15 Junho 2015
A Capela Cornaro, na igreja romana de Santa Maria della Vittoria, é um palco repleto de atores, petrificados no ápice da ação dramática. Entrar nela significa tocar os "forros" fantasmagóricos com que o diretor remediou algumas lacunas dos já espetaculares e muito coloridos mármores antigos, tornando-os ainda mais pirotécnicos.
A opinião é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 11-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Gian Lorenzo Bernini, provavelmente, não teria gostado: como todos os mágicos, ele não revelava os seus truques. Mas é impossível ficar longe dos andaimes sobre os quais Giuseppe Mantella e Sante Guido (entre os melhores restauradores de escultura com que a Itália conta) estão limpando a Capela Cornaro, na igreja romana de Santa Maria della Vittoria: onde Teresa de Ávila geme de prazer e morre para sempre, eternamente traspassada pela flecha flamejante do amor de Deus.
A capela é um palco repleto de atores, petrificados no ápice da ação dramática. Entrar nela significa tocar os "forros" fantasmagóricos com que o diretor remediou algumas lacunas dos já espetaculares e muito coloridos mármores antigos, tornando-os ainda mais pirotécnicos.
Significa descobrir que foi ele, Bernini, em pessoa, que esculpiu o grande capitel do pilastre da esquerda: entre cujas folhas se contorce uma minúscula arvorezinha, espetacularmente autografado.
Mas, acima de tudo, esgueirar-se por trás dos bastidores permite descobrir os traços dos ajustes de última hora: justamente aquele esforço que o diretor-prestidigitador quisera apagar para sempre.
A mão direita de Teresa é uma informe massa de mármore, mas tem três dedos espetacularmente cinzelados: claramente executados à parte e colados em um segundo momento. Estupefaciente, já que todo o resto do grupo (Teresa e o anjo) está esculpido em um único e enorme bloco. Talvez fruto de uma ruptura posterior? Não, o achado de um consumado ilusionista: enquanto o grupo não foi elevado à altura estabelecida, Bernini não estava certo do que se veria daquela mão. Mas ele precisava, em vez disso, que se visse: para dar uma borda legível ao oceano de panos em tempestade que suga o corpo da santa.
Portanto, fixou os dedos apenas estando lá em cima, movendo-os até encontrar o ponto a partir do qual eles podiam entrar no campo visual do espectador: "Tudo é falso para que tudo pareça real" era o seu lema.
Mas se cada coisa estava predisposta com sabedoria, por que – com aparente desperdício de tempo e de trabalho – o anjo e Teresa estão perfeitamente trabalhado também nos lados, ou seja, onde nenhum olho, de baixo, pode ver? Eis a prova de que o grau de rotação das figuras em relação à parede só foi decidido no último momento: não se podia correr o risco de pôr à mostra, e justamente ali, qualquer detalhe incompleto.
Sempre caminhando sobre o fio, porém, a equipe de Bernini, às vezes, também caía. Os cardeais Cornaro que se assomavam à direita de quem olha foram esculpidos em uma única e longuíssima laje de mármore: uma exibição ostentosa de virtuosismo. Pontualmente punida, porém: porque as medidas não se encaixaram e foi preciso se acomodar para retrabalhá-las in loco (os cacos de mármore ainda estão lá atrás: comoventes), em seguida, colocando-os depois com cuidado em uma cavidade de estuque.
Finalmente, são justamente os dois celebérrimos atores protagonistas que aparecem sob uma luz nova. Quem diria que ao maravilhoso querubim faltava toda a metade anterior do pé direito? Pé que afunda na base de mármore, assim como, no verão, o pé de uma criança desaparece na água do mar.
Mas Teresa também tem algum segredo para revelar: só vendo-a de frente, entende-se que ela também veste o grande manto branco das carmelitas, perfeitamente reproduzido com muitos alfinetes, a ponto de se assemelhar a um desenvolto botão alamar.
Uma vez sobre os andaimes, é impossível não pensar no primeiríssimo palco, aquele sobre o qual subiram Bernini e os seus ajudantes. As biografias dizem que, quando Gian Lorenzo estava lá em cima, sempre era preciso manter um jovem perto dele: porque ele tendia a devanear e corria o risco de cair lá embaixo. Para aqueles que tentavam chamá-lo de volta à realidade, ele respondia: "Deixem-me em paz, porque estou apaixonado".
Quase 400 anos depois, essa paixão ainda torna ardente o ar da Capela Cornaro.
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O ''mágico'' Bernini e a sua Santa Teresa. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU