Por: Jonas | 17 Março 2015
Héctor Augusto Pombo servia, em 1977, na Base Aeronaval de Ezeiza. Tinha 18 anos. Após um período de instrução, em Punta Indio, passou a fazer tarefas administrativas com oficiais de carreira em um hangar. Não sabia sobre a mecânica de aviões, mas, sim, conheceu, por exemplo, o DC3, um dos aviões dos voos da morte. Sabia reconhecer o som e teve calafrios, certo dia, em pleno voo, quando um suboficial parado em frente à porta aberta bateu em suas costas e lhe disse que com um empurrão lançavam os paraquedistas. Hoje, Pombo tem 57 anos. E um aspecto espantoso na voz. Na semana passada, por videoconferência, de Mendoza, falou a respeito de tudo isto para os juízes do caso ESMA, mas sua contribuição mais importante foi outro relato sobre os caminhões da morte.
A entrevista é de Alejandra Dandan, publicada por Página/12, 16-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual era sua função em Ezeiza?
Em 1977, atuei no serviço militar, com a instrução em Punta Indio e, em seguida, enviaram-me para Ezeiza. Colocaram-me para trabalhar em um escritório, com alguns oficiais, ajudando um cabo em tarefas administrativas. Na realidade, os escritórios faziam parte do hangar onde estavam os aviões. E o chamativo, o que na realidade declarei, a coisa estranha que me aconteceu, é que nós habitualmente fazíamos a vigilância. Eu fazia menos que os demais, porque aqueles que vinham das províncias não iam para suas casas. Eu ia todos os dias para minha casa e retornava. Eles ficavam na vigilância.
O que aconteceu?
Em duas ou três oportunidades, retiravam os recrutas da vigilância. Substituíam-nos por militares de carreira, digamos. Fechavam-nos no local onde dormíamos. Colocavam marinheiros na porta para que não pudéssemos sair. E nas janelas. E diziam que não podíamos sair. Isso que acontecia nos impressionava muito: por que nos fechavam? Então, todos nós íamos para as janelas, que ficavam nos banheiros, para ver o que está acontecendo. E pela guarda entravam caminhões com pessoas. Iam para o hangar e após certo tempo saíam os aviões e daí os caminhões eram retirados. Nós, eu, pensávamos naquele momento que se tratava da transferência de presos. Que eram levados para outra província, para outro lugar. Assustavam-nos muitíssimo. Os marinheiros nos diziam que não podíamos nem falar, nem perguntar, que caso nos visse olhando pelas janelas... Isso é o que mais se destacava: o medo, a forma como nos assustavam. O que víamos não nos parecia tão grave, mas, depois, com o passar dos anos e com as coisas que se tornaram conhecidas, os fios foram sendo ligados e se viu o que poderia ter ocorrido.
O que você entendeu daquilo?
Com os anos, quando se começou a falar dos voos da morte, eu entendi o que deveria ser aquilo. Por causa dessa coisa de tanto medo que eles geravam. Não podíamos olhar. Ninguém podia perceber que olhávamos esses caminhões com pessoas. Aqueles que trabalham na causa ESMA sabem que os Electras, os DC3 e os helicópteros foram usados nos voos da morte, pois cumpriam duas condições principais: autonomia de voo e capacidade de lançar carregamento em voo. A Base Aeronaval de Ezeiza (BAEZ) é um dos lugares de decolagem que está sendo investigado. Ezeiza era a sede da Segunda Esquadrilha Aeronaval de Apoio Logístico Móvel (EA52) com aeronaves Fellowship Fokker F-28, Hawker Siddeley HS-125 Domine e Douglas DC3. A esquadrilha pertencia à Força Aeronaval 3. Um dos acusados deste processo é Rubén Ricardo Ornello, suboficial aposentado, mecânico aeronáutico dessa esquadrilha aeronaval.
O que chegaram a ver dos caminhões? A que horas eram?
Perguntaram-me isso no julgamento. Um advogado (da defesa) insistiu muito. Pedia-me muitos detalhes. Eu lhe expliquei qual era a situação, que era à noite. Que quase não podíamos ver. Que os rapazes se amontoavam, empurravam-se. Diziam: ‘o caminhão! Caminhões com gente!’. O advogado me questionava cada vez com maiores detalhes e, na realidade, acredito que queria me levar a um nível de detalhes a respeito do qual havia dito que não sabia.
Conseguiam ver a transferência dos caminhões para o avião?
Não, porque os caminhões faziam um percurso por fora, no caminho para o hangar, por fora. A entrada nos hangares era por trás. Não se vê nada desse ponto. O que se ouvia é que mais ou menos uma hora mais tarde os aviões saíam.
Quais aviões eram? Você mencionou os DC3.
Eu não entendia de aviões, de mecânica. O que acontece é que passei um ano ali. Sim, posso reconhecer em uma foto qual era o avião. Eu viajei nesse avião. Levaram-me uma semana para Ushuaia. Eu viajei nesse avião. Podia-se viajar com a porta aberta. E havia uma espécie de alça para segurar. E era possível ficar na porta, agarrado.
Você precisou viajar agarrado?
Na realidade, um suboficial, acredito que estava lá, mostrou-me que era possível segurar ali. E eu fiquei muito impressionado porque me tocou nas costas e me disse que com um empurrão lançavam os paraquedistas. Que era assim.
Poderia dizer, então, se o som do avião era o mesmo daquele que ouviam decolar?
Sim, sim.
Era familiar?
Não era habitual que decolassem aviões à noite. E isso coincidia com aqueles momentos. Eu amarrei as coisas depois, quando as coisas passaram a ser conhecidas. Os momentos que ficávamos fechados, essa coisa tão perigosa dos caminhões, o horário de saída e o fato de que depois os caminhões iam embora.
Com que frequência isto ocorria?
Eu fiz poucas vigílias. Deduz-se que se eu, que ficava pouco na vigilância, vivenciei isto três vezes, os demais rapazes, que vigiavam muito mais, teriam visto mais.
Quais foram os dias que você ficou na vigilância?
Não, não sei.
Quantas pessoas podiam entrar no avião?
Este não tinha assentos. Tinha dois ou três espaços. Era para um grupo grande. Podiam ir como nos filmes em que os paraquedistas vão no chão e nas laterais. E vão se aproximando da porta. É um avião pequeno.
Vinte pessoas?
Daí para mais.
Os sobreviventes mencionam que quando os guardas chamavam os presos para a remoção, os grupos podiam chegar a quarenta pessoas.
Talvez, sim. A memória é muito difusa. Entram caminhões com pessoas. O som do caminhão, sim, notava-se, porque o som de quando vai carregado, cheio, e de quando vai vazio, notava-se. Vai mais rápido quando o caminhão é descarregado. E isso, sim, notava-se pela velocidade em que iam os caminhões que haviam sido descarregados. Que estavam vazios. Pelo som do caminhão você percebia.
Gostaria de dizer algo mais?
Com os anos, ficou-se sabendo de muitas coisas. Começou-se a falar dos voos da morte. Parece-me uma coisa monstruosa que alguém seja capaz de jogar de um avião outro ser humano vivo na água, parece-me monstruoso. Todas estas sensações que eu possuo agora, naquele momento, não possuía, não conhecia nada disso.
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Plano monstruoso na ditadura argentina. “Pelo som do caminhão, você percebia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU