens de hoje: “Os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos” (n. 13).
É inspirador ver Francisco identificar o fato de que muitos jovens estão vivendo os ensinamentos do Evangelho desta forma e que possuem um desejo de fazer a diferença. Este reconhecimento provavelmente será apreciado pelos jovens que ele descreve em seu texto, muitos dos quais se enquadram na geração millennial. Uma pesquisa feita pelo Deloitte Millennial Survey, em 2014, constatou que os millennials citavam o desemprego, a escassez de recursos, as alterações climáticas/a proteção do meio ambiente e a desigualdade como os quatro principais desafios que a sociedade enfrentará nos próximos 5-10 anos. Apropriadamente, o Papa Francisco aborda cada um destes problemas em Laudato Si’ e, ao assim proceder, ele tanto reafirma como desafia esta geração frequentemente discutida (e muitas vezes difamada) da qual sou membro. Para este grupo diverso de jovens à procura de soluções para tais problemas, a nova encíclica oferece ideias enraizadas na fé. Aqui apresento alguns exemplos:
Ela exorta-nos a reconhecer o poder da verdadeira conexão. Os millennials são participantes dispostos da economia da partilha. Partilhamos passeios através do sítio eletrônico Uber e quartos através do Airbnb. Vivemos em comunidades intencionais e partilhamos os nossos sentimentos em comunidades virtuais. Este uso cuidadoso dos recursos está certamente em harmonia com o lembrete de Francisco de que a “abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social” (n. 49). No entanto, Francisco também adverte que, enquanto as novas mídias podem nos conectar aos outros, elas também podem impedir-nos de “tomar contato direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal” (n. 47). Em Laudato Si’ somos desafiados a lembrar que “todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros” (n. 42) e que “esta experiência de salvação comunitária é o que muitas vezes suscita reações criativas para melhorar um edifício ou um bairro” (n. 149). Somos convidados a reconhecer a realidade do amor que devemos ter uns pelos outros, se quisermos enfrentar os verdadeiros problemas adiante.
Ela coloca um alto valor na diversidade. A diversidade étnica e cultural entre os membros da geração millennial é inédita entre as gerações na história americana. Apreciamos ouvir as perspectivas de uma variedade de culturas, e o Papa Francisco apresentou um leque diversificado de vozes sobre o tema da criação. Esta sua encíclica tem um toque internacional que apela a outras tradições religiosas, bem como a Igreja global, citando as conferências episcopais da Nova Zelândia, do Brasil, da África do Sul e muitas outras. O documento igualmente enfatiza a importância da biodiversidade e da necessidade de proteger as espécies ameaçadas. Francisco escreve: “Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer” (n. 33). Os millennials estão abertos ao entendimento de que o equilíbrio dos nossos ecossistemas e da sociedade depende de um respeito por essa diversidade.
Ela expressa um apreço pela inovação. Os millennials são provavelmente a última geração que estará familiarizada com o som de um modem de 56K e com a voz da Siri [referência ao aplicativo Siri de certos aparelhos celulares]. Temos visto como a tecnologia pode mudar e quão rápido ela pode transformar vidas. Nós também apreciamos os benefícios da tecnologia, benefícios que – lembra-nos Francisco – nos ajudaram a sobreviver e a prosperar neste mundo: “É justo que nos alegremos com estes progressos e nos entusiasmemos à vista das amplas possibilidades que nos abrem estas novidades incessantes” (n. 102). No entanto, ele também adverte que a tecnologia pode levar a uma espécie de desconexão trágica, distraindo-nos do que é importante e nos separando da natureza e do outro. Muitas vezes, a tecnologia “é incapaz de ver o mistério das múltiplas relações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um problema criando outros” (n. 20). Francisco insta a nos lembrar daqueles momentos em que nos sentíamos ligados à Terra: “Quem cresceu no meio de montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade” (n. 84).
Ela faz um convite à humildade. Muitos podem achar isso um convite apropriado para uma geração muitas vezes rotulada de narcisista e protegida. Outros podem dizer que possuímos apenas uma autoconfiança e uma autoconsciência suficientes para fazermos progressos em questões difíceis. Por ora, Francisco exorta todos nós para que saiamos de nós mesmos e consideremos a nossa parte na criação de Deus bem como a maneira como a temos destruído. Laudato Si’ insta-nos a considerar a criação, com reverência e um senso de responsabilidade, e não de dominação. A encíclica cita um discurso de 2008 do Papa Bento XVI, lembrando-nos de que “o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos” (n. 6). Devemos seguir o exemplo de São Francisco em sua “renúncia a fazer da realidade um mero objeto de uso e domínio” (n. 11).
Ela incita maiores esforços em nome da igualdade e solidariedade. “Precisamos de nova solidariedade universal” (n. 14), escreve o Papa Francisco. Isso pode significar que alguns de nós devem aprender a viver com menos. Pode significar banhos mais curtos e eliminar o desperdício de alimentos. Pode significar mudanças nas políticas públicas e em acordos internacionais. Também pode significar que devemos trabalhar para encontrar valor nas coisas que não o lucro, um conceito com o qual muitos millennials estão muito familiarizados, na medida em que muitos procuram um trabalho significativo em vez de grandes contracheques. “Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos” (n. 190). O cuidado verdadeiro da criação, então, começa nas nossas conexões com os outros: “Exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade” (n. 91).
Ela lembra-nos de que estamos aqui para um compromisso de longo prazo. Para uma geração acostumada a assistir a transmissões gratuitas instantâneas de eventos em vídeo, saber que podemos não ver os resultados do nosso trabalho por um planeta mais limpo, mais pacífico pode ser frustrante. Mas isso também faz parte da alegria. Através das nossas ações nós nos conectamos com as gerações anteriores, que cuidaram da terra em nosso nome, e com as gerações que virão depois, que herdarão este planeta. Francisco escreve que “nós, crentes, não podemos deixar de rezar a Deus pela evolução positiva nos debates atuais, para que as gerações futuras não sofram as consequências de demoras imprudentes” (n. 169). Laudato Si’ deixa claro que todos devemos desempenhar um papel em salvar a Terra de nós mesmos, e que esses esforços devem ser deliberados, em oração e mesmo feitos com alegria. “Juntamente com todas as criaturas, caminhamos nesta terra à procura de Deu” (n. 244), escreve Francisco. “Caminhemos cantando”. Assim, em meio a nossas vidas confusas, somos lembrados que, apesar de os nossos esforços para salvar a terra nem sempre serem simples, eles vão sempre valerão a pena.
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Por que Laudato Si’ é a encíclica perfeita para os millennials - Instituto Humanitas Unisinos - IHU