15 Abril 2015
Bruno Cava destaca que chegamos a um momento de desertificação. Para ele, é preciso pensar para além e ver esse lugar não como vazio, mas como ecossistema.
A terceira conferência do Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, abriu com provocações para se pensar “o comum”. Bruno Cava (foto abaixo), da Universidade Nômade, incita a pensar o momento atual como um deserto, na ideia de êxodo de escravos que fogem para esse local. Sua fala é inspirada pelo texto de Jorge Luis Borges, que fala da disputa de príncipes por um reino. Desafiados a transpor labirintos, os aspirantes ao trono se veem em meio a um deserto. É a analogia para pensar o momento como a desertificação em que a sociedade se coloca na atualidade. “É o deserto, do capitalismo e do socialismo, da política, da representação... Gera crise, coloca tudo fora de órbita. Algo com que nem a esquerda consegue lidar”, completa.
Foto: João Vitor Santos/IHU |
E como lidar com esse instante? “Caímos no deserto, e agora? Vamos morrer aqui?”, provoca. Cava apresenta duas perspectivas que não servem ao comum e à Metrópole. A primeira encara como fim de tudo e que resta apenas minimizar os impactos. Já a outra é mais fatalista e diz que não há o que fazer. “Há uma saída: o discurso do comum, que encara o deserto, mas não como um vazio, morto, e sim como ecossistema que abre a possibilidade de convergência”, aponta.
O velho morreu e o novo não nasceu
Bruno Cava assume definitivamente a pós-modernidade como uma espécie de marco zero. Como se tudo que já se tivesse construído não coubesse mais e a busca por saídas tem de essencialmente ser inventada. “É como pensar na sentença de Gramsci, que diz que o velho está morrendo, mas o novo ainda não nasceu. É nesse instante que estamos.” Para ele, a saída é encarar o terreno do conflito, problematizar e “abandonar os tabus”. Os exemplos que traz auxiliam nessa ideia, como o Zapatismo.
O Zapatismo traz consigo essa ideia de luta, guerrilha, mas, segundo ele, também traz a perspectiva dos usos de todo arsenal midiático. “Eles são os maias, mas só que no mundo novo. E ao mesmo tempo. Conflagram suas lutas, mas vão para internet, se articulam em rede. São lutas que falam de outra globalização”, explica. Outro exemplo: a Primavera Árabe. Para Cava, houve a tentativa de desqualificação do movimento. Falou-se numa revolta apenas pelo pão. “Não é isso. Há uma congregação muito grande. Ocupam um território a partir de um movimento em rede que vai inspirando e contaminando o mundo todo, até o Brasil. E pensar assim não é ver de uma forma colonizadora.”
Das perspectivas de 2013 a 2015
Com a inspiração desses movimentos, Bruno Cava chega no Brasil. Primeiro, 2013, momento que observa como a eclosão. Há a articulação e a tomada do espaço público, com a pauta de reivindicações plurais. “E com isso surge toda a incompreensão e tentativa de criminalização.” Mas o que de fato distancia e aproxima essas primeiras manifestações com as deste ano? “Temos o processo de eleição no meio. Ele achata a multiplicidade em dois moldes”, explica. Assim, passa-se do momento de incompreensão para a redução, sem a compreensão. O binarismo polariza e tensiona de forma arbitrária a busca pelos espaços do comum.
E o comum
Bruno Cava encerra sua fala com a provocação: pensar o comum da perspectiva do diferente. Como se hoje se tivesse chegado ao estiramento do colapso e a partir daí se começa a reconstrução. “E não é algo que parte do zero. O comum, por exemplo, não pode ser dissociado da ideia de capitalismo. Mas também não pode fazer apenas a história do capitalismo. É preciso evoluir na emergência de outro mundo”, aponta.
O comum, aquele a que a Metrópole se refere, vai partir da perspectiva das lutas. “No comum, é falar do ponto de vista da fábrica. Mas é falar das novas lutas. Algo para além do fordismo, como novas lutas do fordismo. Lutas que hoje são da Metrópole e não mais só da fábrica.”
O conceito de Cava sobre o comum é posto em movimento no case que traz de Belo Horizonte. Lá, emergem coletivos que das suas individualidades tecem o comum como “algo constituinte”. Um desses coletivos trazidos é a Praia, que faz nascer uma praia – literalmente – em plena Belo Horizonte a partir de um espaço que o poder público ensaiava destituir e tirar do domínio das pessoas, do comum. Ali, para além do ato panfletário, é espaço de debate e fruição de ideias. “E comum é isso. Nele não há algo de meramente reclamatório para buscar o atendimento de reivindicações na forma clientelista. Ele toma o espaço e é propositivo. Quer mais, faz diferente, vai além”, pontua.
É graduado e pós-graduado em Engenharia de Infraestrutura Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, é também mestre em Direito na linha de pesquisa Teoria e Filosofia do Direito. É blogueiro do Quadrado dos loucos e escreve em vários sítios; ativista nas jornadas de 2013 e nas ocupas brasileiras em 2011-2012; participa da rede Universidade Nômade e é coeditor das revistas Lugar Comum e Global Brasil. Atualmente, é professor na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
Ecos do evento
Foto: João Vitor Santos/IHU
Theo Lima, aluno do Programa de Pós-Graduação de Geografia da UFRGS.
“O debate foi muito importante porque reforçou, especialmente agora no final, a necessidade de pensarmos e criarmos coisas novas. São rupturas - como essa do repensar o colonial, pensar que nos movimentos de 2013 fomos colonizados pela Primavera Árabe, quando não é isso – que só podem ser feitas a partir do pensamento de comum, baseado em Negri.”
Priscila Vargas de Freitas, aluna do 9º semestre do curso de Psicologia da Unisinos.
“O evento foi muito importante. Agora, estou me informando, buscando informação para além da mídia e dos veículos de comunicação. Busco muito esses eventos para aprender mais. Hoje, aqui, viemos com a turma toda. Estamos aproveitando esses espaços para levar a aula para fora da sala.”
Tainá Viana, aluna do 1º semestre da graduação em Direito da Unisinos.
“Sou de Taquara e conheço os movimentos lá. Como é uma cidade lá do interior, nós começamos a sair para rua agora. Percebo que as pequenas cidades estão se articulando a partir de agora. Antes, não saíam para a rua com medo de ficarem marcadas. Tem mesmo é que sair. Mas acho que tem muita gente e se perdem um pouco, pois se luta por tudo e por nada ao mesmo tempo.”
Carolina dos Reis, doutoranda em psicologia da UFRGS.
“Vejo um processo de luta como um processo narrativo, com seus discursos. O que percebo muito é que para as pessoas é a narrativa de opressão, tirando poder delas. Elas são vistas como uma não potência para pensar outras narrativas para além das que são propostas.”
Marcelo Soares, sociólogo, UFRGS.
“Os últimos movimentos das ruas me fazem pensar a sentença de Gramsci: ‘o velho está morrendo, mas o novo ainda não nasceu’. E nesse meio tempo surgem os monstros. Pensar os movimentos apenas pela ameaça do fascismo é como uma forma de tolher esse movimento comum, é reduzir o momento.”
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A emergência do comum: da perspectiva de deserto à visão de ecossistema vivo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU