29 Julho 2010
O Rio Grande do Sul recebeu, neste mês de julho, a 11º edição do Fórum Internacional Software Livre. Dentro dele, um dos temas mais abordados foi a questão do compartilhamento e da pirataria. A IHU On-Line conversou sobre o tema com um dos participantes do evento, o militante do Partido Pirata do Brasil e analista de tecnologia da informação, Leandro Chemalle, que levou nossas questões até a comunidade do partido no país e, juntos, responderam nossas questões por e-mail.
A influência do compartilhamento no comportamento social das novas gerações, a lei dos direitos autorais no mundo e o posicionamento do Partido Pirata no Brasil e no mundo foram tratados nesta entrevista. “Podemos dizer que a pauta do Partido Pirata Brasileiro, mesmo ainda em formação, é bem mais completa do que a dos partidos europeus, pois incluímos questões ligadas à transparência pública, inclusão digital e software livre. A realidade dos países europeus permite que existam partidos com pautas bem específicas e sem um projeto de país”, afirmou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que comportamento social o compartilhamento de arquivos na internet evidencia?
Partido Pirata – A colaboração, a democratização da cultura e o compartilhamento de arquivos nos permitem ter acesso a livros, textos, artigos e até mesmo opiniões, cujo acesso sem o compartilhamento seria praticamente impossível.
IHU On-Line – Você é a favor do compartilhamento de arquivo de qualquer natureza?
Partido Pirata – Não é de hoje que empregos deixam de existir, o mundo está em constante mudança e o impacto cultural que a internet trouxe, evidenciando maneiras antiquadas de se faturar com filmes, músicas, livros e afins, está em declínio. Fomentar o mercado tradicional é parar com ocrescimento cultural. Um dado recente da Amazon.com mostrou que, em determinada data, os três livros em papel mais vendidos foram os que disponibilizaram todo o seu conteúdo gratuitamente e oficialmente em seus sites oficiais. Esse é um parâmetro que mostra que o compartilhamento de arquivos pode ajudar mais a indústria, se ela souber utilizá-lo, ao invés de combatê-lo. Por conta desse e de outros aspectos, sim, somos a favor do compartilhamento de arquivos de qualquer natureza.
Nós defendemos a privacidade e a liberdade dos cidadãos. Neste sentido, o que duas pessoas compartilham em P2P [1] entre quatro paredes é questão que diz respeito somente a elas. Existe uma "pegadinha" do tipo: "eles defendem o compartilhamento de qualquer arquivo, logo defendem ocompartilhamento de arquivo entre pedófilos?". Mas, a pedofilia tem sido usada amplamente como bode expiatório para coibir outras práticas.
IHU On-Line – Qual a situação atual da negociação de um tratado internacional entre países ricos para enrijecer as leis de direitos autorais?
Partido Pirata – O Tratado Internacional Anti-Contrafação (Anti-Counterfeiting Trade Agreement - ACTA) tem sido negociado a portas fechadas por um pequeno grupo de países, que inclui EUA, Japão e alguns países da Europa e tem como objetivo aumentar as restrições e punições anti-pirataria nesses países. Acontece que este tratado pode ter efeitos nocivos em todo o planeta. Como, por exemplo, um medicamento que estiver sendo importado da China para o Brasil. Ele pode ser legal nos dois países, mas se o navio atracar na Holanda e, pelo ACTA, esse medicamento infrinja alguma patente holandesa, a carga Chinesa pode ser apreendida no porto.
IHU On-Line – Que tipo de prejuízos o copyright nos traz hoje?
Partido Pirata – O maior prejuízo do Copyright está no seu atraso. Ele foi criado em tempos onde para se ter acesso a qualquer tipo de produção era necessário a obtenção de uma cópia física, seja um LP, uma fita cassete ou um livro. O Copyright foi criado sem considerar o digital. O prejuízo está no fato de que ele impõe restrições que não são compatíveis com os tempos atuais. Neste sentido, surgiu o Creative Commons, em alternativa aoCopyright.
IHU On-Line – A lógica do Creative Commons é o futuro?
Partido Pirata – A lógica do CC é o presente. Existe um vídeo muito didático que explica o CC disponível aqui. Este vídeo mostra que o CC não compete com o Copyright, mas, sim, o complementa. É uma nova opção de licenciamento para cobrir demandas de licenciamento criadas a partir da possibilidade do compartilhamento e da produção colaborativa não contemplada pelo Copyright.
IHU On-Line – Você acha que as redes sociais virtuais podem ser um espaço de mobilização social coletiva, capaz de provocar mudanças significativas?
Senador Azeredo |
Partido Pirata – Já são. Como exemplo, temos a própria organização do Partido Pirata no Brasil que se iniciou através de comunidades e depois o próprio coletivo que vem se estruturando como uma rede social. Outro exemplo foi o movimento Mega Não [2], em resposta ao projeto de controle da internet do Senador Azeredo [3] e, mais recentemente, o próprio governo federal tem utilizado redes sociais para construir políticas públicas como o culturadigital.br.
IHU On-Line – Qual a importância de garantir a livre disseminação da cultura numa sociedade que se baseia cada vez mais em informação?
Partido Pirata – Em uma sociedade que se baseia na informação, garantir a sua livre disseminação é garantir a liberdade, a soberania e os direitos fundamentais de todos os cidadãos.
IHU On-Line – Como o Partido Pirata, aqui no Brasil, vai se posicionar nas próximas eleições?
Partido Pirata – O Partido Pirata não vai apoiar nenhum candidado, mas está finalizando um questionário que será disponibilizado para todos os que concorrem com questões ligadas a direito autoral, marco civil da internet, compartilhamento e P2P, transparência pública, software livre e padrões abertos e banda larga. O Partido Pirata vai compilar essas respostas e disponibilizar em nosso site, a fim de deixar para os eleitores as posições dos candidatos que responderem sobre esses temas.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre a pauta dos piratas brasileiros e a dos piratas europeus?
Partido Pirata – Começa pela própria diferença de realidade entre o Brasil e a Europa. Podemos dizer que a pauta do Partido Pirata Brasileiro, mesmo ainda em formação, é bem mais completa do que a dos partidos europeus, pois incluímos questões ligadas à transparência pública, inclusão digital e software livre. A realidade dos países europeus permite que existam partidos com pautas bem específicas e sem um projeto de país. No caso do Brasil, esse cenário é diferente e esta, certamente, será uma das discussões importantes de nosso encontro nacional que acontecerá em São Paulo de 13 a 15 de novembro deste ano.
Notas:
[1] P2P, ou Peer-to-Peer, é uma arquitetura de sistemas distribuídos caracterizada pela descentralização das funções na rede, onde cada nodo realiza tanto funções de servidor quanto de cliente.
[2] A proposta do movimento Mega Não, é ser um meta manifesto, um agregador de informações e de diversas manifestações na Internet e fora dela, com o objetivo de combater o vigilantismo.
[3] Eduardo Brandão de Azeredo é graduado em Engenharia mecânica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais com Pós-Graduação em Engenharia econômica pela Fundação Dom Cabral. Desde a década de setenta é analista formado pela IBM do Brasil, onde trabalhou por mais de dez anos, presidiu varias empresas estatais de informática, Prodemge, Prodabel, Serpro e da área privada a Belgo Mineiro Sistemas. É autor da "Lei Azeredo", que foi apelidada de AI-5 Digital, pois obrigaria provedores de Internet a monitorar todos dados trafegados pelos cidadãos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A privacidade e a liberdade dos cidadãos. Entrevista com Leandro Chemalle e o Partido Pirata do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU