08 Fevereiro 2012
“A internet abre um novo espaço para se pensar a democracia participativa, para pensar a própria transformação política”, declara o pesquisador.
Confira a entrevista.
Os projetos de lei estadunidenses Proteção da Propriedade Intelectual (PIPA) e Parar a Pirataria Online (SOPA), que foram alvo de protestos na internet, querem “criar um tipo de legislação que ultrapasse a própria fronteira do universo norte-americano” e têm interesses “localizados e pontuais dos grandes cartéis da indústria de massa”, avalia Henrique Antoun, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
De acordo com o pesquisador, ao acionar o FBI para retirar o site Megaupload do ar, “a Motion Picture Association of America - MPAA mostrou que manda no FBI”. Para ele, o agravante desta situação “não é a MPAA fazer isso, mas, sim, ignorar as fronteiras do mundo”. E explica: “As pessoas que ela mandou prender não são norte-americanas, o site que ela mandou fechar não está sediado nos Estados Unidos. Ela está brigando para extraditar holandeses, suecos e europeus, para julgá-los conforme uma lei norte-americana. Isso é chocante!”.
Antoun diz ainda que as tentativas de intervir na liberdade da internet advêm do fato de ela não ser um espaço de publicidade e promoção, como a mídia de massa. “A mídia de massa nos deu Hitler, nos deu Stalin, nos deu Getúlio ditador e uma série de outras porcarias. Qualquer pessoa pode se manifestar na internet e ter um discurso totalitário, mas em volta dela, terão outras pessoas com discursos diferentes, pois ela propícia a conversação de muitos com muitos”, aponta.
Henrique Antoun é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É coordenador do grupo de pesquisa Cibercult e secretário executivo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como você avalia os projetos de lei Proteção da Propriedade Intelectual (PIPA) e Parar a Pirataria Online (SOPA), que estão em discussão nos EUA? Qual a intenção desses projetos?
Henrique Antoun - Eles querem regulamentar a lei de propriedade intelectual na internet e, inclusive, criar um tipo de legislação que ultrapasse a própria fronteira do universo norte-americano. A ideia é criminalizar globalmente todo tipo de ato de cópia, apropriação, reutilização dos produtos da indústria cultural, sobretudo da televisão, do cinema e das gravadoras. Esta iniciativa não é novidade e está ligada à política do governo democrata. Não podemos esquecer que à época do governo Clinton foi criada a grande maioria das legislações restritivas da internet. Dentro do partido democrata tem um grupo responsável pela movimentação dessa agenda. O que ultrapassa a previsão é a amplitude e o grau de truculência com que isso vem sendo implementado.
IHU On-Line – Esses projetos são viáveis, considerando a liberdade da internet?
Henrique Antoun – Essa discussão não interfere em nada na base da internet. Se alguém intervém e fecha um site ou se processa pessoas pelo que elas fazem na internet com base em uma lei que torna algo proibido ou não, a internet continua sendo um lugar aberto. O problema é usar uma legislação para fazer valer um interesse determinado. Esses projetos de lei representam interesses muito localizados e pontuais dos grandes cartéis da indústria de massa, e não estão interessados em fazer com que outras maneiras de comércio e distribuição possam existir no mundo, para manter as maneiras que eles dominam. Há aí uma briga de indústrias: as empresas sediadas na rede, como o Facebook, Twitter, Youtube, Wikipédia, entre outras, contra as grandes empresas sediadas fora da rede, as quais dependem do velho modo de distribuição “um para todos”.
IHU On-Line - Diante do projeto de lei Sopa, esses sites se posicionaram de maneiras diferentes. A Wikipédia saiu do ar durante 24 horas, mas em contrapartida a Apple e a Microsoft não se pronunciaram oficialmente sobre o projeto de lei SOPA e o executivo-chefe do Twitter disse que o site não participará dos protestos e classificou as ações como “tolice”. Como compreender essas diversas posições e discursos?
Henrique Antoun - Há diferenças. O Twitter é o menos atingido com esses projetos, por isso ele pode posar de “tolice”, ao contrário do Youtube, do Google, do Facebook, ali não circulam os tais bens que podem gerar esse tipo de confrontação. A posição da Apple e da Microsoft já era esperada: elas sempre defenderam a propriedade intelectual e a propriedade privada da informação, mesmo que elas façam isso, inclusive, ambiguamente. Por exemplo, quando a Apple lançou seus produtos, usou as gírias “ripar, baixar e copiar”. Foi com esse vocabulário que ela lançou um dos Apple’s. Então eles são ambíguos, e sempre vão jogar dos dois lados.
A Microsoft hoje é a mais frágil, o monopólio dela está se dissolvendo a olhos vistos e ela está desesperada para reentrar nesse mundo da rede, mas não consegue entrar por lugar algum. Ela já tentou de tudo, já tentou fazer aliança com Facebook, já tentou se apropriar do Yahoo, mas não consegue nada. O fato de um dos fundadores da Apple ser um dos grandes hackers do movimento hacker no mundo, diz tudo sobre a posição da Apple empresa.
IHU On-Line – Caso os projetos de lei sejam aprovados, há possibilidade de se discutir outras questões e criar novas leis, inclusive de censura?
Henrique Antoun – O principal problema é a amplitude desses projetos. A Motion Picture Association of America - MPAA mostrou que manda no FBI e o acionou através do Digital Millennium Copyright Act – DMCA para fechar e criminalizar o site Megaupload, justamente para mostrar que tem poder. Mas o que choca nessa atitude? Não é a MPAA fazer isso, mas, sim, ignorar as fronteiras do mundo. As pessoas que ela mandou prender não são norte-americanas, o site que ela mandou fechar não está sediado nos Estados Unidos. Ela está brigando para extraditar holandeses, suecos e europeus, para julgá-los conforme uma lei norte-americana. Isso é chocante! Então, se não há fronteiras, quero votar no presidente norte-americano. Por que a lei americana pode me atingir e os direitos não?
IHU On-Line - Quais são as vantagens e desvantagens da intervenção do poder público na internet?
Henrique Antoun - A esquerda não para de clamar pela entrada do poder público na internet. Eu sou completamente contrário a isso; a internet é um lugar de liberdade. O Estado é a polícia, é o imposto. Se o Estado fosse uma maravilha, ninguém precisava lutar. Mas a esquerda tem uma fascinação pelo Estado e confunde o público com o comum. A internet tem que ser mantida como um lugar comum, como um lugar de produção e distribuição do comum, mas isso não significa que a gestão deve ser estatal.
IHU On-Line - Como o senhor vê o debate de que a internet propícia a pirataria? Qual o limite entre o direito do autor e o compartilhamento de arquivos?
Henrique Antoun - Os autores normalmente gostam do compartilhamento de arquivos, com exceção de conjuntos como o Metálica ou cantoras como Madonna, que são viciados em grandes quantias de dinheiro. Todo mundo sabe que quanto mais um produto circula na internet, mais se vende fora dela. Está aí a Lady Gaga e vários outros que não me deixam mentir. A internet nunca impediu ninguém de vender nada. Agora, quem reclama disso são os produtos de massa, que precisam vender numa proporção louca, porque eles têm um investimento de publicidade mais louco ainda.
IHU On-Line - De que maneira a internet contribui para a ampliação da democracia participativa? Na prática, como isso tem funcionado?
Henrique Antoun - A questão é controvérsia, porque a princípio a democracia é fundada no Estado e nos próprios limites da representação que o Estado estabelece. A democracia representativa significa que poucos devem representar milhões e bilhões. Nesse sentido, toda vez que se fala em democracia participativa, as pessoas pensam querem instalar uma ditadura do proletariado ou um núcleo avançado do partido nazista.
O principal ponto é entender que a internet não é um espaço de publicidade e promoção. Na verdade, quem mais se beneficia entre os grupos violentos, seja na falecida União Soviética, seja na falecida Alemanha Nazista, é a mídia de massa, que é o espaço de publicidade, propaganda e promoção. A mídia de massa nos deu Hitler, nos deu Stalin, nos deu Getúlio ditador e uma série de outras porcarias. Qualquer pessoa pode se manifestar na internet e ter um discurso totalitário, mas em volta dela, terão outras pessoas com discursos diferentes, pois ela propícia a conversação de muitos com muitos. A internet é um lugar de argumentação, não de promoção.
Se uma pessoa quer promoção, ela compra um espaço na televisão, porque a internet não funciona assim. Ninguém consegue fazer uma boa promoção pela internet, porque a “barulheira” em volta não deixa. A internet abre um novo espaço para se pensar essa democracia participativa, para pensar a própria transformação política, porque a política, nos últimos vinte anos, tem sido muito funesta, representado apenas os grandes interesses do Estado e das corporações. Hoje só se elege quem tem muito dinheiro para pagar muita gente.
IHU On-Line - O senhor diz que a internet está na base das mudanças nas formas de organização dos movimentos sociais possibilitando a emergência de uma multidão inteligente. Movimentos como o 15M da Espanha e Ocuppy Wall Strett são exemplos da emergência de um novo modelo de movimento social? Há, nesses movimentos, uma consciência política?
Henrique Antoun - Os movimentos sociais que emergiram nos anos 1960 e 1970 moldaram a forma da internet, porque eles, a partir dos anos 1980 invadiram esse espaço privado de militares, banqueiros e grandes corporações. Eles inventaram os grupos de discussão e inventaram o renascimento da movimentação política num momento em que a mídia de massa dominava todo o cenário e que podia, inclusive, criar conjuntos fake de música virarem grandes sucessos de vendas. Eles inventaram os grupos de discussão, as comunidades virtuais, criaram os canais de entrada do público dentro dessa rede, transformando ela num ciberespaço.
Antes dessa entrada dos movimentos na rede, ela era uma rede para circulação de capital monetário e conspiração militar. Com a internet, se tem a chance de a multidão, entendida como um capital social, fazer frente ao grande capital, ao capital monetário, ao capital de endividamento e de financiamento, porque é o que está sobrando. Ou a pessoa tem muito dinheiro para muita gente falar tudo o que ela quer, ou se tem muita gente para contraargumentar e fazer outro movimento. A internet é o lugar para contraargumentar e fazer outro movimento. Ela promove uma consciência política diferente e não é como os velhos grupos ideológicos, em que uma grande ideologia conduzia todos os processos. As pessoas manifestam seus interesse particulares.
(Por Patricia Fachin)
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"A internet tem que ser mantida como um lugar comum, um lugar de produção e distribuição do comum". Entrevista especial com Henrique Antoun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU