05 Fevereiro 2010
Quem tem uma conta no Twitter está habituado com a pergunta que instiga os comentários de cada usuário do microblog “o que você está fazendo”?. Pois é na tentativa de responder a esta pergunta que muitos usuários acabam fazendo relatos superficiais de seus cotidianos, contribuindo para o fenômeno que a pesquisadora Adriana Amaral chama de “irrelevância informativa”. Mas qual é o problema de não falar coisas relevantes o tempo todo? É aí que Adriana, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line explica que “essa irrelevância está relacionada com a própria memória e o sentido histórico daquele momento e que, a partir dela, podemos depreender alguns comportamentos, padrões e até mesmo alguns aspectos no sentido comunicacional”. A jornalista defende que podemos compreender algumas relações sociais a partir desses comentários. “As observações do cotidiano são bastante pertinentes. Por isso é importante não descartarmos ninguém a priori por causa dessa irrelevância informativa, porque atrás dela percebemos várias nuances que vão dar conta até do espírito dessa época”.
Jornalista e pesquisadora de cibercultura, Adriana Amaral é professora do mestrado e doutorado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti, do Paraná – UTP, e da Faculdade Internacional de Curitiba - Facinter. Viciada em música e cultura pop, seus interesses de pesquisa são comunicação e cibercultura, teoria da sci-fi e imaginário tecnológico, subculturas, etnografia virtual, padrões de consumo na web, cenas, gêneros e música online. Seu blog pessoal é http://palavrasecoisas.blogspot.com/
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como podemos compreender e interpretar o fenômeno da irrelevância informativa na internet, principalmente em redes sociais como o Twitter e o Facebook?
Adriana Amaral – Essa irrelevância se dá muito a partir do que é o senso comum, para relacionar com essas discussões e conversações que se tem no cotidiano. Na verdade, irrelevância informativa não é algo da internet em si. Isso acontece num bar, numa lanchonete, em qualquer ambiente social em que as pessoas se relacionam. Na maioria do tempo não ficamos falando coisas altamente relevantes. Então, são conversas cotidianas que vão e voltam, mas que têm uma função. Só que isso fica mais evidente nas redes sociais e então muitas pessoas acabam relacionando essa irrelevância com a internet. E, além disso, não conseguem perceber que essa irrelevância está relacionada com a própria memória e o sentido histórico daquele momento e que, a partir dela, podemos depreender alguns comportamentos, padrões e até mesmo alguns aspectos no sentido comunicacional. Podemos compreender algumas relações sociais a partir daí. As observações do cotidiano são bastante pertinentes. Por isso é importante não descartarmos ninguém a priori por causa dessa irrelevância informativa, porque atrás dela percebemos várias nuances que vão dar conta até do espírito dessa época. Mas, ao mesmo tempo, é algo que pode ser muito chato, isso é inegável.
"A irrelevância informativa também carrega alguns aspectos que são interessantes para analisarmos como a performance social se dá. E daí vemos exatamente a disputa de poder entre os determinados grupos"
IHU On-Line - Que tipo de comportamento social fica evidenciado neste tipo de fala na web? Em que sentido essa superficialidade na internet reproduz a ordem social atual?
Adriana Amaral – Por detrás da irrelevância dos comentários, seja sobre um programa, ou sobre seu cotidiano, as pessoas estão colocando opiniões e algumas relações de poder, porque a linguagem vai trazer essa questão do poder. E aí veremos algumas disputas, mesmo de construção de identidade e de hierarquia. São várias análises que podemos fazer a partir disso. Não podemos pensar a comunicação apenas como uma transmissão de informações. A irrelevância informativa também carrega alguns aspectos que são interessantes para analisarmos como a performance social se dá. E daí vemos exatamente a disputa de poder entre os determinados grupos.
"Apesar desse aspecto de liberdade que a internet parece ter, ficam muito nítidas nessas disputas algumas questões hierárquicas"
IHU On-Line - O que caracteriza a matriz comunicacional de relatos pessoais de cotidiano?
Adriana Amaral – A partir dos relatos de cotidiano, percebemos que, muitas vezes, temos alguns padrões, como linguagens, que serão de normatização das condutas. A pessoa se coloca com uma determinada opinião e começa a apontar normas e protocolos de comportamentos na rede, que acabam reproduzindo um pouco o que temos no mundo offline. Por exemplo, quando estamos em um determinado ambiente, existem normas. Se eu me comunico com uma determinada pessoa, uso um determinado aspecto da minha personalidade. Eu uso um tipo de linguagem para falar se estou no trabalho; já se estou num bar com meus amigos, a linguagem é completamente diferente. Tem coisas que farei num local e não farei no outro. Nessas informações que são postadas nas redes virtuais, colocamos informações que são “controladas”. Cada um determina esse fluxo. Então, essa matriz comunicacional dá conta destas relações e aponta justamente para esses exercícios que se fazem, de disputa simbólica, que teremos a partir desses “parecer ser”, porque as informações estão muito mais relacionadas ao outro do que comigo mesmo. É muito mais uma projeção, uma performance, naquele ambiente, e tem um certo “controle”. Eu não vou postar tudo o que eu quiser, porque de repente eu posso ofender meu chefe, serei demitido, por exemplo. Então, apesar desse aspecto de liberdade que a internet parece ter, ficam muito nítidas nessas disputas algumas questões hierárquicas.
"Temos a percepção do outro, que se materializa em função de seus escritos, inclusive das informações irrelevantes"
IHU On-Line - Quais as diferenças que podem ser estabelecidas quando se trata de uma pessoa comum e uma celebridade que descreve seu cotidiano no twitter?
Adriana Amaral – Esse tipo de ferramenta reduz bastante a diferença entre uma pessoa anônima e comum, e uma celebridade. Porque muitas pessoas têm um grande número de seguidores, independente de ser famoso previamente na mídia de massa. Contudo, existe uma amplificação no sentido do efeito que vai gerar uma comunicação feita por uma celebridade numa rede social. Ela vai disseminar, gerar pauta para os veículos interessados e aquele grupo de fãs que segue aquela celebridade, vai acabar defendendo-a. Aqui veremos de novo aquela questão da disputa. Por exemplo, no caso da Xuxa Meneghel, que parou de usar o Twitter, porque xingou as pessoas por conta do comentário da filha dela. Ali vimos nitidamente as pessoas que são fãs da Xuxa e aquelas que odeiam a Xuxa, os anti-fãs. Aquilo se converteu num campo de batalha simbólica, em que as pessoas começaram a trocar acusações. Muitas celebridades terão que saber como fazer esse tipo de mediação, até que ponto podem falar e que tipo de coisa podem revelar ou não; ou devem se lembrar do velho ditado “quem está na chuva é para se molhar”. A diferença principal é nesse tipo de amplificação, porque de repente um comentário pode gerar toda uma outra discussão, ou até uma repercussão negativa. Às vezes, a celebridade não está acostumada a lidar diretamente com determinados tipos de ataque. Uma pessoa comum já sabe melhor como gerenciar isso. De repente a celebridade espera que todos caiam aos seus pés e que não vai ter esse tipo de detratores.
"As pessoas (...) usam determinadas partes recortadas da sua personalidade para demonstrar um determinado pertencimento, uma determinada aliança, ou não"
IHU On-Line - Em que medida as falas personificadas, de cotidiano, no Twitter ou Facebook podem simbolizar uma necessidade de pertencimento dos indivíduos a este novo universo?
Adriana Amaral – Essa necessidade de pertencimento aparece bastante em relação aos grupos aos quais as pessoas vão se associar. A identidade se dá a partir da filiação ou não a determinado grupo. O que importa é que vai haver ali um discurso que revelará esse tipo de performance. Temos a percepção do outro, que se materializa em função de seus escritos, inclusive das informações irrelevantes. Mas isso não é uma coisa da internet ou das redes sociais virtuais. As pessoas já fazem isso nos ambientes sociais em que vivem, usam determinadas partes recortadas da sua personalidade para demonstrar um determinado pertencimento, uma determinada aliança, ou não. Tudo isso passa pelas relações de poder, que acabam tendo vibrações e repercussões na vida offline, porque uma coisa não está descolada da outra.
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A superficialidade e as relações sociais na web. Entrevista especial com Adriana Amaral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU