01 Junho 2015
José Claudio Alves destaca que essa concepção militarizada quer imprimir uma ordem urbana, mas só para alguns. Na verdade, gera tensões e conflitos para corporação e população
A capa do jornal carioca Extra, de 21 de maio, materializa uma situação trazida pelo sociólogo José Claudio Alves (foto abaixo) em sua conferência no Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, realizada na quinta-feira, 28-05. No topo da página está a manchete que destaca a morte de um médico, esfaqueado enquanto andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Mais abaixo, é lembrada a morte de dois jovens em comunidades cariocas em uma das ações da PM. O primeiro crime choca, o segundo é mais comum e virou rotina. Para Alves, os fatos mostram os efeitos de uma polícia militarizada que busca impor uma ordem na Metrópole. “Mas essa ordem só existe para alguns”, destaca, ao lembrar que enquanto a classe média se choca com latrocínios na zona sul, a polícia entra nas comunidades matando e morrendo para impor suas regras.
Foto: João Vitor Santos/IHU |
Desmilitarização
O debate sobre a desmilitarização da polícia emerge pós-manifestações de junho de 2013. Para Alves, “porque a classe média experimentou um pouquinho do gosto de como age a PM”. Por isso, considera importante o momento para “pegar carona no debate”. Mas destaca que ainda é preciso mais. “É errado pensar que para combater o tráfico é preciso repressão, guerra. É uma questão de saúde, de desenvolvimento de uma série de políticas para mudar a realidade das comunidades.” Dentro das corporações, há algumas iniciativas, algumas pessoas que começam a questionar o sistema depois de provar da angústia gerada por ele. “São ações pequenas, mas que devem ser destacadas.”
A desmilitarização não é tarefa fácil. O professor lembra que vai além de realinhamentos institucionais ou jurídicos. “Tirar as ‘divisas’ da polícia não resolve. Mas pode ser um começo.” Para ir além, é preciso políticas que mexam nas estruturas, criando uma polícia não de repressão, mas horizontalizada, disposta a dialogar e reconhecer a comunidade em que se insere. “Difícil, o cenário é complicado. Mas o cenário está posto.”
Medo. Do traficante ou da milícia
José Claudio Alves destaca que apenas 7,8% dos homicídios do estado do Rio de Janeiro são investigados. Ou seja, a polícia que mais mata e morre sequer vai atrás das razões dos crimes. Nas comunidades, nenhuma novidade: morrem negros, jovens, com ligação ou não com o tráfico de drogas. “A polícia que desarma e desmonta uma facção é a mesma que vai vender armas e oferecer aquela área para outra”, destaca.
Estarrecido com o relato, o jovem comerciário de São Leopoldo Angelo Borba, de 29 anos, questiona: “vimos recentemente, nos Estados Unidos, casos em que a polícia matou jovens negros e toda uma comunidade se rebelou. Por que aqui no Brasil não vemos isso?”. Para Alves, são marcas de uma dimensão social que causa imobilismo. “O Brasil tem uma dimensão social com os negros diferente dos Estados Unidos e, por aqui, as mortes de negros não têm repercussão. Dentro da comunidade, as pessoas têm medo e não se expõem. Ou por medo dos traficantes ou mesmo da milícia e de policiais que atuam ali. É outra dimensão”, explica.
Graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque, é mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. É professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do ISER Assessoria.
Por João Vitor Santos
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Uma polícia militar e a lógica da guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU