Por: André | 11 Junho 2015
Vladimir Putin está pronto para explicar ao Papa Francisco a postura de Moscou na crise ucraniana. A afirmação é do porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, citado pela Tass. “Se o Papa mostra interesse – declarou Peskov – não há dúvida de que o presidente estará disponível para esclarecer detalhadamente a posição da Rússia”.
A reportagem é de Gianni Valente e publicada por Vatican Insider, 09-06-2015. A tradução é de André Langer.
A visita desta quarta-feira de Vladimir Putin ao Vaticano, pela segunda vez com o Papa Francisco, concretizou-se nas agendas reservadas das diplomacias russa e vaticana nas últimas semanas. Como aconteceu na primeira vez, também nesta ocasião foi o “Czar Putin” quem quis acrescentar uma etapa romana, que inicialmente não estava prevista em sua visita à Itália, aos encontros que terá em Milão (onde participará da Expo Internacional) com a intenção de poder falar novamente com o Bispo de Roma. O pedido foi aceito rapidamente e o encontro com o líder russo foi incluído sem pestanejar na agenda cheia do Papa Francisco.
A rápida disponibilidade do Vaticano representa em si mesma um sinal eloquente: confirma que o Papa e sua diplomacia não se prestam a fazer parte do “cordão sanitário” que alguns círculos ocidentais quiseram estender ao redor da Rússia de Putin. As iniciativas do Papa Francisco e de sua diplomacia vaticana em relação ao conflito sírio, a partir do dia de jejum e oração de 07 de setembro de 2013, encontraram-se em sintonia objetiva com a estratégia diplomática russa, que desmantelou pouco depois a ameaça de uma intervenção militar externa na Síria e permitiu que Assad começasse o processo de destruição de seu arsenal de armas químicas.
A quase dois anos de distância, as frentes de colisão entre a Rússia e muitos países ocidentais de tradição norte-atlântica se multiplicaram. Mas justamente ao redor dos casos mais incandescentes permaneceu um canal de diálogo e de colaboração entre o chefe do Kremlin e o sucessor de Pedro, e encontrou novos terrenos para sua aplicação. Na espiral de hostilidades entre a Rússia e os países ocidentais, em relação à crise ucraniana, as palavras do Papa Francisco não acabaram presas na mecânica das recriminações recíprocas. Os líderes russos, tanto políticos como eclesiásticos, expressaram publicamente seu apreço pelas frases utilizadas pelo Papa em relação ao conflito e sobre a “terceira guerra mundial em capítulos”.
No final de abril, o próprio Patriarca Kirill elogiou a postura da Santa Sé sobre a crise na Ucrânia: “O Papa Francisco e a Secretaria de Estado”, indicou o Primaz da Igreja russa, “tomaram uma posição autorizada em relação à situação na Ucrânia, evitando afirmações unilaterais e invocando o fim da guerra fratricida”.
Também a polêmica que a Turquia desencadeou contra a Santa Sé depois das palavras do Papa em relação ao genocídio armênio foi uma ocasião para que Putin expressasse publicamente seu apreço pela “visão de jogo” do Pontífice: “Considero – disse o presidente russo no dia 16 de abril passado conversando com a imprensa – que o Papa tem tamanha autoridade no mundo que encontrará a maneira para obter compreensão com todas as pessoas da Terra, prescindindo de sua pertença religiosa”. Outro sinal de que em Moscou o atual Bispo de Roma não é considerado uma espécie de capelão do Ocidente.
É fácil prever que a crise na Ucrânia será um dos principais assuntos na conversa entre o Papa Francisco e Putin, além da violência que se estende pelo Oriente Médio e que provoca também o sofrimento das Igrejas enraizadas nessas terras desde a pregação apostólica. Com o recrudescimento do conflito sírio, reforçou-se o interesse pelas vicissitudes das Igrejas do Oriente Médio por parte da Ortodoxia russa e do Kremlin. A necessidade de proteger os cristãos nos países árabes é, agora, um dos pontos fundamentais da agenda de Putin, que, após as décadas ateias do comunismo soviético, reivindica o papel (de caráter “neoczarista”) de protetor dos cristãos do Oriente (enquanto vai se eclipsando o tradicional “protetorado” que no passado a França exercia em relação às comunidades católicas do Oriente Médio).
Por outro lado, em suas intervenções, o Papa Francisco não ofereceu nenhum ponto de apoio para que os círculos ocidentais (e inclusive na própria Rússia) que instrumentalizam as desgraças e perseguições dos cristãos do Oriente fomentem sentimentos islamofóbicos. Mesmo as palavras mais recentes pronunciadas em Sarajevo, diante das feridas ainda abertas dos conflitos étnico-religiosos que destroçaram o coração da Europa no final do século passado, confirmaram que a perspectiva geopolítica do Papa Francisco não quer “Santas Alianças” com as potências do mundo, mas oferecer a própria contribuição desinteressada para erradicar e prevenir as causas dos conflitos. Mantendo distância de todos aqueles que tentam encobrir com ideologias étnico-religiosas os interesses de poder real provocados pelos próprios conflitos (a começar pelo tráfico de armas, denunciado insistentemente pelo Papa em suas pregações, e a luta pelo controle dos recursos naturais do planeta).
Como jesuíta, o Papa Bergoglio sabe muito bem que a Rússia, assim como a China, são atores protagonistas da história e que como tais não podem ser excluídos de nenhuma tentativa sincera de criar uma estabilidade compartilhada na globalização. E, no horizonte de seu enfoque evangélico sobre os problemas do mundo, não deveria excluir uma viagem apostólica a Moscou, pelo que manifestou interesse desde os primeiros meses do seu Pontificado. O diplomata russo Yuri Ushakov, conselheiro de Putin, acaba de declarar que no encontro entre Putin e o Papa “falarão sobre possíveis contatos posteriores”, mas disse que não sabia se Putin convidaria o Papa para Moscou. Este tema, recordou, não compete somente ao Estado, mas também à Igreja ortodoxa russa.
Paradoxalmente, os que estão mais preocupados com o êxito que a figura do Papa Francisco está tendo entre os russos são alguns altos hierarcas do Patriarcado de Moscou. E no Vaticano deixou uma péssima recordação a intervenção do Metropolita Hilarion Alfeyev durante o último Sínodo sobre a Família. Não se trata, atualmente, de um Patriarca, mas de um “ministro de Relações Exteriores” do Patriarcado de Moscou. Naquela ocasião, Hilarion aproveitou a hospitalidade vaticana para atacar fora de lugar a Igreja greco-católica ucraniana. E sabe-se que o Patriarcado de Moscou negou-se a avançar no caminho ecumênico do ponto de vista do diálogo teológico (no qual jogam um papel preponderante os teólogos do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla), privilegiando a linha da “aliança” entre as Igrejas na defesa dos valores morais.
O atual sucessor de Pedro manifestou concretamente a disponibilidade de “aprender” com a eclesiologia dos irmãos ortodoxos. Mas no mundo ortodoxo, no momento, justamente a Igreja russa parece ser a menos disponível para aproveitar o momento propício e deixar no passado determinados cálculos contábeis de funcionários do sagrado.
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As convergências entre o Papa e Putin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU